A contagem dos votos terminou, a poeira assentou e o presidente Evo Morales, perante multidão estimada em quase 1 milhão de pessoas, promulgou a nova Constituição, aprovada por 61,43% dos bolivianos no referendo de 25 de janeiro, com mais de 90% de participação dos eleitores.
“Nesse dia histórico, proclamo promulgada a nova Constituição Política do Estado boliviano, a vigência do Estado plurinacional unitário, social e economicamente, o socialismo comunitário”, disse o presidente no último sábado, num discurso que praticamente toda a mídia comercial se recusou a transmitir.
Milhares de bolivianos vieram de locais distantes para participar do evento apelidado de “grande celebração”, que teve como convidados de honra a guatemalteca Rigoberta Menchu, vencedora do Prêmio Nobel da Paz, e José Miguel Insulza, secretário-geral da Organização dos Estados Americanos (OEA).
Embora a festa tenha terminado antes do previsto por causa do mau tempo, o público dançou, cantou e chorou ao ver o presidente promulgar a primeira Carta Magna aprovada pelo povo. Depois dos festejos, mãos à obra.
Às 8h30 da manhã seguinte, Evo já inaugurava um novo gabinete, aumentando o número de ministros de 16 para 20. Contrariando boatos de uma mudança radical na equipe, a alteração acabou sendo pequena. Poucos ministros foram afastados e o presidente manteve seu núcleo forte, composto por Juan Ramon de la Quintana (Ministro da Presidência), David Choquehuanca (Relações Exteriores), Alfredo Rada (Governo) e Walker San Miguel (Defesa).
A surpresa é que há menos representantes indígenas do que em gabinetes anteriores. São somente três: Choquehuanca, Julia Ramos (Meio Ambiente) e Celima Torrico (Justiça). Movimentos sociais reclamaram, reivindicando pelo menos 50% de representação.
“Existe um grande incômodo nos povos indígenas, apesar de respeitarmos a decisão tomada pelo presidente Evo Morales,” disse Adolfo Chavez, presidente da Confederação de Povos Indígenas, em comunicado oficial. “Reconheço que esteja dando maior ênfase ao trópico e ao ocidente [referência a regiões de população predominantemente indígena], mas não é correto que um presidente indígena discrimine 34 povos, população que é tão importante para a luta pela democracia e que foi esquecida”, afirmou em resposta ao fato de apenas as duas maiores etnias, Aymara e Quéchua , fazerem parte do novo gabinete.
Antes mesmo de promulgar a Constituição, o governo já havia começado a colocar em prática a nova lei contra os latifúndios. Numa pergunta à parte no referendo, mais de 80% dos eleitores votaram a favor de uma limitação da propriedade de terra em 5 mil hectares. Na semana passada, foram expropriadas nas planícies orientais terras que eram improdutivas ou foram adquiridas ilegalmente. Agora, toda propriedade privada deve servir a uma “função econômica e social”, sob risco de ser estatizada.
Sem diálogo com a oposição
A oposição ficou estranhamente quieta nas últimas duas semanas. A última manifestação pública ocorreu dois dias após o referendo, quando o empresário Branko Marinkovich, presidente do Comitê Cívico Pró Santa Cruz, relutantemente reconheceu a vitória governista em carta aberta ao presidente Morales.
“Como o senhor sabe, o referendo da nova Constituição mostrou que na Bolívia existem duas visões sobre o futuro do país”, diz a carta. “Por um lado, está a visão que o senhor propõe, baseada no socialismo comunitário. Eu reconheço a grande votação do ‘sim’. Por isso, creio que tenha chegado o momento de fazer um pacto nacional. O senhor quer democracia e unidade na Bolívia, nós também… Os grandes problemas somente terão solução se houver um pacto profundo e sincero, entre o MAS [Movimento ao Socialismo, partido do governo] e os defensores da autonomia [dos departamentos orientais, mais ricos]”.
Mas o presidente se recusou a receber qualquer representante da oposição até que a Constituição fosse oficializada. Os oposicionistas dizem estar abertos ao diálogo, mas rejeitam a proposta de Morales de encontrar cada governador pessoalmente, e não em grupo, como tem acontecido nos últimos anos. Assim sendo, não foi marcada nenhuma reunião para os próximos dias.
Mas o presidente mandou seu recado para a oposição no sábado. “O povo boliviano sabe que alguns grupos tentaram insistentemente me tirar do palácio [Quemado, sede do governo]. Os senhores sabem que alguns grupos tentaram me matar. Agora quero dizer: podem me tirar do palácio, podem me matar. A missão de fundar uma nova Bolívia unida foi cumprida”.
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