Após quatro anos de uma parceria desgastada por enfrentamentos e divergências políticas e ideológicas, pode ter fim o casamento entre a CDU (União Democrata Cristã), da chanceler Angela Merkel, e o SPD (Partido Social-Democrata), do ministro das Relações Exteriores, Frank-Walter Steimeier. Mas as últimas pesquisas de intenção de voto podem condená-los a permanecerem como estão: juntos no governo, apesar dos pesares.
Os dois lados já haviam reconhecido que a união não daria mais certo. O divórcio entre os partidos de centro-direita (CDU) e centro-esquerda (SPD) era questão de tempo. Até poucos dias atrás, a possibilidade de uma nova aliança entre os rivais era tratada como última opção. O quadro parece estar mudando.
Desde o início da campanha eleitoral, a CDU deixou claro que tem preferência por uma aliança com o FDP (Partido Liberal). No entanto, uma pesquisa realizada pelo escritório alemão do instituto “YouGov“, entre 19 e 23 de setembro, aponta que, juntos, CDU e FDP têm 45% das intenções de voto – um recuo de 3 pontos percentuais na comparação com o levantamento anterior.
Uma sondagem da revista “Stern”, divulgada neste sábado (26), coloca a situação em acirramento ainda mais claro: 48% para Merkel e seus potenciais aliados contra 47% para Steimeier e uma eventual coalização com verdes e esquerdistas – embora membros do SPD tenham dito que só se uniriam aos Verdes apesar das coalizões com a esquerda em alguns Estados.
Os números, tanto da CDU, como do SPD – mesmo se firmar aliança com a esquerda – são insuficientes para formar uma bancada majoritária na câmara baixa do Parlamento, já que os dois partidos precisam ter mais de 50% da preferência do eleitorado.
Na contrapartida, SPD, Os Verdes (Die Grüne) e A Esquerda (Die Linke) ganharam força poucos dias das eleições federais de domingo (27).
Diante do atual cenário, uma reedição da Grande Coalizão (entre CDU e SPD) deixa de ser uma possibilidade remota e passa a figurar entre uma das principais alternativas para o partido do governo.
Apesar da arrancada da oposição, a CDU ainda lidera a disputa com cerca de 10% de vantagem. Dificilmente Angela Merkel não será reeleita para o cargo de primeira-ministra.
“Infelizmente, temos que reconhecer que talvez uma parceria com o SPD seja necessária. Esse não era o nosso desejo, já que temos um plano de governo compatível com os liberais. Se for da vontade da população, teremos que aceitar mais quatro anos de governo com o SPD”, declarou o deputado Dirk Fischer, candidato à reeleição pela CDU.
Rainer Jensen/Efe
Ministro Frank-Walter Steimeier ganhou apoio na reta final
Legado
Durante os últimos quatro anos, CDU e SPD sustentaram uma parceria que poucos acreditaram que duraria até as próximas eleições.
Nos momentos mais delicados, conseguiram deixar diferenças de lado e aprovaram projetos cruciais para resgatar o país da pior recessão desde a Segunda Guerra Mundial. Uma parcela dos eleitores ainda defende a continuidade da aliança entre os dois partidos.
“Eu acredito que SPD e CDU fizeram um bom trabalho nos últimos quatro anos. Prefiro deixar como está do que arriscar uma outra combinação que não dê certo”, afirmou o aposentado Ole Christiani, de 65 anos.
Mas os últimos meses de governo foram marcados por rachas e indisposições. Os desacordos eram em diversas áreas: reformas na educação, linha de atuação no combate à fraude fiscal, implementação de salário mínimo para trabalhadores temporários, entre outros.
Para Philip Kalifch, ativista e representante do escritório financeiro do SPD em Hamburgo, mais quatro anos de aliança com a CDU pode ser prejudicial para a Alemanha.
“Uma grande coalizão nunca é boa para os países. Elas resultam em pouca evolução, muito se discute e pouco se executa. O SPD quer uma aliança com os Verdes, mas os recentes prognósticos deixam os partidos cada vez mais encurralados, e apontam para a continuidade da aliança entre os partidos rivais”, declarou Kalifch.
Linhas de governo
Se Merkel conseguir formar uma coalizão com os liberais do FDP, a CDU promete reduzir os impostos em cerca de 12%, em um esforço para estimular o crescimento. Com a medida, a chanceler Angela Merkel pretende colocar mais dinheiro no bolso dos cidadãos e aquecer a economia.
A proposta da redução também é incentivar empresas que trabalham no “mercado negro” a saírem da ilegalidade e contribuírem com a arrecadação do governo.
O SPD, por outro lado, afirma que a redução proposta pela chanceler é inviável, pois faria com que o país deixasse de arrecadar cerca de 35 bilhões de euros por ano.
Para especialistas, cortar taxas, neste momento, é uma medida surreal. “O dinheiro da arrecadação de impostos é essencial durante a crise. Afinal, quem cobre o buraco dos bancos e empresas que chegam à beira da falência é o Estado. Se esse dinheiro não entrar no caixa, a economia poderá sofrer em casos de emergência financeira”, afirmou o analista político Joachim Ziessler, do jornal alemão “Landeszeitung”.
Outro ponto divergente entre direita e esquerda é a questão energética. O SPD quer acabar com o uso de energia nuclear até 2020. Já a CDU defende o prolongamento da utilização das usinas atômicas, até que outra fonte de energia tão eficiente possa substituir o modelo atual.
A ala esquerdista também quer acabar com o polêmico depósito de lixo nuclear de Gorleben, na Baixa Saxônia, norte do país. No início do mês, um relatório apresentado pelo ministro do Meio Ambiente, Sigmar Gabriel (SPD), sugeriu que a usina pode oferecer risco de radioatividade à população.
Sobre o assunto, a CDU defende que novos e mais detalhados estudos sejam feitos, antes que qualquer medida seja tomada.
Kay Nietfeld/Efe
Eleições são marcadas por ameaça de terrorismo
Impacto no Brasil
Para o Brasil, uma aliança entre CDU e FDP levaria a uma forte cooperação entre os dois países no campo da energia nuclear. As usinas Angra 1 e Angra 2, do Rio de Janeiro, foram construídas por empresas alemãs, e o governo brasileiro já manifestou interesse em novas instalações.
A mesma parceria não seria possível com o SPD. Além de defender o fim da energia nuclear, o partido declarou ser contra os biocombustíveis, pelo impacto negativo que as lavouras de cana-de-açúcar provocam no meio ambiente. A cooperação entre os social-democratas e o Brasil ficaria focada em projetos voltados para energias renováveis.
Segundo dados do Ministério das Relações Exteriores, Brasil e Alemanha tem 234 acordos bilaterais, vigentes desde 1953. No ano passado, três novos convênios foram assinados, todos relacionados ao meio ambiente e energias renováveis.
Independentemente de qual partido saia vitorioso, os dois países tem tudo para manter bons laços diplomáticos.
Ameaças e expectativas
As recentes ameaças da rede terrorista al-Qaeda contra a Alemanha podem ter contribuído para o recuo dos conservadores nas pesquisas de intenção de voto.
O país vive um momento de apreensão. Em menos de uma semana, três vídeos do grupo insurgente foram publicados na internet – o mais recente na terça-feira. Os terroristas pedem a retirada das tropas alemãs do Afeganistão, ou ameaçam um ataque durante ou após as eleições.
A disputa eleitoral na Alemanha parece ter guardado todas as emoções para o final. Após uma campanha morna e quase sonolenta, o país despertou.
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