A eleição para o cargo de premiê no Reino Unido é só 2015, mas a corrida por votos já começou. Na última semana, o governo britânico anunciou uma série de medidas para aquecer a economia do país – cuja previsão de crescimento subiu de 2,4% para 2,7% neste ano – e surpreendeu ao propor o que foi chamado de a “maior reforma no sistema de pensões desde 1921”. Para analistas, o pacote de medidas que integram o Orçamento de 2014 revela que já foi aberta a temporada de disputa pelo eleitorado britânico, principalmente o mais velho, chamado “grey vote” (voto cinza), decisivo para os planos de reeleição do primeiro-ministro David Cameron (partido Conservador).
Além do foco nos pensionistas, que ganharam mais liberdade para usar como quiserem suas aposentadorias, uma das principais apostas de Cameron para atingir a “classe trabalhadora de cabelos cinzas” foi o corte de taxas sobre as casas de bingo, que atraem cerca de 8% da população ao menos uma vez por ano, e a diminuição do imposto sobre a cerveja. As casas de bingo passam a repassar 10% da arrecadação para o governo (antes da medida, o repasse era de 20%), enquanto a “pint” de cerveja fica 1 centavo mais barata.
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Mas o anúncio causou polêmica e acabou virando piada nas redes sociais. Enquanto o ministro George Osborne (Finanças) detalhava as propostas do governo ao Parlamento britânico, a cúpula do partido Conservador espalhava no Twitter um anúncio com a mensagem: “Bingo! Cortando o imposto do bingo e da cerveja, para ajudar os trabalhadores a fazerem mais o que gostam”.
Para líderes da oposição, a medida “menosprezou” o eleitor de classe média. Na internet, imediatamente começou a circular uma paródia, feita pelo partido Trabalhista, que dizia: “Conservadores! Cortando investimento em saúde, segurança e bem estar enquanto menosprezam os trabalhadores com um pouco de bingo e cerveja”. Outra imagem dava a dimensão da gafe: no Twitter, circulava uma montagem que mostrava o premiê jogando bingo com políticos.
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Membros do partido Liberal Democrata, que integra o governo de coalizão de Cameron, tentaram se distanciar da polêmica. “Eu acho que o tuíte [com a imagem do anúncio] foi um pouco tolo, porque as questões abordadas pelo Orçamento são muito sérias, inclusive em relação ao suporte à indústria do bingo e de bares”, disse o vice primeiro-ministro Nick Clegg (Liberal Democrata), que ainda assim defendeu as medidas anunciadas.
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A declaração foi mais um sinal da crise entre o partido de Clegg e os Conservadores, que desde o início do ano vêm se desentendendo em relação à condução da economia. Enquanto Osborne defende o aumento da austeridade para acelerar a recuperação do país, com cortes em investimentos de programas sociais, os democratas temem as consequências dessa política nas urnas.
O ministro das Finanças, porém, rebateu as críticas e acusou a oposição – mais diretamente o partido Trabalhista – de “criar um caso” por não ter mais “nada a falar” de negativo sobre o Orçamento. “Essas são medidas importantes do Orçamento, mas não são as únicas”, rebateu Osborne, para quem as ações ajudarão proprietários de pubs e de bingos comunitários. Ele também voltou a defender a política de austeridade britânica. “Garantir o futuro econômico do Reino Unido significa que terá que haver mais decisões duras, mais cortes”, reafirmou.
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Para o economista John Van Reenen, da LSE (London School of Economics and Political Science), as medidas voltadas para pensionistas são “boas para atrair os votos do eleitorado mais velho, que ficou relativamente protegido da turbulência econômica dos últimos cinco anos”. Entretanto, em pouco irá beneficiar os mais pobres, que ainda sofrem com a crise e o aumento da política de austeridade, avaliou o especialista.
A briga pela confiança do eleitorado com mais de 55 anos sempre esteve no centro das disputas no Reino Unido. Isso porque o voto no país é facultativo e, de acordo com pesquisas locais, eleitores com esse perfil tendem a aparecer para votar em peso. De acordo com análise publicada pelo jornal britânico The Telegraph, outros três temas recorrentes no discurso de Cameron explicitam a importância do voto “cinza” para os Conservadores: a política de imigração; a relação com a União Europeia e a austeridade econômica. Além de garantir a reeleição, Cameron espera, com a ajuda do eleitorado sênior, conquistar maioria das cadeiras no Parlamento e, com isso, não ser obrigado a repetir o governo de coalizão com o partido Liberal Democrata.
Simbolismo
A apresentação do Orçamento é o evento econômico mais importante do ano no Reino Unido. Além das medidas para agradar o eleitorado “cinza”, o governo do premiê David Cameron apresentou a nova moeda de uma libra, que substituirá a moeda que circula há mais de 30 anos.
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De acordo com o governo, a nova moeda, que será introduzida em 2017, será a “mais segura em circulação no mundo” e, portanto, praticamente impossível de ser copiada. Estima-se que cerca de 5% das moedas de £1 em circulação no país sejam falsificadas. “Cerca de dois milhões de moedas falsas de £1 são tiradas de circulação a cada ano. Isso causa prejuízos para bancos, para o comércio e, consequentemente, para a economia”, dizia o anúncio do Tesouro.
[Imagem da nova moeda de uma libra]
Mas para analistas políticos, a divulgação da nova moeda foi outra estratégia simbólica, com o objetivo de passar a mensagem de que, sob a gestão de Cameron, a libra continuará a ter força.
Apesar da polêmica, pesquisas feitas após o anúncio do Orçamento, divulgadas no último domingo (23) pelos jornais Daily Mail e The Sunday Times, apontaram um ligeiro aumento na popularidade do partido Conservador: de 30%, em janeiro, para 34% das intenções de votos, ficando atrás dos Trabalhistas (35% das intenções) por apenas um ponto percentual. As eleições gerais no Reino Unido ocorrem em maio de 2015.