Samuel Chaves/Multishow/Divulgação
Com letras de cunho feminista e conexões com membros dos movimentos Occupy nos Estados Unidos, a Tune-Yards é uma das muitas bandas independentes norte-americanas que vem chamando atenção por seu posicionamento político. No dia 2 de maio, o grupo fez uma apresentação única no Brasil em uma festa fechada no Cine Jóia, no centro de São Paulo.
Para um evento restrito, a platéia é a mais heterogênea possível: uma mistura de sub-celebridades, publicitários, jornalistas e até alguns fãs (cerca de 120 ingressos foram distribuídos de graça na véspera), a maioria desses últimos espremidos perto do palco.
Após terem encontrado o ponto certo de entrosamento, os integrantes parecem tocar em estado abrasivo. A vocalista e líder da banda Merrill Garbus pula para a plateia, sendo conduzida pelas mãos dos presentes, com sorriso estampado no rosto. A cena contrasta com a timidez aparente no começo do show, quando ela parecia mirar algum ponto fixo acima da platéia, como que evitando qualquer contato visual.
O mesmo contraste entre timidez e espontaneidade já era perceptível durante a entrevista para o Opera Mundi, que foi realizada poucas horas antes do show. Por muitas vezes Merrill olhava para a frente durante as respostas, mesmo mantendo o interesse e falando sem parar, com longas digressões que, geralmente, fugiam do tema original.
Com apenas dois álbuns em sua discografia, a Tune-Yards ganhou destaque como uma das bandas mais interessantes e criativas do atual cenário independente. Seu último disco, “Whokill”, foi presença constante nas principais listas de melhores de 2011.
Além de criar um som que foge dos clichês do gênero, misturando elementos de jazz, folk e afrobeat ao que tradicionalmente é denominado “indie rock”, o grupo tem chamado atenção por sua postura politizada. Deixa bem claras suas convicções feministas nas letras e apoia abertamente os movimentos populares que ficaram conhecidos como Occupy nos Estados Unidos, em especial, o Occupy Wall Street.
Merrill conta que conheceu os organizadores do movimento durante uma apresentação em Nova York: “acho que a razão pela qual me conecto com o pessoal do Occupy é que eu estou tentando perguntar as mesmas questões. Olhar para as coisas e, ao invés de me sentir sobrecarregada com elas, tentar destrinchá-las e ver qual é a simples verdade”.
Ela ainda não sabe até que ponto essas manifestações possuam algum poder efetivo de mudança. Mas acredita que eles já deixaram sua marca: “Quem é que sabe o que vai acontecer a longo prazo? Mas eles estão levantando muitas questões que os políticos vão ter que tratar. Estão lentamente criando uma força com a qual eventualmente esses políticos terão que se engajar”, afirma.
Perguntada sobre o renascimento das manifestações populares em massa nos EUA por razões sociais, Merrill afirma que, durante momentos de crescimento econômico, é comum que a população adote uma postura de que, “se tudo está bem, vai continuar dando certo”. Mas não sabe até que ponto esse fator tornaria o Occupy um fenômeno passageiro, caso a economia do país saia da estagnação. “O Occupy pode se tornar uma espécie de cartum, e as pessoas dizerem algo do tipo ‘ah, esses caras acampando na rua’ ou coisa assim, mas eu acho que eles são muito espertos sobre isso e sobre tudo o que significa. Acho que há tanta agitação nos EUA que pelo menos ela significa que haverá uma mudança de algum tipo. Pelo menos é o que eu espero”, diz.
Comentários sobre a desigualdade social dos EUA são frequentes nas canções do Tune-Yards, como em “My Country” (when they have nothing/ why do you have something/when they have nothing) ou em “You Yes You” (I was born to do it/my daddy had enough so I put my back into it/that man was born to do it too/he didn´t have enough so he cannot sing for you).
O lado de Obama
Mesmo tendo passado por algumas decepções, ela ainda aposta suas fichas no democrata Barack Obama para a próxima eleição presidencial, que será realizada no dia 6 de maio. “Amo a “idéia” (da reeleição) de Obama (risos). Claro que espero que ele ganhe novamente, para nós vermos ver do que ele é capaz. Muitas das pessoas que votaram nele na primeira vez se desapontaram logo de cara, pela maneira como ele conduziu a questão no Afeganistão, ou como pendeu para a direita às vezes. Ao mesmo tempo, é realmente difícil estar na posição dele. O sistema político norte-americano é tão paralisado que muita gente se pergunta se uma única pessoa vai mudar tudo. E a resposta é ‘não’”, diz, frisando o quanto acha importante o posicionamento e a participação das pessoas na vida política.
Nem por isso Merrill considera a atuação do chefe de Estado dos EUA um fracasso: “Acho que Obama colocado temas como a reforma da saúde pública e a ajuda financeira aos estudantes e à própria educação como prioridades. E também luta pela crença de que o governo tem a habilidade de tornar a vida das pessoas melhor, enquanto a oposição diz que o governo não tem papel na vida de ninguém, o que eu acho ridículo”, diz.
Feminismo
Samuel Chaves/Multishow/Divulgação
Outro tema freqüente nas letras das bandas são os aspectos feministas. Merrill se prontifica em dizer que seu engajamento é declarado. “Se você é uma mulher capaz de se expressar, então você é uma feminista. Porque você está reconhecendo que é um ser humano digno de falar e ser ouvido. Ser uma feminista para mim é algo sobre o qual nunca preciso pensar a respeito”.
Para Merrill, assumir uma postura feminista funciona mais de maneira intuitiva do que propriamente ligada a uma corrente de pensamento específica. Em canções ambíguas como “Powa”, a personagem parece sentir falta da agressividade do amante ao mesmo tempo em que explode de raiva ao se perceber em uma situação submissa (“you bomb me with life´s humiliation everyday/and you bomb me so many times I never find my way”).
Mas a vocalista faz questão de enfatizar a diferença entre a sua postura e a de outras colegas na indústria musical: “Mulheres na música estão sempre falando coisas como “uh, eu quero você, baby” (risos). Se o fato de eu não fazer isso me torna uma feminista, então sim, eu sou”.
Ativismo artístico
Para Merrill, existem maneiras mais sutis para transformar a consciência política das pessoas através da música, uma estratégia que caiu em desuso nas últimas décadas. Uma saída, por exemplo, é não adotar uma postura panfletária. Ao invés de seguir uma linha doutrinária, o que seria o caminho mais fácil, as letras da banda são quase surreais, como um fluxo de consciência ininterrupto.
Ainda assim, o conteúdo político do Tune-Yards é claro e se faz presente o tempo todo. “As coisas têm um pouco mais de nuance nos dias de hoje, não são mais tanto ‘preto e branco’, ou ‘certo e errado’. Sinto que, em nossa geração, há muito mais em que se basear”, diz.
Essas nuances podem ser percebidas em canções que viram ao avesso o conceito tradicional de romantismo, como em “Riotriot”, que parece relacionar o desejo sexual com a adrenalina de participar de uma manifestação (“there is a freedom in violence that I don´t understand/and like I never felt before”) ou no lamento soul de “Doorstep”, onde a protagonista se lembra do amante sendo morto pela polícia (“don´t tell me the cops are right in a wrong like this/ policeman shot my baby crossing right over my doorstep”).
Além dessas características mais evidentes, um aspecto curioso do Tune-Yards é como muitos aspectos no som e no visual da banda remetem à infância, desde os vídeos (como o mais recente, “My Country” (abaixo), com a participação de diversas crianças de uma escola de artes de São Francisco) até o logotipo da banda, onde as letras são grafadas alternadamente em caixa alta e caixa baixa. Elemento intencional? “Existe uma espécie de verdade dentro de nós que, enquanto adultos tentamos encobrir com muitas coisas. Com certeza muitas das canções são adultas, mas talvez a forma de expressá-las seja meio infantil, com uma espécie de inocência ou qualidade ingênua”, explica a vocalista.
Horas depois, essa mesma qualidade chega ao ápice enquanto o show se aproxima do fim. A apresentação inteira é como uma celebração aonde os tais elementos do mundo adulto vão sendo abandonados gradualmente, até que tudo parece se transformar em uma espécie de festa infantil onde gente grande foi expulsa e as crianças tomaram conta.
Enquanto Merrill deixa de lado qualquer resquício de timidez ao mergulhar de cabeça entre os braços do público, a banda no palco explode num caos improvisado de piano, guitarra, saxofone, baixo e bateria. A parte do público que está ali presente para ver a banda certamente aprova.
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