Depois das manifestações e confrontos entre índios e policiais, que deixaram 34 mortos no dia 5 de junho, na selva norte do Peru, o governo do país revogou duas das nove leis contestadas pela população local em defesa de seus territórios. A abertura do diálogo com o Executivo, entretanto, é vista com desconfiança pelos índios e representantes da Igreja.
Para Zebelio Kayap, líder indígena awajún e presidente de uma organização de comunidades fronteiriças com o Equador, no departamento (estado) de Amazonas, a atitude do governo em discutir o assunto é importante, mas até agora não houve planejamento efetivo para resolver a questão. “Nas palavras à nação [do dia 28 de julho], o presidente [Alan García] não mencionou nada, não colocou o tema na agenda nacional”, diz.
O bispo Santiago de la Rasilla, da cidade de Jaén, viajou novamente nesta quinta-feira a Amazonas para visitar as comunidades indígenas, e lamentou a morosidade na resolução do conflito. “É triste e preocupante pensar que o governo não tem tido muito empenho em manter as mesas de diálogo. Falam tanto de prazos quando só estão começando. Dialogar com os nativos é um processo muito lento”, acrescentou.
Rasilla afirmou em entrevista ao Opera Mundi que pretende mediar o diálogo entre o governo e os índios. “Quero procurar a pacificação: o primeiro é jogar fora o desconcerto, o temor. A gente não sabe como vai reagir o governo”, diz.
Mesas de trabalho
O Grupo de Coordenação do Desenvolvimento da Selva, implementado pelo ex-premiê Yehude Simon – que deixou o cargo após o conflito -, criou quatro mesas de trabalho para estudar o assunto e pesquisar sobre o desenvolvimento e mudanças nos decretos legislativos. Segundo um assessor governamental ouvido pelo Opera Mundi, ainda não há avanços na formação da comissão das mesas. Representantes dos índios argumentam que o governo ainda não respondeu às propostas de pessoas que podem fazer parte da equipe de pesquisa.
O chanceler peruano, José Antonio Garcia Belaunde, disse ao Opera Mundi que o governo vai respeitar a possibilidade de criação de uma comissão independente de pesquisa, com possível participação de especialistas internacionais, para estudar o caso dos territórios indígenas, como recomendou o relator especial da ONU (Organização das Nações Unidas), James Anaya. “O assunto está nas mãos de uma mesa de trabalho, mas o Peru pode sim fazer uma pesquisa. Eu não me preocuparia muito com a participação internacional na comissão”, afirmou Belaunde.
Em visita à sede da ONU em Genebra, na segunda-feira (3), o ministro da Justiça do Peru, Aurelio Pastor, disse que o Judiciário já está mobilizado para o trabalho e que o Estado aguarda os resultados.
Pastor disse ainda que o confronto de Baguá teve origem em “interesses econômicos” dos que levaram a população indígena a atuar contra o Estado.
Agência Andina
Aurelio Pastor, ministro da Justiça do Peru, apresentou versão oficial da problemática indígena na ONU
Os conflitos em Baguá aconteceram no dia 5 de junho, quando indígenas da região amazônica exigiam a revogação de leis aprovadas em 2008 que ameaçavam seus territórios. Trinta e quatro pessoas morreram durante os enfrentamentos entre índios e policiais. Após um longo debate, o congresso peruano aprovou a derrogação dos decretos legislativos 1090 e 1064, por 82 votos a favor, 14 contra e nenhuma abstenção.
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A expectativa agora é que o novo premiê Javier Velasquez Quesquén apresente um plano de trabalho do gabinete ministerial com o posicionamento do governo sobre o conflito não resolvido com a selva norte.
Presença do Exército
O bispo Rasilla também explica que os colonos pedem que o Exército fique na região para defendê-los, mas os índios são contra. Para alguns, a presença dos militares gera temor, para outros, alívio. Os policiais que deixaram as comunidades indígenas de Santa María de Nieva e Chiriaco ainda não retornaram ao local.
Ele também comentou sobre a situação do líder histórico dos awajún, Santiago Manuin, que foi baleado pela polícia e ainda está hospitalizado. “Não é possível que pessoas inocentes, como Santiago Manuin, que tentou chamar à paz as partes na estrada, seja acusado. Ele é conhecido por ser um homem pacífico”, defendeu.
Em entrevista ao Opera Mundi, Santiago Manuin, enfatizou que, na Amazônia, as empresas não estão respeitando os relatórios de impacto ambiental e se defendeu das acusações. “Nós procuramos uma vida digna. Ninguém pode não querer o desenvolvimento. Tudo o que queremos é a melhoria da qualidade de vida. Só posso dizer às pessoas que se animem nesta luta. Eu vou responder e provar minha inocência”, disse.
J. Fowks
Líder histórico dos awajún, Santiago Manuin, que aguarda a realização da terceira cirurgia
O filho de Manuin, Juan Carlos, pediu ao governo que dê mais atenção ao problema dos índios e comentou sobre o caso de Imacita, onde manifestantes mataram nove policiais. “Eles [manifestantes] não compreendem o porquê foram atacados em Baguá e levados à cadeia. Há ressentimento: foi o nosso Estado quem nos atacou. O Estado tem que se explicar”.
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