A invasão da Faixa de Gaza representa uma sucessão de erros políticos do governo e da esquerda de Israel, na opinião do analista israelense Michael Warschawski, diretor do Centro de Informação Alternativa. Ele acha que a administração atual será derrotada nas eleições de fevereiro, por perder os votos dos trabalhistas e não atingir o nível de violência da extrema direita, que agrada mais à população conservadora. Avalia também que a esquerda revelou seu declínio ao apoiar a guerra e depois convocar manifestações pedindo cessar-fogo.
“Se é mesmo para fazer uma política de direita, o eleitorado sempre prefere apoiar o original e não a cópia”, afirmou em entrevista ao Opera Mundi, por e-mail. Leia a íntegra.
O que a população de Israel acha da invasão da Faixa de Gaza?
Mais de 85% da população judia de Israel considera que a invasão de Gaza é um ato de autodefesa contra a ameaça representada pelo Hamas e os foguetes caindo sobre as cidades do sul Israel. Portanto, justificada. A “contenção” do governo israelense, que durante muitos meses absteve-se de qualquer resposta aos mísseis Qassam, reforça ainda mais o apoio popular para os bombardeios e para a invasão. Isso, apesar dos massacres. Ao contrário do que aconteceu no passado, como durante o bombardeio de Cana (cidade libanesa atacada em 1996, onde morreram dezenas de pessoas), por exemplo, a mídia e a população em geral não tiveram reação nenhuma quando o Exército atacou as escolas das Nações Unidas, onde dezenas de pessoas estavam refugiadas. De um lado, a opinião pública está ficando acostumada aos horrores e aos massacres, o que provoca uma banalização desse tipo de episódio. A outra explicação é um nível impressionante de arregimentação da mídia, como há muito tempo não se via. Existe um receio de que a ofensiva terrestre leve a um impasse, como já aconteceu no Líbano. A maioria da população espera uma retirada o mais rapidamente possível.
Os ataques aconteceram a poucas semanas das eleições legislativas em Israel. Qual será o impacto sobre os eleitores?
De fato, uma das dimensões mais abjetas desta guerra é que ela é usada pelos políticos como uma forma de ganhar votos. Especialmente no caso do ministro da Defesa Ehud Barak, do Partido Trabalhista. Mas é um cálculo errado, porque nessa concorrência eleitoral o que vai determinar o ganhador é a brutalidade do discurso. O Ehud Barak pode dizer o que quiser, mas nunca vai chegar ao nível de violência de [Benjamin] Netanyahu, o candidato da direita. Acho que ele [Netanyahu] vai acabar levando a melhor. Além disso, os massacres de Gaza acabam afastando essa população ainda mais do Partido Trabalhista. Barak será provavelmente o grande perdedor das eleições, o que não é uma coisa que me deixe infeliz.
O que o senhor acha da demonização do partido Hamas?
É inaceitável. O Hamas é um movimento de libertação nacional. Representa a expressão democrática da maioria dos palestinos na Cisjordânia e em Gaza. Por esses dois motivos, deve ser reconhecido, inclusive pela comunidade internacional.
Qual é a postura da esquerda israelense diante dos ataques?
A esquerda institucional, o partido Meretz e o que sobrevive do partido Paz Agora, mais uma vez, aderiram à guerra. Somente após duas semanas eles começaram a convocar manifestações com as palavras de ordem “Agora é hora de parar”. O “Agora” é o coração da política da esquerda sionista. E o que explica seu declínio: se é mesmo para fazer uma política de direita, o eleitorado sempre prefere apoiar o original e não a cópia.
Jornalistas estrangeiros queixaram-se de não ter acesso a Gaza e não poder cobrir o que está acontecendo. O senhor acha que é uma política deliberada de controlar a informação do governo de Israel?
Não há dúvida de que o Exército não quer que o mundo veja de muito perto os crimes que está cometendo. Portanto, utiliza a censura e proíbe a entrada em Gaza para limitar a cobertura midiática. Mas é uma estratégia totalmente inútil: há um número suficiente de jornalistas estrangeiros e palestinos em Gaza para nos mandar informações o tempo todo. Ninguém vai poder dizer: “Eu não sabia”.
Como os adversários dessa política de Israel conseguem se expressar?
Desde o primeiro dia da agressão, a minoria que se opôs é mobilizada permanentemente. Não passa um dia sem uma manifestação nas grandes cidades, sem falar da mobilização massiva da minoria árabe de Israel (50.000 pessoas em Sakhnin, na Galiléia, semana passada). Até hoje, a maior manifestação de judeus contra a guerra foi em Tel Aviv, sábado passado, com 7.000 manifestantes.
Alguns propõem o boicote dos produtos provenientes de Israel. O que o senhor acha desta proposta e sua eficácia?
Qualquer campanha que pede a aplicação de sanções contra Israel, e contra todos que representam Israel fora do país, é benvinda, porque eles violam o direito internacional e cometem crimes de guerra, ou pelo menos aprovam esses crimes. O boicote é uma expressão dessas sanções necessárias do ponto de vista ético, independentemente da sua eficácia. Algumas formas de boicote são mais eficazes que outras, especialmente o boicote acadêmico e cultural, que afeta segmentos sensíveis da população.
O senhor espera grandes mudanças com a posse de Barack Obama?
No curto prazo, a política dos Estados Unidos no Oriente Médio não vai mudar, especialmente a aliança estratégica com Israel. No longo prazo, avaliando que esta política internacional é um desastre total, acho que a nova administração vai ter que realizar uma virada e substituir a estratégia neo-conservadora de guerra global e preventiva por uma diplomacia mais sofisticada e menos bélica. Isso terá um impacto positivo sobre o Oriente Médio e sobre a política de guerra permanente adotada por Israel. Mas não acho que seja agora.
O governo brasileiro, através de um assessor do presidente Lula, condenou o “terrorismo de Estado” de Israel, assim como fez Hugo Chávez na Venezuela. O senhor acha que declarações de chefes de Estado de países tão distantes do foco da guerra têm impacto?
Qualquer posição crítica da política de Israel tem impacto sobre a classe política israelense, ainda mais quando vem de uma potência como o Brasil, mesmo que seja um impacto atrasado. Ao contrário do que o discurso público fanfarrão dos líderes políticos e da mídia insinua, Israel é extremamente sensível às declarações da comunidade internacional. Ninguém gosta de ser tratado pelos outros como delinqüente.
Michael Warschawski é israelense e diretor do Centro de Informação Alternativa em Jerusalém, onde mantém um blog.
Seu último livro é Programmer le désastre (La Fabrique, França)
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