Fotos: Marcel Vincenti/Opera Mundi
Cidadã libanesa em frente a muro grafitado, erguido pelo governo local para bloquear acesso ao gabinete do premiê
Após um final de semana de protestos que deixaram pelo menos 400 feridos no centro da capital Beirute, o governo libanês colocou nesta segunda-feira (24/08) o Exército nas ruas da cidade e ergueu um muro na frente do palácio que abriga o escritório do primeiro-ministro Tammam Salam.
No final da tarde, pelo menos 1.000 pessoas se reuniram na frente da barreira de concreto para continuar expressando a insatisfação com o que vem sendo chamada de “crise disfuncional” do governo do Líbano. Gritos de “revolução” foram entoados no meio da multidão e diversas pessoas pixaram o muro, que tem quase três metros de altura, com frases como “Poder para o povo” — tudo sob o olhar de policiais.
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Agência Efe
Manifestantes na capital Beirute foram reprimidos com jatos d'água em protestos que deixaram centenas de feridos no final de semana
Entre meados de julho e o começo de agosto, o fechamento de um aterro sanitário e o final do contrato da empresa que recolhia os detritos interromperam a coleta de lixo em Beirute e arredores. Toneladas de lixo se acumularam nas esquinas da capital, espalhando mau cheiro por diversos bairros.
As manifestações do fim de semana foram organizadas por um grupo batizado de “You Stink” (“Você Fede”, em uma mensagem aos políticos libaneses), que usou a crise do lixo para também protestar contra outros problemas estruturais que vêm castigando a população libanesa, como cortes frequentes de energia e falta de água.
“A vida está muito difícil”, diz o taxista libanês Hassan Jumaa, que mora na empobrecida zona sul de Beirute e esteve nos protestos na frente do muro desta segunda-feira. “Na minha casa falta luz todos os dias e onde meu irmão vive falta água. O governo tem que fazer algo para mudar a situação ou vai haver uma revolução aqui”, afirma.
Abaixo, veja mais fotos de Marcel Vincenti do ato em frente ao gabinete do premiê libanês; o muro erguido foi grafitado por manifestantes, que se reuniram no local:
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A estudante Laial, de 20 anos, adotou uma postura mais radical. “Temos um governo hipócrita, que não faz nada pelo povo e agora ergue um muro para não ouvir nossas reivindicações”, disse ela, enquanto pixava palavras de protesto sobre o asfalto que fica na frente da barreira de concreto. “Para mim, a solução é destruir esse sistema que está aí e convocar novas eleições, para podermos eleger melhores representantes”.
Crise política
Os confrontos do fim de semana começaram quando alguns manifestantes tentaram remover barreiras de arame farpado que separavam o gabinete do premiê Tammam Salam das ruas no centro de Beirute.
Policiais deram tiros para o alto e utilizaram canhões de água e bombas de efeito moral para dispersar os manifestantes. O muro foi levantado hoje, e os soldados do Exército foram espalhados por diversas ruas da área, após uma nova passeata ser convocada para esta segunda-feira. Na manifestação de hoje, diversas pessoas voltaram a exigir a renúncia de Salam ao cargo de primeiro-ministro, mas a raiva também tem sido direcionada a outros líderes libaneses.
O ato foi suspenso no fim da tarde — havia uma manifestação prevista para as 18h (12h, horário de Brasília), mas foi cancelada após a escalada e violência. A Cruz Vermelha libanesa informou à agência Efe que 343 pessoas ficaram feridas hoje e foram encaminhadas a atendimento médico. A polícia local diz que 99 oficiais ficaram feridos e 32 pessoas foram detidas.
Um dos cartazes de protesto exibidos na multidão trouxe a frase “Nem todo lixo deveria ser reciclado”, com a fotos do rosto de diversas figuras importantes da política libanesa estampando sacos de lixo, como o parlamentar druso Walid Jumblatt, o ex-premiê sunita Saad Hariri e o parlamentar cristão Michel Aoun.
Todos eles são parte de dinastias políticas que comandam o Líbano há décadas e, agora, são apontados como culpados pelos problemas atuais do Líbano.
O Parlamento libanês se encontra hoje dividido entre dois grupos (os Movimentos 8 de Março e 14 de Março) que não têm se entendido para resolver problemas graves no país. Prova disso é o fato de que o Líbano está desde maio de 2014 sem presidente, cargo que é eleito pelo Parlamento, segundo a legislação local. Além disso, ainda não foi encontrada uma solução definitiva para resolver a crise do lixo, que continua se acumulando em cidades próximas a Beirute.
O território libanês, que antes de 2011 tinha 4,2 milhões de habitantes, também está sobrecarregado com o influxo de mais de um milhão de refugiados vindos da guerra civil da vizinha Síria, muitos dos quais estão implorando por esmolas e comidas em diversas cidades libanesas.
Tentativas de solução
Também nesta segunda-feira, o ministro do Meio Ambiente do Líbano, Mohammed Machnouk, anunciou que seis novas empresas foram contratadas para realizar a coleta de lixo no país. “Nós conseguimos achar um final feliz para esta crise”, disse ele. “Nós vamos supervisionar o trabalho destas empresas junto com a sociedade civil”.
No entanto, em uma coletiva de imprensa também realizada hoje, o líder do grupo “You Stink”, Marwan Maaluf, disse que a escolha das empresas não foi feita de maneira transparente e convocou novos protestos contra o governo para o próximo sábado (29/08).