Como antecipado pelo site colombiano La Silla Vacía na semana passada, a Corte Constitucional da Colômbia derrubou o acordo que regulava o uso de sete bases das forças armadas por militares norte-americanos. Com a decisão, o tribunal frustra mais um dos projetos emblemáticos de Álvaro Uribe e ameaça arruinar a incipiente lua-de-mel entre Hugo Chávez e Jaun Manuel Santos.
Com o voto de sete dos nove juízes, a Corte Constitucional concluiu que o acordo assinado em 30 de outubro de 2009 entre os governos da Colômbia e dos Estados Unidos é um tratado internacional que cria novas obrigações para o Estado colombiano e, portanto, deveria ter tramitado como tal. Ou seja, deveria ter sido levado ao congresso para discussão e aprovação, sancionado pelo presidente e então avaliado pelo tribunal.
Os dois magistrados mais próximos de Uribe se opuseram à maioria. Jorge Pretelt alegou que se tratava de um acordo simplificado que desdobrava um tratado internacional e, portanto, não precisava passar pelo congresso. E Mauricio González considerou que algumas partes do acordo configuravam novas obrigações, enquanto outras eram meras execuções de outros tratados de cooperação assinados pela Colômbia.
Embora o parecer de Jorge Iván Palacio propusesse declarar o acordo inexequível e adiar os efeitos da sentença até junho de 2011, a fim de dar tempo para que o presidente obtivesse a aprovação do congresso, seis dos nove juízes – incluindo Palacio – decidiram tornar o pacto de cooperação sem imediatamente após a notificação da decisão (que, pelos prazos normais do tribunal, pode demorar de alguns dias a um semestre). A maioria concluiu que, como o governo não respeitou os procedimentos estabelecidos pela constituição para aprovar um tratado, este realmente não existia juridicamente e, portanto, não seria possível adiar seus efeitos.
Neste ponto, Nilson Pinilla votou contra a maioria acompanhando os magistrados Pretelt e González, por acreditar que o país devia honrar sua palavra com os EUA por uma regra básica de respeito às relações internacionais.
Implicações
Como se explicou em outro artigo, neste acordo a Colômbia ofereceu aos EUA a possibilidade de usar as bases colombianas para a aterrissagem e decolagem de aviões a caminho de outros países ou continentes como a África, sobrevoar o território nacional sem inspeção e gozar de isenções tributárias e penais (no caso de ser cometido um delito).
O acordo não partia de um pressuposto de reciprocidade, não se limitava ao tráfico de drogas e era tão geral que, no futuro, poderia incluir o que as partes – ou, na prática, os EUA – desejassem. Em troca desses privilégios, o governo de Uribe procurava assegurar por mais dez anos a aliança com a potência do Norte num momento em que a prorrogação do Plano Colômbia era descartada pelos deputados democratas e Barack Obama mudava suas prioridades e aliados no continente.
Para alguns analistas de segurança, o acordo basicamente regulava o que os militares norte-americanos já faziam na Colômbia de modo informal e era benéfico para o país, pois possibilitava a continuação da ajuda de Washington e criava algo a ser oferecido em troca. O acordo também falava explicitamente em compartilhar informação de inteligência – algo que, de qualquer modo, já ocorria.
Mas sua função principal era mostrar “os dentes” a Hugo Chávez e dissuadi-lo de um eventual ataque contra a Colômbia. Se a tensão entre os dois países aumentasse e Chávez decidisse bombardear a base de Palanqueros, por exemplo, a agressão seria interpretada também como um ataque contra os Estados Unidos, o que elevaria o custo da ação.
Avalanche
Embora o chanceler Bermúdez negasse em público que este fosse um objetivo do acordo, esta foi a percepção de Chávez, o que lhe serviu para romper as relações com a Colômbia e aumentar a tensão entre a Unasul e o governo colombiano.
A Corte esclareceu em sua decisão que, embora o acordo fique sem efeito de hoje em diante, tudo o que ocorreu sob ele desde outubro até agora tem validade. E que, além disso, os demais tratados de cooperação militar continuam válidos. A intenção é evitar agora uma avalanche de ações contra o Plano Colômbia e outros acordos que tampouco foram aprovados pelo congresso.
O efeito prático dessa decisão não é grande. Desde a assinatura do Plano Colômbia, há dez anos, os militares norte-americanos têm usado as bases colombianas e, sem o acordo, certamente continuarão a fazê-lo. Eles também têm compartilhado informações de inteligência quando desejam. E, por um tratado assinado por Uribe no início de seu mandato, os militares norte-americanos já gozam de imunidade.
Cooperação
Em todo caso, porta-vozes da coalizão de governo afirmaram, minutos depois de conhecer a decisão, que apresentarão o acordo ao Congresso para que passe pelo trâmite exigido pela lei e, antes do fim da legislatura, chegue novamente à Corte para análise e aprovação. Fora a confusão inicial que a decisão provocará entre algumas autoridades norte-americanas e colombianas, poucas coisas mudarão.
Mas o efeito político poderá ser maior. Em sua reunião de reconciliação na semana passada, Juan Manuel Santos e Chávez prometeram “virar a página” e iniciar uma nova era de cooperação. Supunha-se que Santos herdaria de Uribe o acordo das bases que tanto incomodara o presidente venezuelano e pouco ou nada poderia fazer a respeito.
Agora, com a decisão do tribunal, apresentar ou não este acordo ao congresso torna-se uma prerrogativa de Santos. E então Chávez descobrirá que, com modos melhores e sem diplomacia de microfone, Santos seguirá, nesse tema, os passos de Uribe.
Publicado originalmente no site La Silla Vacía
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