Com pouco mais de um ano de existência, o movimento político espanhol Podemos já conquistou cinco deputados no Parlamento Europeu, obteve recentemente as prefeituras das duas principais cidades espanholas, Madri e Barcelona, e tem pautado o debate político na Espanha. “Todos estão mudando. Conseguimos que [os partidos] falem em transparência, que o PP [Partido Popular, de direita] fale em agenda social”. É o que afirma um dos líderes do Podemos, Rafael Mayoral, que está visitando o Brasil nesta semana.
Em entrevista coletiva concedida a veículos da imprensa alternativa nesta quarta-feira (29/07) em São Paulo, Mayoral, que é secretário de Relações com a Sociedade Civil e com os Movimentos Sociais, falou sobre diversos temas, desde a cena interna espanhola, passando pela crise grega e a necessidade de se criar um eixo de países do sul.
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Vanessa Martina Silva/ Opera Mundi
Entrevista foi mediada pelo blogueiro Aparecido Lima, conhecido como Cidoli; na foto, Rafael Mayoral
Com uma plataforma de comunicação considerada modelo por partidos de esquerda e movimentos sociais, o Podemos tem como base a ação na internet e redes sociais, como Twitter e Facebook. Eles começaram a ocupar primeiramente a TV comunitária, como conta Mayoral. “O resultado é que [a TV comunitária] tinha muita visitação, então as TVs privadas também começaram a nos chamar para os debates políticos. Onde participávamos, a audiência aumentava. Isso ocorria porque os telespectadores se identificavam, concordavam que os interesses da troika [grupo de credores da dívida formado por Comissão Europeia, FMI e Banco Central Europeu] estavam matando a democracia”, observa.
As pesquisas recentes apontam o Podemos como uma das principais forças políticas na Espanha, com chances reais de chegar ao poder. “Não descartamos ganhar. Não vamos sair [da cena política] sem ter um resultado digno. Vamos até o final”, garantiu Mayoral.
Apesar de considerar importante a conquista das cinco cadeiras no Parlamento Europeu, o advogado observou que o partido está “triste porque a maioria política segue a serviço da troika. Não vamos festejar até que tenhamos a maioria política no país. Não somos uma força cujo objetivo é ter uma atuação que nos faça dormir bem à noite, mas que possa representar uma mudança política real”, disse ao justificar o interesse de chegar ao poder.
É comum que se posicione o Podemos no campo da esquerda. Isto, tanto pelo fato de se considerar um partido-movimento e de ter nascido das manifestações dos indignados, como pelas bandeiras que defende: soberania, fim da austeridade e democracia participativa. Mayoral observa, no entanto, que o Podemos não vai disputar “a batalha no campo da direita, nem da esquerda, porque eles [PP e PSOE] são a direita e esquerda do regime. Nós somos os de baixo”, pontua.
Ele complementa a ideia observando que “os espanhóis que eram despejados de suas casas não eram questionados se haviam votado na direita ou na esquerda”, reafirmando assim a necessidade de que os governos trabalhem para a “maioria social” e não para a “minoria privilegiada”.
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Rafa Mayoral começou sua carreira política como advogado da PAH (Plataforma dos Afetados pelas Hipotecas), movimento social emblemático na luta contra os despejos. Ele conta que mais de 600 mil pessoas — número que, segundo ele, pode chegar a um milhão — perderam as casas em meio à crise econômica vivenciada pelo país. Além disso, cerca de um milhão de jovens deixaram a Espanha em busca de oportunidades.
Democracia direta
A proposta principal do Podemos é baseada em uma espécie de democracia direta, com votações realizadas pela internet e por celular sobre as decisões políticas do partido. “O povo tem que votar. Temos pouco tempo para estar em longas reuniões e queríamos acabar com os tipos que ficam até o fim das assembleias [dois ou três] e que no fim decidem por todos”. Ele esclarece que nas eleições internas do Podemos, qualquer cidadão interessado, e não somente militantes do partido, pode votar. “O programa é da maioria, não do Podemos”, justificou.
Questionado sobre como se daria esse mecanismo em um governo, já que não é possível questionar sempre a população para a tomada de decisões e como se organiza um partido não centralizado, Mayoral esclareceu que o partido tem “assembleias presenciais e elege de forma direta os membros da direção política, mas algumas iniciativas podem ser submetidas a referendos e outras são decisões da própria direção”.
Agência Efe
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Grécia
No conjunto de países da União Europeia em crise, a Grécia é o que apresenta a situação mais complicada social economicamente. Entretanto, Itália, Irlanda, Portugal e Espanha também passam por dificuldades. Neste sentido, Mayoral defende a criação de um “eixo do sul da Europa”, que seria uma articulação de projeto político entre esses países, tendo como ideia central a “construção democrática e recuperação da soberania e dos direitos”.
A Grécia foi, assim, uma esperança para os cidadãos do “sul geopolítico europeu”, como classifica Mayoral — a Irlanda, no caso, não está no sul geográfico da Europa. E, ao contrário de diversos setores da esquerda mundial, o Podemos não corrobora as críticas que foram feitas ao primeiro-ministro grego, Alexis Tsipras, que mesmo após o plebiscito popular que votou “não” ao acordo com os credores europeus, firmou um pacto aceitando mais austeridade em troca de um programa para um terceiro resgate econômico.
“Pela primeira vez, consultaram as pessoas, mas a troika impôs um corralito [limites de saques]. Não sabemos quais foram as ameaças que fizeram à Grécia, o que estava na mesa, mas os gregos tiveram uma derrota. Ao povo grego foram impostas condições inaceitáveis. O país foi submetido a um terrorismo econômico, como disse [o ex-ministro das Finanças e economista Yanis] Varoufakis”, defende Mayoral.
Ele acrescenta ainda que “a esquerda clássica julga o governo grego, mas precisa ser capaz de assumir que [os gregos] foram derrotados. Não tinham aliados na Europa, nenhum país que defendesse a soberania dos povos. Se quiserem achar culpados, estes são: [a chanceler alemã, Angela] Merkel, e o ministro de Finanças alemão, Wolfgang Schäuble”. Mas, para ele, os gregos conseguiram algo, que é “mostrar que não há consenso, tudo é pressão”.
Mayoral reconhece que o resultado da política do Syriza pode influenciar as eleições gerais na Espanha — previstas para o fim do ano —, mas pondera que “em alguns momentos não podem ser feitos cálculos eleitorais, mas sim políticos. Não nos cairá bem o que aconteceu na Grécia. A derrota do povo grego é a derrota de todos os povos da Europa e por isso falamos de um eixo do Sul que defenda justiça social na Europa”.
Por fim, questionado sobre com quem se aliaria mais o Podemos: se ao premiê Alexis Tsipras, que aceitou o acordo com a troika, ou a Varoufakis, que renunciou após o referendo e planeja criar um novo movimento europeu antiausteridade e transnacional, Mayoral disse ser difícil fazer essa dicotomia.
Em sua visão, o ex-ministro das Finanças “ensinou a todos o que é fazer política. Ao tomar posse, tinha a carta de demissão no bolso. Ao sair da negociação com a troika, disse: ‘levarei com orgulho o ódio dos credores’. Ele demonstrou não ter apego a cargos ao dizer que ‘veio servir ao povo e, se para isso o melhor é assumir uma responsabilidade, façamos, mas se o melhor é deixá-la, façamos também’”.
O elogio é seguido por uma certa crítica: dizer que havia um plano B é difícil porque “numa guerra é difícil assinar a capitulação. Pode-se dizer que qualquer resistência teria sido possível…”. E conclui: “É certo que uma parte de mim está com Varoufakis, mas há algo que parece injusto com Tsipras. A esquerda clássica o submeteu a um julgamento duro. Considero que quem não entrou no combate não pode julgar. Ele entrou e perdeu, mas quem não entrou não pode criticar”.