O embaixador do Brasil no Equador, Fernando Simas Magalhães, afirma que o processo eleitoral no país andino está sendo conduzido com transparência e que nas eleições gerais do país, marcadas para 17 de fevereiro, os equatorianos terão a chance de reafirmar as transformações pelas quais o país vem passando nos últimos seis anos. Em todas as pesquisas de preferência de voto divulgadas até o momento o presidente Rafael Correa, em campanha pela reeleição, desponta como favorito entre os oito candidatos.
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O diplomata chegou a Quito em agosto de 2010, quando Brasil e Equador estavam superando um estremecimento que durou dois anos, provocado por decisão de Correa de questionar através de uma corte internacional as condições de um contrato estatal com o BNDES (Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social). Ele também expulsou do país a construtora Odebrecht, então responsável pelas obras e operação da Central Hidroelétrica San Francisco.
Em entrevista a Opera Mundi na embaixada do Brasil na capital equatoriana, Simas disse que o governo brasileiro e o equatoriano, na gestão de Correa, sempre estiveram em sintonia na busca pela integração latino-americana. E que o Brasil está tomando medidas para diminuir as assimetrias nas relações comerciais entre os dois países.
Opera Mundi: Como o senhor observa esse processo eleitoral do Equador?
Fernando Simas Magalhães: Esse processo eleitoral dá continuidade a uma série de consultas e eleições que se realizaram desde o início do primeiro mandato do presidente Correa. De certa forma é a culminação de um processo de transformação do país e do que eles defendem como modelo de democracia direta. A consulta popular de 2011 foi muito importante para colocar nos trilhos essa ideia de uma maior participação cidadã dentro do processo político.
Por isso essas eleições são importantes por representarem uma oportunidade de ratificar esse projeto político do movimento Aliança País, com Correa à frente. E corroborar uma tendência de transformação do país que vem ocorrendo nos últimos anos.
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O embaixador brasileiro no Equador, Fernando Simas Magalhães, na representação brasileira em Quito
OM: Em seis anos de governo, Correa promoveu várias obras de infraestrutura, como usinas hidrelétricas, rodovias, aeroportos etc. Grandes empresas brasileiras participam dessas obras. Só a construtora Odebrecht tem contratos de aproximadamente 700 milhões de dólares, segundo informou sua assessoria de imprensa. A Andrade Gutierrez fez o novo aeroporto de Quito, que vai ser inaugurado este mês. Pode-se dizer que foi um período de oportunidades para o Brasil?
FS: Essa pergunta envolve dois componentes. Não há duvida de que foi um período de oportunidade para o fortalecimento do diálogo político entre os dois. E de um trabalho conjunto dentro de uma visão do que deve ser a integração sul-americana.
Houve, a partir de 2006, uma importante convergência de ideias sobre o papel dos nossos países na região e sobre como devemos projetar também esse perfil integracionista para outras regiões, para colocar em contraste nossas ideias de sistema internacional, que podem ser diferentes das do continente europeu ou da América do Norte. Houve uma oportunidade muito boa.
No ponto já mais concreto da operação das empresas brasileiras, passamos por um momento um pouco delicado entre 2008 e 2010, quando em virtude de uma auditoria da dívida externa que foi feita aqui, logo depois do primeiro mandato de Correa, foi questionada pelo Estado equatoriano uma parcela específica de uma obra que vinha sendo construída por uma empresa brasileira [a Odebrecht na usina hidrelétrica San Francisco]. O Estado equatoriano levou este tema a um processo arbitral na Câmara Internacional de Comércio de Paris, em outubro de 2008, e o laudo arbitral só foi homologado em dezembro de 2010.
Durante este período específico de dois anos houve uma interrupção temporária do crédito público brasileiro no Equador, que obviamente teve uma repercussão na própria capacidade de operação das empresas brasileiras aqui. Felizmente isso já é uma página virada. Nós já estamos de novo com a engrenagem do BNDES e do Banco do Brasil funcionando normalmente, tanto do ponto de vista de vendas de bens e serviços como de financiamentos de investimentos produtivos.
Quando você se referiu à importante carteira de projetos que a Odebrecht já reconstruiu a partir de 2010 é já fruto desse processo de recuperação da relação financeira entre os dois países.
OM: Considera totalmente superado o episódio hoje?
FS: Totalmente superado. Tivemos, obviamente, que promover uma aproximação de caráter especial, sensível, entre atores relevantes. Tanto as garantias como as explicações fornecidas pelo lado equatoriano, como a própria capacidade de assimilação de parte dos órgãos brasileiros permitem afirmar que hoje a relação financeira está completamente normalizada também.
OM: Comparando dados do Ministério do Desenvolvimento sobre o comércio exterior entre os dois países de 2007, início do governo de Correa, até 2012, houve crescimento no intercâmbio comercial de aproximadamente 700 milhões de dólares anuais para pouco mais de um bilhão. A balança ainda é muito favorável ao Brasil. Mas chama a atenção o fato de que hoje compramos dez vezes mais dos equatorianos do que seis anos atrás. A que se deve esse movimento.
FS: Temos defendido aqui que preferimos um comércio com maior equilíbrio, inclusive com maior volume de trocas comerciais. Isso se reflete nos dados de 2012. O Equador conseguiu um rendimento maior de suas exportações junto ao Brasil a partir do ano passado. Alguns produtos-estrela das exportações não petroleiras do Equador ainda buscam um nicho de mercado e há questões inclusive de ordem fitossanitária que precisam ser resolvidas no Brasil. Por exemplo, para as exportações de camarão e de banana.
Em conjunto, conseguimos pôr em funcionamento um mecanismo de monitoramento do comércio bilateral que, no caso do Brasil, é presidido pelo secretário executivo do MDIC (Ministério do Desenvolvimento, da Indústria e do Comércio Exterior). Do lado equatoriano é presidido pelo vice-ministro de comércio exterior, Francisco Rivadeneira. Esse mecanismo tem uma previsão de reuniões semestrais e pusemos em funcionamento uma pauta dos temas comerciais mais críticos, justamente para permitir uma expansão equilibrada do comércio bilateral, com a visão de mitigar um pouco o grande superávit que temos com o Equador.
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OM: Existem projetos de cooperação entre Brasil e Equador ou que estejam sendo planejados para os próximos anos?
FS: Na área comercial, trabalhando em algumas questões específicas que visam permitir aos exportadores equatorianos maior acesso ao mercado brasileiro. Os correios do Equador implantaram um espelho do programa brasileiro que se chama Exporta Fácil, orientado para pequenas e médias empresas, que foi desenvolvido com a cooperação da empresa dos Correios do Brasil. Também estamos capacitando a área de pesca e agricultura, justamente para preencher alguns requisitos de certificações sanitárias que são requeridos pelo Brasil. Eles são muito fortes na área de pescados e nós temos mercado e demanda.
Sobre a cooperação técnica, temos um reunião anual levada pela Agência Brasileira de Cooperação e, aqui, pela Secretaria Técnica de Cooperação Internacional. Estamos com uma carteira muito interessante de projetos de cooperação na área de agricultura e de saúde, educação, banco de leite humano e novas técnicas de desenvolvimento de sementes. Esse lado vem funcionando muito bem e os projetos têm crescido de volume, inclusive em matéria de recursos financeiros.
Ainda temos outra presença aqui que considero importantíssima: a cooperação humanitária que damos na área de atenção aos refugiados. O Equador é o pais que mais recebe refugiados em todo o continente sul-americano. Há 55 mil colombianos que estão oficialmente reconhecidos como refugiados pelo Acnur (Alto Comissariado das Nações Unidas). Mas há mais de 140 mil colombianos que residem no Equador no momento e temos feito esforço para trazer atividades de assistência a estas populações. Nos últimos dois anos o Brasil contribuiu com dois milhões de dólares para o programa. Eles são voltados tanto para a atenção da mulher vitima de violência, como para os filhos delas, com merenda escolar e construção de salas.
É um trabalho muito importante, que toca num nervo muito sensível da relação do Equador com a Colômbia pois parte importante desse deslocamento é fruto ainda da violência existente na Colômbia. Complementamos ainda esse esforço com doações ao programa mundial de alimentos. Este ano doaremos mais de 500 toneladas de arroz e feijão para nutrir a cadeia de alimentação escolar, onde estão justamente estas crianças que são fruto desses deslocamentos.
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Trecho do rio Napo, na Amazônia, equatoriana, que fará parte do eixo Manta-Manaus
OM: O que significa para o Brasil o projeto que pretende unir Manta, no litoral do Equador, a Manaus por meio de um corredor multimodal?
FS: Temos o maior interesse. O eixo Manta-Manaus comporta vários tipos diferentes de intervenção e de obras, de desenvolvimento de projetos de malha, de logística de transporte, pois se trata tanto navegação quanto combinação com ligações rodoviárias. O governo do Amazonas tem muito interesse em levar adiante uma articulação entre a superintendência da zona franca de Manaus e o que eles estão pensando em implementar aqui, que são zonas de processamento especiais em volta do porto de Manta.
O porto de Manta está sendo reformado, tanto com novas instalações portuárias, como está sendo feito um dragado também. A idéia deles é que o porto possa servir de trampolim dentro de uma conexão bioceânica, entre Atlântico e Pacífico. Um grupo de trabalho bilateral específico sobre o eixo Manta-Manaus vai ser reativado agora. Temos visto, especialmente do governo do Amazonas, interesse grande em criar esse nexo de uma relação direta através da navegação fluvial com o Equador. Temos a percepção de que isso pode ser interessante a médio e longo prazo. Na prática, o Equador já esta usando a navegação para exportar para o Brasil.
A média de exportação equatoriana pelo rio Napo, especialmente para abastecer Tabatinga (AM), mas também chegando mais adiante, é de 1.500 toneladas por mês. São exportações feitas em embarcações fluviais específicas que atendem uma capacidade de exportação de determinados produtos de províncias como Azuay, Loja e Cañar (na Amazônia equatoriana). Os produtos que estão chegando ao Brasil por essa via em particular são materiais de construção, cerâmicas, materiais metálicos em geral, até cimento. Embora o Brasil tenha uma capacidade boa de produção de cimento, a região norte do país ainda depende de um suprimento que tem seus custos logísticos também, já que a entrega é feita do sudeste brasileiro.
Os equatorianos estão vendo que têm uma capacidade boa de abastecimento dessa categoria de produtos, assim como de produtos agroalimentares, que poderiam chegar em condições competitivas às nossas capitais do norte. E eles já tem feito de fato uma navegação mensal pelo Napo chegando até Tabatinga. Esse projeto-piloto que foi implementado pelo Equador é uma demonstração na prática de que o eixo Manta-Manaus tem viabilidade.
OM: Todas as pesquisas eleitorais divulgadas até agora apontam para uma continuidade do governo atual. Caso haja mudança no cenário político, ela pode afetar o processo de integração regional e a situação das empresas brasileiras no país.
FS: Podemos observar, a partir de dados que foram publicados até o último dia para a publicação na imprensa de resultados de pesquisas de opinião pública (08/02), uma marcada tendência de manutenção do apoio ao projeto Aliança País. Sem querer me antecipar aos fatod, parece grande a probabilidade de isso que ocorra.
Mesmo que pudéssemos pensar em cenários diferentes, existe um projeto antigo de integração, capitaneado hoje pela Unasul, com integração física e desenvolvimento de projetos comuns voltados para fora. Podemos classificá-los como projetos de Estado, ou seja, acima das circunstâncias políticas de determinado período ou mandato. Mesmo pensando muito hipoteticamente em outros cenários, não haveria alteração significativa na direção do projeto de integração e de construção de novos nexos entre as populações, com visão de progresso social, inclusão e superação da fome e pobreza. São grandes pilares hoje que estão blindados contra variações políticas.
OM: Em encontros de movimentos sociais nos países da região, ou palestras de intelectuais sobre integração sempre há alguém que manifesta preocupação com o tamanho do Brasil, o crescimento da economia e uma suposta “pretensão imperialista”. Como o governo brasileiro lida com isso?
FS: Posso falar em relação ao Equador: essa preocupação aqui não existe. Eles têm perfeita consciência obviamente do que representa o Brasil do ponto de vista demográfico, econômico – eles não fogem dessa análise – mas reconhecem que sabemos valorizar a capacidade de um país pequeno como o Equador, de colocar também na mesa suas preocupações, visões de mundo e seus interesses na construção da união sul-americana.
A questão da assimetria, colocada num plano macro, não faz parte de uma especial sensibilidade equatoriana. O Brasil também sabe calibrar muito bem essa relação com os vizinhos sul-americanos. Temos consciência de que o Brasil precisa fazer esforços adicionais de correção de algumas assimetrias existentes. Nós estamos fazendo isso no Mercosul, na Unasul e também bilateralmente, com certos arranjos especiais no plano comercial e financeiro.
Parte importante desse esforço se faz também através da cooperação técnica e a presença de nossas instituições em muitos desses países. Outro componente fundamental é o trabalho de intercâmbio cultural e educacional. Em cada uma dessas linhas criamos condições para compensar um pouco essa ideia de “sócio predominante”. Somos muito cautelosos e procuramos claramente evitar que isso seja um fator negativo dentro da construção da integração regional.