O Brasil foi condenado hoje (7) pela Corte Interamericana de Direitos Humanos da OEA (Organização dos Estados Americanos) por grampear ilegalmente o telefone de líderes do MST (Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra), divulgar as gravações e não penalizar autoridades responsáveis pela quebra do sigilo telefônico.
A OEA avaliou que houve violação ao direito, à privacidade e à honra, difamação, liberdade de associação, garantias judiciais e impunidade. A sentença dada ao Estado brasileiro é indenizar as vítimas no prazo de um ano, estimada em 20 mil dólares para cada uma, além de retomar a investigação dos fatos que geraram as violações e restituir o custo dos processos.
O fato aconteceu no dia 3 maio de 1999, na cidade paranaense de Querência do Norte. O então major Waldir Copetti Neves, oficial da Polícia Militar do Paraná, solicitou à juíza Elisabeth Khater, da comarca de Loanda, região noroeste do estado, autorização para grampear linhas telefônicas de cooperativas de trabalhadores ligadas ao MST. A juíza permitiu a escuta e não notificou o Ministério Público.
O pedido de interceptação foi feito pela Polícia Militar, o que torna a ação ilegal, já que, de acordo com a legislação, apenas a Polícia Civil, a Polícia Federal e o Ministério Público podem solicitar a quebra de sigilo telefônico.
Os telefonemas foram gravados durante 49 dias, e parte do conteúdo das gravações foi divulgado em uma coletiva de imprensa por ordem do então secretário de Segurança Pública do Estado, Cândido Martins de Oliveira. A veiculação das gravações teria induzido uma acusação de desvio de verbas repassadas pelo governo e a ameaça à segurança de autoridades locais.
Não é possível precisar exatamente o número de pessoas interceptadas, mas as investigações dos movimentos sociais estimam que sejam em torno de 34, segundo a advogada Luciana Garcia, da ONG Justiça Global, uma das instituições que, junto ao MST, Terra de Direitos, Comissão Pastoral da Terra e Rede Nacional de Advogados Populares, recorreram à OEA.
Danos
A divulgação de parte das conversas telefônicas gerou também perdas econômicas. Os trabalhadores rurais, que vendem os produtos aos mercados da região, tiveram dificuldade para fornecer a mercadoria por conta da repressão. “Fomos tratados como bandidos, como uma quadrilha”, afirmou Celso Aghinoni, trabalhador rural assentado, em entrevista ao Opera Mundi.
Aghinoni disse que “receber a notícia [da sentença] é um alívio”, já que as consequências não foram apenas econômicas, mas também perseguições aos militantes, num período em que 250 membros do MST naquela região foram presos.
A região de Querência do Norte tem um histórico de violência no campo, e naquela época, foram registradas 16 mortes de trabalhadores rurais no Paraná.
Denunciados
Copetti Neves e Cândido Martins de Oliveira foram denunciados pela Procuradoria. A ação contra Copetti Neves foi arquivada pelo Tribunal de Justiça do Paraná, em 6 de outubro de 2000. Já Cândido Martins de Oliveira foi condenado a dois anos e quatro meses de prisão, no dia 8 de janeiro de 2004, além de pagamento de multa. Mas, em 14 de outubro do mesmo ano, a 2ª Câmara Criminal do Tribunal de Justiça decidiu absolvê-lo. A ação penal foi arquivada. A juíza Elisabeth também não foi punida.
Antes de recorrer à Corte, os trabalhadores já haviam procurado a Comissão Interamericana de Direitos Humanos, que avaliou o caso, ouvindo os trabalhadores, a juíza e a promotoria, e emitiu parecer semelhante à sentença divulgada hoje pela Corte. O Estado brasileiro, no entanto, não cumpriu as determinações.
O papel da OEA
A audiência na Corte Interamericana de Direitos Humanos aconteceu em março de 2007, na Cidade do México, capital mexicana. “A sentença é importante, pois vai endurecer a punição contra aqueles que perseguem os trabalhadores rurais na região”, disse Luciana. A advogada acredita que a sentença é suficiente, e que o Brasil, por ser signatário da OEA, desta vez não deixará de cumprir as determinações.
O Estado deverá apresentar um relatório de obediência à sentença no prazo de um ano. A Corte supervisionará o acatamento íntegro da decisão e só dará por concluído o caso quando o Estado cumprir integralmente a deliberação.
A OEA não tem mecanismos jurídicos para obrigar o Brasil a cumprir a sentença. Há apenas uma pressão política para que ela seja seguida, conforme explicou a doutora em Direito Internacional, Maristela Basso. ”Depende da vontade política da OEA em fazer o Brasil cumprir a determinação”, disse.
Não é a primeira vez que o Brasil vai a julgamento na OEA por crimes cometidos em Querência do Norte. Em abril deste ano, a organização que reúne 34 países do continente americano, com exceção de Cuba, começou a avaliar o arquivamento da investigação do trabalhador rural Sétimo Garibaldi, caso também julgado por Elisabeth Khater. O parecer deve ser dado até junho de 2010.
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Esta é a segunda condenação brasileira na corte. A primeira ocorreu em 2006, no caso de Damião Ximenes Lopes, um deficiente mental torturado e assassinado em um hospital psiquiátrico em Sobral, no Ceará.
A reportagem procurou a juíza e a Promotoria do caso que se recusaram a dar entrevistas.
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