“Eu fui policial militar. Se eu soubesse que meu filho era um dos mortos, teria me lançado contra o capacete azul que estava no comando do pelotão”.
David Murillo, pastor evangélico, pai de Isis Obed Murillo Mensías, o jovem morto no domingo (5) em Tegucigalpa, fala com paixão no enterro de seu filho, em Santa Cruz de Olancho, uma cidade de 1,8 mil pessoas entre as colinas e os campos de milho, a três horas da capital. No campo não se vê militares e não houve repressão.
A mãe de Isis é amparada durante o enterro do jovem, em Santa Cruz de Olancho
Nas mãos, tem a bala que matou seu filho, e comenta que seguramente não é de borracha, como afirmaram os meios de comunicação hondurenhos.
O Exército perdeu muito da confiança do povo hondurenho. Um sociólogo que, por medo de repercussões, prefere não dizer seu nome, explica que antes do golpe de Estado – executado no dia 28 de junho e que destitui o presidente Manuel Zelaya – as três instituições que o povo de Honduras mais confiava eram, em ordem de importância, a Igreja, o Exército e os meios de comunicação.
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Durante a manifestação de domingo, se marcou uma diferença entre Exército e polícia. As pessoas estavam muito agitadas pela suposta chegada de Zelaya – expulso do país após o golpe –, e os policiais foram os que ajudaram os manifestantes a promover uma marcha pacífica. Para a surpresa de muitos, os simpatizantes do presidente, em várias ocasiões, cantaram hinos a favor da polícia: “Por que a polícia é parte do povo”, gritavam os líderes.
Policial e manifestante conversam no domingo (5)
O Exército é visto como um poder em apoio à oligarquia, enquanto a polícia, sendo um corpo civil desde 2005, se identifica mais com a população. “Os militares não sabem lidar com o povo porque não vivem entre ele, não têm relações no dia a dia com a gente. E, sobretudo, atiram neles”, diz David Murillo.
“Tenho certeza que se houvesse uma guerra civil a polícia lutaria em defesa do povo” afirmou com veemência Don Eduardo, um velho líder campesino.
Mas a divisão do povo se nota também nas famílias mais humildes: “Tenho dois irmãos no Exército, e os dois estão aqui no aeroporto disparando em nós!”, conta Fernando, um sindicalista de Tegucigalpa depois do tiroteio que vitimou Isis. Com amargura, ele agrega: “Espero que morram em um enfrentamento, os traidores. E estou falando de meus próprios irmãos!”.
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Até agora em Tegucigalpa não houve uma repressão muito forte. Mas, como disse um tenente coronel da polícia após os disparos no aeroporto, “os militares não estão preparados para tratar as pessoas e isto não vai ajudar na solução pacífica dos conflitos”.
Também porque, como conclui o sociólogo hondurenho, “Manuel Zelaya ainda não jogou todas as suas cartas, e uma delas é o apoio de parte de setores da hierarquia do Exército que, sendo um poder separado e autônomo da oligarquia, não é obvio que apóie até as últimas consequências as decisões dos golpistas”.
No caminho do aeroporto até o hotel, durante duas horas em pleno toque de recolher, que Micheletti no domingo adiantou para as 16h30 locais (18h30 no horário de Brasília), há muitos militares que, como dizem eles próprios, “estão dispostos a dar sua vida pela pátria”. Garotos de nem sequer vinte anos. À pergunta “E qual é o bem da pátria?”, a resposta é simples e inquietante: silêncio.
*Texto e fotos
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