Após vários meses de campanha eleitoral, os mexicanos decidirão neste domingo (01/07) o governo que comandará o país nos próximos seis anos.
Apesar das declarações apazigauadoras em todos os veículos de imprensa mexicanos, a corrida presidencial chega ao fim em um clima de violencia em um país que não foi capaz de garantir uma eleição verdadeiramente democrática, como demonstram os atentados ocorridos na sexta-feira da semana passada (22/06) no Estado de Tamaulipas, ao norte do país. Um carro-bomba explodiu em frente ao palácio de governo, em Ciudad Victoria, causando uma dezena de feridos. Como também ocorreu com um ataque de granadas que foram lançadas na sede da Polícia Ministerial e no sindicato de caminhoneiros.
A partir deste domingo se encerra o sexênio de Felipe Calderón, do PAN (Partido da Ação Nacional), da direita conservadora e tudo leva a crer, segundo as pesquisas de opinião, que seu sucessor será Enrique Peña Nieto, do PRI (Partido Revolucionário Institucional). Esse mesmo partido governou o país sem interrupções de 1928 até o ano 2000.
A campanha eleitoral presidencial foi tensa e com algunas surpresas, como a aparição do movimento #YoSoy132, em resposta ao ataque midiático que foi mobilizado para defender o candidato priista após sua vergonhosa aparição na Universidad Iberoamericana, rodeado por estudiantes que o vaiavam e gritavam para que ele fosse embora de lá.
Rafael Stédile/Opera Mundi
Estudantes realizam uma marcha na vésera da eleição prsidencial, se reunindo na Praça Zócalo. Muitos pedem medidas pela segurança pública
O movimento estudantil animou os últimos dois meses da campanha, mas talvez tenha surgido um pouco tarde demais, já que nestes últimos seis anos o México viveu uma progressiva destruição de seu tecido social, transformando-se em um dos países mais violentos e corruptos da América Latina.
Qualquer que seja o próximo presidente do México, ele terá grandes desafios para resolver: um balanço de 60 mil mortos, milhares de desaparecidos (há quem fale em 20 mil, como o bispo de Saltillo, Raúl Vera) e um país seriamente afetado pela violência e a impunidade.
Para o economista, politólogo e ativista de direitos humanos Sergio Aguayo, um dos acadêmicos mais importantes do país, o governo Calderón tem uma avaliação altamente negativa. “Os indicadores macroeconômicos falam de uma administração financiera muito boa. Neste aspecto, o governo de Felipe Calderón não realizou um trabalho ruim, tanto em nível interno quanto internacional. Mas se falarmos de segurança, aí sim o balanço é péssimo. Calderón nao conseguiu armar uma estratégia realmente exitosa e eficaz contra o crime organizado”, apesar de sua declarada e rapidamente desmentida “guerra ao narcotráfico”, bandeira que durou seis anos e levou o país a um estado de militarização.
No entanto, não é somente no tema de segurança pública que o governo Calderón é mal avaliado pelo professor da Colmex (Colégio do México). “Também no tema da democracia este governo sai com um saldo ruim. Ele não quis desmantelar realmente o velho regime, apesar de os governos panistas se autoproclamarem como os responsáveis pela mudança (discurso também utilizado pelo governo anterior, do empresario Vicente Fox [2000-2006]). Apenas coexistiram com o antigo regime até que acabaram se corrompendo com essa coabitação. Isto se repercutiu com a deterioração dos valores culturais e cívicos dos mexicanos nos últimos doze anos. E, de fato, nesse período a corrupção cresceu demais”, afirma.
Com uma campanha midiática quase totalmente a seu favor, e acusações de compra e venda de votos, em uma estratégia eleitoral que lembra muito a dos velhos métodos priistas, Peña Nieto, que também é apontado como o candidato da Televisa, uma das maiores cadeias de mídia da América Latina, deverá ser eleito o novo presidente do país. A última pesquisa opinião lhe dava vantagem de treze pontos percentuais – a disputa será em turno único.
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Considerando seu passado como governador do Estado de México (que não inclui a capital federal), entre 2005 e 2011, Aguayo é pessimista quanto a posibilidade do PRI na Presidência. “Creio que Peña Nieto vai ganhar, ainda que não com a diferença de votos que as pesquisas querem nos fazer acreditar” afirma Aguayo.
“Veja sua equipe de campanha, a proximidade com gente como Luís Videgaray (ex-secretário de Finanças do Estado do México durante a administração de Peña Nieto), ele é o atual coordenador de campanha. Imagino um bom controle das finanças públicas. Ao mesmo tempo, considero que o PRI do Estado de México é o grupo político mais atrasado do país. Haverá muito pouca liberdade de expressão no governo presidencial de Peña Nieto. Autoritarismo e pouca clareza na prestação das contas. Em relação ao tema de segurança pública, há uma total ausencia de propostas originais por parte do candidato priista”, afirma.
Federico Mastrogiovanni/Opera Mundi
O ativista em direitos humanos e acadêmico mexicano Sergio Aguayo
O tema da segurança pública, junto com o fantasma do narcotráfico e seus poderosos cartéis, não foi tratado de forma detalhada por nenhum dos candidatos presidenciais. O tema, no entanto, não passou desapercebido pela população, considerando a enorme quantidade de mortos, decapitados e desaparecidos nos últimos anos, a militarização do país, o abuso das forças policiais em todo o territorio nacional e as milhares de denúncias que sequer foram investigadas.
Cada candidato teve seus motivos para não falar do tema do narcotráfico em sua campanha. Josefina Vázquez Mota, candidata del PAN, por exemplo, apesar de sua vontade de se mostrar diferente de Felipe Calderón, não conseguiu afastar sua imagen dos erros da política de guerra às drogas no governo panista. Andrés Manuel López Obrador, candidato progressista pelo PRD (Partido da Revolução Democrática), apesar de salientar sua vontade em combater a corrupção, também não apresentou propostas innovadoras.
Rafael Stédile/Opera Mundi
Movimento #Yosoy132 pede mudanças e protesta contra influência da mídia na campanha eleitoral
“A relação entre Estado e crime organizado é um dos maiores desafíos deste país. Ninguém quería se queimar com ese tema, por isso ninguém tocou nele. Outra razão muito importante é que nenhum candidato quer parecer fazer oposição às Forças Armadas. E uma luta séria contra o narcotráfico implica forçosamente em um questionamento em relação às ações militares, sejam do exército ou da policía. Mas ninguém quer fazer é impossível governar sem o apoio dessas instituições. Outra razão muito importante é que, para resolver os problemas do crime organizado desde a sua base, é necessário também abordar a corrupção da classe política. No México, há uma relação muito estreita entre os governos estaduais e o crime organizado. É muito difícil que o candidato del PRI, por exemplo, trate o tema de maneira séria, quando é do PRI que saem muitos governadores de Estados onde o crime organizado é mais forte, como Tamaulipas, Veracruz ou Nuevo León. Desenvolver um plano integral contra o crime organizado implica também pronunciar-se sobre a estratégia anti-drogas dos Estados Unidos, e isso é algo que também ninguém quer fazer”, explica o acadêmico.
O que se configura é um cenário pouco promissor, que faz pensar mais em um regresso ao passado do que em uma mudança positiva para o povo mexicano. Não faltarão as surpresas de último momento, mas quem ganhar terá anos difíceis pela frente.