O Fatah – primeira organização de resistência palestina, ativa há 50 anos – volta a se reunir em um Congresso após 20 anos e mais uma vez, em um 4 de agosto, uma das possíveis datas de nascimento de seu chefe histórico, Yasser Arafat. O 6º encontro, que durará três dias, é realizado pela primeira vez em território palestino, em Belém – e busca regenerar a liderança do partido.
O 5º Congresso, em 1989, aconteceu em Tunis, Tunísia, quartel-geral da resistência palestina depois da saída forçada do Líbano em 1983.
Em vinte anos, muitas coisas mudaram e o programa oficial promete “uma reavaliação dos acontecimentos depois do 5º Congresso”. De início, uma análise do acordo de Oslo de 1993, que cria o modelo da “autoridade palestina”, a ANP (Autoridade Nacional Palestina) e permite a volta de parte substancial dos quadros no exterior, sendo o primeiro deles, Arafat.
Oslo fracassou desde os primeiros dias, não somente pela má fé israelense e/ou incompetência palestina, mas especialmente “pelo absurdo de dar aos palestinos a gestão das populações das grandes cidades sem o domínio dos territórios”, afirma ao Opera Mundi Agnes Favier, pesquisadora francesa que estuda o desenvolvimento do conflito israelense-palestino.
Segunda Intifada
Oslo previa a proclamação do estado palestino em 1999. O mau êxito das negociações de Camp David em 2000 e de Taba em 2001 – de fato, nunca restabelecidas – prepara o terreno para a eclosão da segunda Intifada e a chegada de Ariel Sharon ao poder em Israel.
A provocação feita por Sharon em 2001, ao caminhar pela Esplanada das Mesquitas, em Jerusalém – local sagrado para os muçulmanos –, se torna o estopim da revolta palestina. Os ataques de 11 de Setembro, no mesmo ano, completam o contexto: George W. Bush, em pleno “renascimento” conservador, adota as lentes israelenses e a problemática do terrorismo para explicar o conflito.
O fim da mediação norte-americana coloca frente a frente o terrorismo palestino e o terrorismo de estado israelense, envoltos em um espiral de violência sem fim. Sharon ainda logra encurralar Arafat em seu quartel-geral na cidade de Ramalá, na Cisjordânia, até sua morte, em um hospital de Paris em 2004, e vende ao mundo a retirada de colonos judeus da Faixa de Gaza em 2005 como um ato de paz.
Hamas
Mahmoud Abbas é eleito presidente da ANP em 2005, e as eleições legislativas de 2006 (as primeiras desde 1996) dão ao Hamas uma confortável maioria no “Majliss” (parlamento) pra formar o governo.
O Fatah – que perde com o resultado o estatuto de principal força – reconhece a derrota, mas se nega a colaborar. O resto do mundo se recusa a reconhecer a vitória do grupo islâmico. Em 2007 um “golpe” do Hamas, que expulsa todas as forças de segurança da ANP de Gaza, traduz a divisão da base do estado palestino em dois territórios e duas lideranças.
Hoje (4), Abbas inaugurou a 6ª Conferência do grupo dizendo que as diferenças com o movimento islâmico rival, Hamas, aumentaram.”Com suas ações contra nossos militantes na Faixa de Gaza, o Hamas abriu uma brecha com o Fatah”, afirmou.
O Hamas se nega a permitir que os mais de 400 residentes na Faixa de Gaza convidados como delegados vão ao encontro na Cisjordânia. Para levantar o boicote ao evento, o grupo exige a libertação de cerca de mil militantes que estão em prisões na Cisjordânia, território controlado pela ANP.
“O Abbas do Fatah”
Arafat, o “insubstituível”, controlava o Fatah, e a partir daí, a OLP (Organização Pela Libertação da Palestina). Após os acordos de Oslo, ele marginaliza a OLP para assumir a ANP com uma configuração onde somente ele sabia controlá-la. O resultado das urnas em 2005 legitima o “Abbas da ANP”. O Congresso deve legitimar o “Abbas do Fatah”.
“O Congresso vai ratificar a hegemonia de Mahmoud Abbas no Fatah e tentará preparar a organização para que volte a ser a primeira formação palestina”, explica ao Opera Mundi Hussam Kanafani, diretor da seção internacional do diário libanês al-Akhbar.
“Abbas quer um Fatah na medida exata da ANP. Quer reduzir o peso dos refuzniks do exterior (o mais famoso é Farouq Qaddoumi, que herdou o Fatah após a morte de Arafat e sempre se negou a pisar nos territórios até o fim da ocupação), diminuir a influência dos velhos fiéis da geração Arafat e impossibilitar um projeto de movimento que seria autônomo da ANP, como queria Marwan Barghouti, hoje preso em Israel” detalha Favier.
De fato, o Congresso é, sobretudo, um jogo de poder. “Bem mais que as divergências políticas, o local onde eles será realizado e a repartição dos delegados constituíram o essencial da barganha anterior ao evento”, lamenta Sbeih Sbeih, jovem pesquisador palestino de Belém.
Mahmoud Abbas vetou um Congresso no exterior e o número de delegados evolui de hora em hora: no ultimo fim de semana, ele passou de 1,7 mil para 2.250.
A ausência dos delegados de Gaza provavelmente radicalizará a postura anti-Hamas do Congresso, porém, uma cota no conselho revolucionário de 120 membros e no comitê central de 21 membros, principais instâncias em jogo, foi garantida aos habitantes da Faixa de Gaza.
Os delegados representam as seções territoriais, os prisioneiros, os campos de refugiados, as associações setoriais e as diásporas. “São eles que vão determinar o futuro: a refundação do Fatah ou seu enterro, não tem uma terceira opção” vaticina Sbeih.
Qualquer que seja o futuro político do Fatah, o Congresso promete muitas cenas emocionantes entre membros de família e amigos separados por décadas. Hussain Ghonaym, o representante dos palestinos na Ucrânia, só pensa em sua irmã, Nevine, moradora da pequena cidade de Sokhnin. Eles se reencontrarão depois de 29 anos. A última vez que a viu, Nevine tinha 5 anos. Agora, é uma mulher de 34 anos.
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