A esquerda palestina tenta se unir. O Partido do Povo, a Frente Popular para a Libertação da Palestina e a Frente Democrática para a Libertação da Palestina buscam se juntar para lutar de forma mais organizada por interesses de todo o povo palestino. Mesmo com o diálogo já iniciado e recentemente discutido em conferência internacional com diversas legendas esquerdistas no mundo, analistas entrevistados pelo Opera Mundi apontam dificuldades e mostram ceticismo.
Estes partidos representam a esquerda laica. Participaram da OLP (Organização para a Libertação da Palestina) e perderam força quando esta se enfraqueceu, a partir das negociações de paz de Oslo, em 1993, explica o sociólogo Emir Sader, que acompanha o processo. A morte de Yasser Arafat, ex-líder da OLP, em 2004, terminou de esvaziá-la, enquanto o Hamas aparecia como alternativa radical de resistência aos israelenses.
Para o analista israelense Michael Warschawski, diretor do Centro de Informação Alternativa, a coesão dos partidos, que favoreceria uma contraposição entre a Autoridade Palestina e o Hamas, não será efetivada agora. “Para se unificar, eles precisariam de uma plataforma política, de uma organização e de uma estrutura comuns. As conversas começaram, mas eles não estão próximos de se unificar”, opinou.
O diretor acredita que, hoje, as opiniões das legendas são muito próximas, mas para conseguir lutar contra os assentamentos israelenses eles precisariam ter mais unidade e usar a sua força para entrar na agenda política dos palestinos, assim como fazem o Hamas e o Fatah.
Especialista em Hamas, Ely Karmon, mestre em Ciência Política pela Universidade de Haifa, em Israel, também não acredita nos possíveis resultados da conferência. “A esquerda palestina está muito fraca, não tem influência na Palestina, está muito fracionada. Também não está claro o que quer propor e o que deseja”. Karmon diz ainda que os partidos estiveram divididos por 40 anos e que não haverá sucesso efetivo neste momento.
Ney Vilela, autor do livro “Irmãos-inimigos: judeus e palestinos lutam por Jerusalém” não considera que exista espaço agora para a esquerda em solo palestino. “Ele está muito dilacerado com o domínio de Israel, e a luta por este chão já tem donos”. O escritor diz que no mundo muçulmano as políticas sociais associadas à esquerda são providas pela religião e quem toma a posição anti-imperialista ali é a própria religião. “A esquerda no mundo árabe fica sem proposta, porque isso foi apropriado pela religião. Como pode existir um partido operário em uma região onde não existem indústrias nem operariado? Para a esquerda sobrou a defesa das minorias, do homossexualismo, da inclusão das mulheres no mundo do trabalho. A tentativa deles é fazer aquilo que a religião não está abarcando”.
Para Vilela, a esquerda palestina, mesmo unida, não conseguirá muitos eleitores porque sua plataforma – a luta pelas minorias – não afeta o dia a dia do cidadão comum de maneira poderosa. “Eu diria que o eleitor palestino está preocupado em ter a pátria dele e, no entender dele, quem está lutando para isso é o Hamas. Sou cético em relação ao renascimento da esquerda palestina”.
Emir Sader ressalta que, com uma longa trajetória de luta, os partidos tratam agora de se unificar, valendo-se também dos impasses a que levaram as duas organizações majoritárias nas últimas eleições: como não conseguir concessões de Israel, deixando a situação dos palestinos sem alternativas realistas hoje. “Além de que, ao tratar de acertar suas diferenças através de ações violentas entre eles, o Hamas e o Fatah se desgastam. As organizações de esquerda buscam não apenas sua unidade, mas a unidade de todos os palestinos, o que não é pregado nem por Hamas ou por Fatah”, diz.
No entanto, Sader ressalta em seu blog no site Carta Maior que “uma das fraquezas dessa luta é a falta de unidade da esquerda palestina, o que favorece a difícil contraposição entre a chamada Autoridade Palestina e o Hamas, cuja polarização, ao invés de contribuir para unir o povo palestino, agudiza suas contradições e apela até mesmo para a violência para tentar resolver seus conflitos”.
União possível?
Para o membro do Comitê Democrático Palestino do Brasil, Jadallah Safa, o fato de Hamas e Fatah serem mais fortes não significa que a unificação da esquerda não dará certo. “Temos que enfrentar as divergências de Hamas, Fatah e do inimigo sionista. Os três partidos [Partido do Povo, Frente Popular para a Libertação da Palestina e a Frente Democrática para a Libertação da Palestina] estão em diálogo há mais de dois anos para unir a esquerda, e esse diálogo vai continuar”.
Jadallah diz que as legendas estão com ideias cada vez mais próximas e acredita que será necessário unir a esquerda para fazer uma força popular política palestina nesta fase de luta pela libertação. De acordo com ele, já se fala em um partido único, que seria chamado de Frente da Esquerda. Jadallah defende ainda que a esquerda tem, sim, uma plataforma definida, a de lutar pela libertação da Palestina.
Após as eleições de 2006, o único partido de esquerda que conseguiu participação na ANP (Autoridade Nacional Palestina) foi a Frente Popular para a Libertação da Palestina, que obteve 3 dos 132 assentos. Já o Hamas conseguiu 76 cadeiras e o Fatah, 43.
Ao contrário do que afirma o escritor Ney Vilela, o representante do Comitê Democrático Palestino afirma que a luta pelas minorias não estaria na pauta da esquerda palestina. “A tradição não permite o homossexualismo. Nem Fatah, nem Hamas, nem a esquerda podem interferir nesse costume. A questão não é com o homossexualismo, nós estamos defendendo a nossa cultura”. Quanto às mulheres, ele reitera que elas não são uma minoria. “Tem muitas mulheres que fazem parte das lideranças da facção do Fatah, mulheres que são ministras, líderes. As mulheres se candidatam para qualquer cargo dentro de qualquer lugar. A mulher não está excluída, ela faz parte da luta pelo povo palestino, tanto que há mulheres presas em prisões israelenses”.
Origem e esfacelamento
Segundo Michael Warschawski, há uma diferença de gerações na esquerda palestina. “Parte dela vem do movimento comunista soviético, parte vem do movimento nacionalista de 1967. O Partido do Povo é comunista, já a Frente Popular para a Libertação da Palestina e a Frente Democrática para a Libertação da Palestina são nacionalistas”.
Ney Vilela tem uma explicação diferente. “Na verdade, a esquerda palestina tem uma origem curiosa. Havia no século XIX e começo do XX uma esquerda judaica que tinha como proposta a criação de um estado livre na região da palestina, sem qualquer tipo de preocupação de separar étnica ou religiosamente seus habitantes, e essa esquerda deu condição para que alguns palestinos se integrassem ao movimento. Ele começou como um apêndice de um grupo judaico de esquerda”.
Para o escritor, a divisão da esquerda se explica devido à intensa repressão que esses grupos sofreram por parte do Mossad, a agência de inteligência de Israel. “Sob intensa repressão, fica difícil reunir um grupo grande de pessoas pra debater ideias, e assim cada um desses pequenos grupos acaba encontrando uma maneira diferente de salvar o mundo”. Hoje em dia, a esquerda é um grupo pequeno na palestina, sem participação apreciável no panorama político, segundo Ney Vilela. “Eles eram importantes até quando se construiu Israel, desde então eles perderam força com a população palestina”.
Para Jadallah, a importância desse encontro é “dar condições ao desenvolvimento da luta palestina, pondo fim à divergências, à ocupação, e iniciando a independência e a liberdade”.
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