No dia 18 de setembro deste ano, a Escócia vai às urnas decidir se deve, ou não, permanecer no Reino Unido. Escoceses, europeus e demais residentes do país com 16 anos ou mais deverão responder “sim” ou “não” à pergunta: “A Escócia deve se tornar um país independente?”. Caso a maioria vote pelo “sim”, a Escócia colocará fim à união de 307 anos com a Inglaterra, mas a declaração de independência só ocorrerá em 24 de março de 2016.
Embora as circunstâncias sejam diferentes, analistas avaliam que o referendo escocês, aliado à recente decisão da Crimeia de deixar a Ucrânia para se unir à Rússia, reacendem o debate sobre soberania na Europa, dando força a movimentos separatistas até então sufocados em alguns países.
É o caso da Catalunha. Apesar de a Espanha considerar o plano ilegal, o governo catalão planeja realizar um referendo, em novembro de 2014, para decidir pela permanência ou saída da região do país. Já na Itália, a população de Veneza aprovou, em votação online realizada em março, a independência em relação a Roma. Embora a pesquisa não tenha valor legal, o resultado surpreendeu: 89% dos ouvidos votaram pela separação, o que representa mais de 2,1 milhões de pessoas, sendo que apenas 257 mil votaram pelo “não”. O resultado dá forças ao grupo separatista “Liga Veneta”, que pretende apresentar ao governo italiano um projeto de independência da região.
Divulgação/Governo da Escócia
Governo escocês preparou guia sobre como ficaria o país no caso de independência do Reino Unido
Na Escócia, o referendo acontece após o Partido Nacional Escocês (SNP, na sigla em inglês) conquistar maioria das cadeiras no parlamento local, em 2011, tendo a proposta de realização de uma consulta popular como principal bandeira de campanha. Isso garantiu ao primeiro-ministro escocês Alex Salmond (líder do SNP) o direito de firmar um acordo com o primeiro-ministro britânico David Cameron (partido Conservador) pela realização da votação em 2014, em uma oportunidade histórica para o país.
“Diferentemente da Crimeia, a comunidade internacional não terá problema em reconhecer o resultado do referendo escocês, porque até o Reino Unido já aceitou que eles têm o direito de decidir sobre o próprio futuro. A maneira como o processo foi conduzido pesa. Mas, o fato é que, independente da forma, essas decisões influenciam [outros países] sim. Na Espanha, os catalães já se perguntam: ‘se os escoceses podem, por que nós não podemos?’”, avaliou o pesquisador britânico Andrew Blick, professor de política e história contemporânea na Universidade King’s College, em Londres, na Inglaterra.
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Entretanto, o fato de Cameron ser obrigado a aceitar o referendo não significa que ele esteja feliz com a possibilidade da saída da Escócia. A independência do país enfraqueceria o Reino Unido, que pode perder cerca de 90% das suas reservas de petróleo e gás natural, concentradas em território escocês. Outra dúvida é sobre a divisão dos impostos entre os países. E também preocupa o futuro do programa nuclear britânico, cuja base também fica na Escócia, além do futuro das Forças Armadas.
“O programa nuclear britânico é uma das razões que garantem que o Reino Unido seja membro permanente do Conselho de Segurança (da Organização das Nações Unidas). Uma vez que você está nesse clube, você não quer sair”, ponderou Blick, em entrevista a Opera Mundi.
“Se você perde um território importante, com mais de 5 milhões de pessoas, é claro que alguns vão se perguntar: será que o País de Gales e a Irlanda do Norte serão os próximos? O país está se despedaçando?”, complementou o historiador britânico.
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Vista da cidade de Glasgow, na Escócia; país irá decidir se permanece no Reino Unido
Não à toa, Cameron tem sido grande defensor da campanha pela união. “Se a Escócia decidir pela independência é um caminho sem volta. Eu acredito que e do interesse deles permanecer no Reino Unido. (…) No Reino Unido, a Escócia faz parte de um projeto global maior”, disse o primeiro-ministro britânico, em discurso realizado a seis meses da consulta popular. “Mesmo que apenas 4 milhões de pessoas possam votar, o futuro de 63 milhões [a população do Reino Unido] está em jogo”, disse.
Dúvidas
Por outro lado, as maiores dúvidas recaem sobre o futuro dos escoceses. O governo britânico já anunciou que, caso o “sim” saia vitorioso das urnas, a Escócia não poderá usar a libra esterlina como moeda oficial, provocando revolta entre políticos escoceses, que acusam Cameron de praticar “bullying” a favor da união. Entretanto, Cameron tem deixado que o ministro das Finanças britânico, o conservador George Osborne, seja o porta-voz das más notícias, para evitar o impacto do discurso contra os nacionalistas na eleição de 2015, caso os países permaneçam unidos.
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A permanência da Escócia independente na União Europeia também é uma dúvida. A Espanha, por exemplo, é um dos países que já se opôs abertamente aos planos do país de migrar para a zona do euro – em uma ameaça velada à Catalunha -, e cobra do Reino Unido a mesma posição no futuro. Para o pesquisador escocês Alan Convery, professor de política da Universidade de Edimburgo, ainda é difícil avaliar o quanto essa questão pesará nas urnas.
“A adesão à União Europeia tem sido uma questão muito importante no debate do referendo. O Partido Nacional Escocês argumenta que a adesão seria relativamente simples, mas a campanha pelo “não” garante que haverá dificuldades. Enquanto isso, outros Estados membros temem que a adesão escocesa à União Europeia crie um precedente para outras regiões (separatistas)”, explicou.
Caso optem pela separação, escoceses devem usar o período de transição, até março de 2016, para escrever uma Constituição e decidir pontos importantes, como a relação com a Família Real, por exemplo. Segundo o primeiro-ministro escocês Alex Salmond, a Escócia independente deve manter a rainha Elizabeth II como chefe de Estado, como fazem algumas ex-colônias inglesas.
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Emoção X Razão
Mas a pouco menos de seis meses para o referendo, a vantagem, por enquanto, é da campanha pela manutenção da união entre os países. Pesquisa do instituto YouGov divulgada no último dia 26 de março apontou que 52% dos escoceses afirmam que planejam votar contra a independência, enquanto 37%, a favor. Entretanto, os números podem mudar, já que há um longo caminho pela frente, com previsão de propaganda e debates entre os dois lados.
O debate tem oposto figuras famosas da Escócia. A favor da independência, destaca-se o ator Sean Connery, eterno 007 que já se tornou uma espécie de “garoto propaganda” da campanha separatista. Mas a campanha pela manutenção do Reino Unido também tem nomes fortes, como o músico britânico David Bowie, que clamou em público neste ano: “Escócia, fique conosco”.
Divulgação/Governo da Escócia
Primeiro-ministro escocês Alex Salmond com a vice-primeira-ministra Nicola Sturgeon apresentam guia “O Futuro da Escócia”
Muitos, entretanto, têm evitado um posicionamento claro. É o caso do tenista escocês Andy Murray, atual número 6 no ranking mundial. “Eu acho que não devemos julgar a coisa na emoção, mas no que é melhor economicamente para a Escócia”, declarou recentemente.
Apesar de a economia ser a principal questão em jogo hoje, muitos analistas acreditam que o apelo emocional deve pesar, nesta campanha, principalmente na busca pelo voto dos indecisos. Enquanto os separatistas ressaltarão o “orgulho escocês” e as características singulares do povo, aqueles que defendem a permanência da Escócia no Reino Unido apelarão para outro sentimento igualmente forte: o medo da mudança.