Hajo Meyer, autor do livro “O Fim do Judaísmo”, nasceu em Bielefeld, na Alemanha, em 1924. Em 1939, com o início da Segunda Guerra Mundial, ele escapou sozinho para a Holanda, aos 14 anos, para fugir do regime nazista, e não pôde frequentar a escola. Um ano depois, quando os alemães ocuparam a Holanda, ele viveu se escondendo com uma identidade mal falsificada. Meyer foi capturado pela Gestapo em março de 1944 e deportado para o campo de concentração de Auschwitz uma semana depois.
Um dos últimos sobreviventes de Auschwitz, ele faleceu no último sábado, na Holanda, aos 90 anos. Relembre uma das últimas entrevistas dadas por ele, em 2009, quando Israel fazia ofensiva à Gaza, tal como ocorria até esta terça-feira (26/08), quando um cessar-fogo foi assinado.
Christiane Tilanus/The Electronic Intifada
[Hajo Meyer, morto em 2014, era o autor do livro “O Fim do Judaísmo”]
Adri Nieuwhof: O que você gostaria de dizer para se identificar aos leitores da EI [The Electronic Intifada]?
Hajo Meyer: Eu tive de sair da escola primária em Bielefeld depois da Kristallnacht [Noite dos Cristais], que marcou o começo do massacre contra judeus na Alemanha nazista, em novembro de 1938. Foi uma experiência terrível para um menino curioso e seus pais. Portanto, eu consigo me identificar totalmente com a juventude palestina que é impedida de ter educação. E eu não posso, de forma alguma, me identificar com os criminosos que tornam impossível que a juventude palestina seja educada.
AN: O que o motivou a escrever seu livro, O Fim do Judaísmo?
HM: No passado, a mídia europeia escreveu extensivamente sobre políticos de extrema-direita como Joerg Haider, na Áustria, e Jean-Marie Le Pen, na França. Mas, quando Ariel Sharon foi eleito primeiro-ministro de Israel em 2001, a mídia permaneceu em silêncio. Com o livro, eu queria me distanciar disso. Eu fui criado no judaísmo com a igualdade de relacionamentos entre seres humanos como um valor central. Eu só aprendi sobre o judaísmo nacionalista quando ouvi colonos defenderem a perseguição em entrevistas. Quando um editor me pediu para escrever sobre o nosso passado, decidi escrever esse livro, de certa forma, para lidar com o meu passado. Pessoas de um grupo que desumanizam pessoas que pertencem a outro grupo podem fazê-lo porque elas aprenderam com seus pais ou receberam uma lavagem cerebral de seus líderes políticos.
Isso vem acontecendo por décadas em Israel porque eles manipularam o Holocausto para seus objetivos políticos. A longo prazo, o país está se autodestruindo ao induzir seus cidadãos judeus a se tornarem paranoicos. Em 2005 [o primeiro-ministro Ariel] Sharon ilustrou essa questão ao dizer no Knesset [o Parlamento israelense]: “Nós sabemos que não podemos confiar em ninguém, nós só podemos confiar em nós mesmos”. Essa é a definição mais concisa possível de alguém que sofre de paranoia clínica.
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Um dos maiores incômodos na minha vida é que Israel trapaceia ao se autodenominar um Estado judaico, enquanto, na verdade, é sionista. Quer o máximo de território com um número mínimo de palestinos. Eu tenho avôs e avós judeus. Eu sou ateu. Eu compartilho da herança sociocultural e aprendi sobre a ética judaica. Eu não quero ser representado por um Estado sionista. Eles não sabem nada do Holocausto. Eles usam o Holocausto para implantar a paranoia nas suas crianças.
AN: No seu livro você escreve sobre as lições que aprendeu com o passado. Você pode explicar como o seu passado influenciou na percepção sobre Israel e Palestina?
HM: Eu nunca fui sionista. Depois da guerra, os judeus sionistas falaram sobre o milagre de ter “o nosso próprio país”. Como um ateu convicto eu pensei, se isso é um milagre de Deus, eu gostaria que ele tivesse realizado o menor milagre imaginável ao criar o Estado 15 anos atrás. Então meus pais não estariam mortos.
Eu posso escrever uma lista infinita de semelhanças entre a Alemanha nazista e Israel. A apropriação de terras e propriedades, o impedimento de as pessoas terem oportunidades educacionais e a restrição da possibilidade delas ganharem para sobreviver, para destruir a esperança delas, tudo com o objetivo de afugentá-las da terra deles. E o que eu pessoalmente acho mais terrível do que sujar suas mãos ao matar pessoas é criar circunstâncias nas quais as pessoas começam a matar umas às outras, quando a distinção entre vítimas e criminosos se torna tênue, ao semear a discórdia em uma situação na qual não há unidade, ao aumentar a distância entre as pessoas — como Israel está fazendo em Gaza.
Agência Efe
Garota observa casa destruída após ataque das forças de Israel em Gaza
AN: No seu livro você escreve sobre o papel dos judeus e dos refuseniks [objetores de consciência] do Exército no movimento de paz dentro e fora de Israel. Que valor você dá para a contribuição deles?
HM: É claro que é positivo que parte da população de judeus em Israel tente ver os palestinos como seres humanos e seus iguais. Entretanto, me preocupa como é minúsculo o número de manifestações que são verdadeiramente antissionistas. Nós ficamos transtornados com o que aconteceu na Alemanha de Hitler. Se você expressasse apenas uma ideia de crítica naquela época, você terminava no campo de concentração de Dachau. Se você expressasse crítica, você estava morto. Os judeus em Israel têm direitos democráticos. Eles podem protestar nas ruas, mas não o fazem.
AN: Quais são seus planos para o futuro?
HM: [Ri] Você sabe quantos anos eu tenho? Eu tenho 85 anos de idade. Eu sempre digo cinicamente e rindo de mim mesmo que eu tenho uma escolha: ou estou sempre cansado porque eu quero fazer coisas demais, ou vou me sentar e esperar que o tempo passe. Bem, eu pretendo ficar cansado, porque eu ainda tenho muito a dizer.
(*) Adri Nieuwhof é uma consultora e defensora de direitos humanos baseada na Suíça.