A Casa Branca está negociando ativamente com um setor do Partido Republicano a aprovação da ambiciosa reforma do sistema de saúde norte-americano – orçada em mais de 1 trilhão de dólares ao longo de dez anos –, projeto no qual o presidente Barack Obama vem empenhando boa parte de seu capital político e figura como umas de suas prioridades.
Ao mesmo tempo, o governo realiza durante o mês de agosto uma série de reuniões públicas em todo o país para explicar o plano de reforma e escutar a opinião dos norte-americanos.
No entanto, os encontros têm sido sabotados por ativistas de extrema-direita que tentam, a todo custo, impedir que se realizem ou que se desenvolvam com normalidade e civilidade as conversas.
Os democratas se queixam de que em algumas cidades, principalmente fora das capitais estaduais, os republicanos organizaram campanhas de interrupção das sessões públicas e agem com hostilidade com os funcionários que buscam explicar o plano.
“O que está acontecendo é inadmissível. Cada dia que passa estamos vendo mais e mais sessões públicas sendo sabotadas pelos republicanos. Muitas dessas pessoas nem sequer vivem nas comunidades onde se organizam as sessões”, queixou-se esta semana o deputado federal Lloyd Doggett, no programa da cadeia de televisão MsNBC, Hardball with Chris Mattews.
Obama espera garantir atendimento médico a 98% dos norte-americanos, com cobertura universal. Como os Estados Unidos não possuem um sistema amplo de saúde pública, a população depende de planos de saúde privados e de dois programas governamentais voltados para pessoas carentes com mais e 65 anos (Medicare) e pessoas pobres com necessidades específicas (Medicaid). No entanto, esses programas dependem muitas vezes de algum pagamento e possuem critérios estritos de elegibilidade, o que deixa muitos sem cobertura.
Consenso
A reforma no sistema de saúde não deve enfrentar problemas para ser aprovada, uma vez que os democratas controlam a maioria do Congresso, mas Obama defende que sua aprovação deve surgir de consenso entre os dois partidos.
No entanto, vide o clima tenso durante as reuniões, Obama começou a dar indícios de impaciência e já avisou: “Se os republicanos não querem participar, a reforma avançará de qualquer modo, só com os votos dos democratas”.
“E quero tudo aprovado antes do final de setembro”, completou o presidente.
Nesta virtual ofensiva de relações públicas da Casa Branca, não só estão inseridos o próprio presidente, como todos os membros de seu gabinete, senadores e deputados federais.
Como explica o analista Dave Hornstein, este tipo de reuniões públicas costumam ser bastante tranquilas, onde se debatem ideias e problemas que afetam as comunidades. Todavia, “nesse caso estão sendo interrompidas por ativistas da extrema direita que, sem esconder suas intenções, abertamente buscam calar os oradores democratas e silenciar os assistentes, sempre que querem expor suas preocupações ou dúvidas sobre a reforma de saúde”, explicou Hornstein.
Segundo o analista, os ativistas estão se organizando nas chamadas “reuniões do chá” – uma referência à desobediência pública no século 18 em Boston, prelúdio da independência norte-americana – e seus deslocamentos contam com o apoio financeiro dos lobbys das companhias de seguros e farmacêuticas, assim como de personalidades políticas conservadoras, como o líder republicano na Câmara dos Deputados, John Boehner e o senador Pete Sessions, presidente do Comitê Republicano do Congresso.
“A estratégia é simples. Chegam em massa às reuniões, ocupam todos os assentos ou se espalham no recinto para dar a ideia de que são a maioria dos assistentes e começam a gritar quando os oradores tentam explicar seus pontos de vista, ou começam a mentir sobre o conteúdo real da reforma de saúde”, afirmou o analista.
Ultimamente, o ambiente tem sido tão tenso, que na terça-feira (4), a polícia teve de escoltar até sua casa o deputado federal democrata Tim Bishop depois que os ativistas interromperam a reunião que estava presidindo. No dia seguinte, o deputado federal Brad Miller suspendeu sua sessão depois de receber ameaças de morte. No estado de Maryland, alguém colocou um boneco enforcado com a esfinge do deputado federal Frank Kratovil em frente a seu gabinete.
“Do ponto de vista da liberdade de expressão, todos temos o direito de expressar nossos pontos de vista, mesmo se sejam errados ou desonestos. Mas querer impedir que o resto das pessoas digam o que pensam não só viola a liberdade de expressão como mostra uma mentalidade fascista”, afirmou Boehner.
“No fundo, estão desesperados com a popularidade da reforma e sabem que seus argumentos são frágeis”, acrescentou.
Maioria dos norte-americanos apoia
Segundo uma sondagem da CNN/Opinion Research Corporation, divulgada na quarta-feira (4), a maioria dos norte-americanos apoia a reforma do sistema de saúde. No entanto, as opiniões estão dividas por gerações. Os maiores de 50 anos de idade são contra, e os resto está de acordo. A maioria não acredita que a reforma ajudará suas famílias, mas 44% crêem que poderá beneficiar outras famílias.
Um dado interessante revelado pela sondagem é que à medida em que o debate público sobre o tema se aquece, aqueles que se opõem à reforma estão participando mais das sessões públicas que os que estão o favor.
Uma coisa parece ser certa: por volta de 33% afirmam que se opõem “fortemente” à reforma, enquanto 23% são “fortemente” a favor. “Em temas como este, a intensidade das opiniões tem tanta ou mais importância que os números. Os opositores à reforma parecem ter sentimentos muito mais fortes que os que a favorecem”, comentou Bill Schneider, o analista político principal da cadeia CNN.
Segundo a líder da Câmara dos Deputados, a democrata Nancy Pelosi, ativistas democratas garantiram-lhe que, inclusive durante algumas das sessões públicas, os ativistas da extrema-direita apareceram com bandeiras e símbolos nazistas.
Republicanos se defendem
Os republicanos não negam que estejam surgindo grupos direitistas focados em perturbar as reuniões, mas afirmam oficialmente que se trata de pessoas atuando por conta própria e afirmam que o partido não promove esse tipo de ação.
“Não podemos impedir aquilo sobre o qual não temos controle. Se não controlamos essas pessoas, também não podemos impedir que apareçam nas reuniões”, afirmou Michael Steele, presidente do Partido Republicano.
Novo sistema de saúde
Em termos gerais, a reforma da saúde publica norte-americana pretende criar um novo sistema, similar ao europeu e ao canadense, no qual o governo assume a maioria das despesas de saúde e cria um mecanismo em que todo cidadão tem acesso a um seguro de saúde aceitável e acessível.
Mas até o momento não existe um rascunho do texto da lei. A única certeza é o compromisso da Casa Branca de se opor a qualquer projeto do Congresso que impeça a indústria farmacêutica de ter lucros inferiores a 80 bilhões anuais, como se desprende de um acordo de bastidores assumido há quase dois meses.
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