O agitado ano de campanha de Michelle Bachelet, em 2013, esteve marcado pelos esforços para dar origem a uma nova aliança política — a Nova Maioria —, que somou vontades e novos atores, entre eles o Partido Comunista, que, pela primeira vez, se incorporou ao bloco que antes governou ininterruptamente de 1989 a 2010. A força da figura de Bachelet não foi suficiente para ganhar no primeiro turno e, respondendo às críticas à ausência de um programa de governo, surgiu a promessa de cumprir 56 medidas durante os primeiros 100 dias do mandato. A data final é esta quarta-feira (18/06).
Efe
Primeiro governo de Bachelet se dedicou a alcançar êxitos macroeconômicos, principalmente por meio da reforma previdenciária
Em apenas dois meses, a implantação de medidas e assuntos tem sido intensa a ponto de cercar totalmente a agenda política. Com uma direita debilitada, não tem sido difícil para o governo de Michelle Bachelet instalar sua agenda de 56 medidas, e, segundo o último relatório, a presidente teria cumprido 88% delas. Esse programa foi levado a cabo em meio a duas catástrofes: o terremoto no norte do país no dia 1 de abril e o incêndio em Valparaíso no dia 12 de abril, que atingiram cerca de 10 mil pessoas.
Nesse cenário, se destacam as três profundas reformas que são os pilares sobre os quais Bachelet e a Nova Maioria debutaram no segundo turno: reforma da educação, reforma tributária e reforma da Constituição, como eixos em torno dos quais giram as medidas anunciadas nos primeiros dias.
Uma ex-ministra de Bachelet afirma que nesse segundo governo “foram abordadas reformas profundas que dão um ritmo muito forte ao governo. Também se percebe um papel de muito menor destaque dos partidos políticos, a não ser o PC, que pela primeira vez fez um pacto de governo e tanto suas ideias como seus militantes são altamente valorizados pela cidadania.”
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O primeiro governo de Bachelet, de 2006 a 2010, dedicou seu trabalho para alcançar êxitos macroeconômicos, principalmente por meio da reforma previdenciária, mas as demandas estudantis, que se mantiveram durante os últimos quatro anos, obrigaram a formular um debate e propostas que visam mudar o modelo neoliberal do Chile.
Mas os anúncios em matéria educacional não aplacaram as críticas, apesar duas iniciativas que visam o fim do lucro, a criação de um interventor em educação que evite que as universidades quebrem e o fim do co-pagamento no Ensino Médio já terem sido anunciadas. Os estudantes mantêm as marchas em Santiago e outras regiões do país e têm conseguido agregar, ultimamente, as agremiações de professores. A crítica dos dirigentes estudantis é que a reforma não vai mudar o modelo e está sendo realizada sem a participação dos cidadãos.
Fogo amigo
Mas as críticas mais intensas foram percebidas no bloco da Nova Maioria. A Democracia Cristã criticou com força a reforma educacional e o protagonismo que o Estado quer ganhar. Camila Vallejo, ex-dirigente estudantil e atual deputada, respondeu às críticas insinuando que o DC parece não querer que “o lucro termine”.
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Estudantes mantêm marchas em Santiago e outras regiões do país e têm conseguido agregar as agremiações de professores
Por outro lado, a reforma tributária, que procura recolher 3 pontos percentuais extras do PIB (Produto Interno Bruto), cerca de 8,2 bilhões de dólares, estima aumentar — de forma gradual — a taxa de impostos sobre as empresas de 20% a 25%, e eliminar o benefício tributário conhecido como FUT (Fundo de Utilidades Tributáveis), medidas que reduzem a evasão e a sonegação.
Os fundos advindos dessa reforma, segundo as autoridades, estarão destinados a financiar a educação, mas a direita iniciou uma forte campanha nos meios de comunicação, da qual participa inclusive o ex-presidente Sebastián Piñera, que afirmou que essa reforma afetaria o crescimento, o emprego e a produtividade.
Os anúncios são tão amplos que incluem as áreas da saúde, proteção social, energia, segurança cidadã, trabalho, descentralização, meio ambiente, cultura e esportes, entre outros. Francisca Quiroga, analista da Universidade Arcis, concorda que tanto a intensidade como a diversidade de temas foi uma aposta e uma estratégia, não apenas para preencher a agenda, mas também como forma de renovar os temas e marcar uma diferença com o governo de Piñera.
Alguns projetos emblemáticos anunciados nos últimos dias incluem o envio do projeto de Lei que cria a AFP (Administradora de Fundo de Pensão) estatal, que tenta ser uma alternativa no sistema de aposentadorias — também privatizado — um Plano Especial de Desenvolvimento Regiões Extremas do país e um Plano Nacional de Investimentos em saúde pública de abrangência até 2018.
Mas a reforma de mais fôlego, que não contou com nenhuma medida que abrisse o caminho, é a reforma da Constituição. Obra do governo de Augusto Pinochet, que governou de 1974-1990, a Carta Magna só teve alguns retoques no governo de Ricardo Lagos (2000 – 2006). Durante a campanha, o movimento por uma Assembleia Constituinte ganhou visibilidade, visando mudar o sistema binominal que equipara as forças políticas sem proporcionalidade de forças.
Mas a própria presidente expressou que essa reforma contará com inciativas a partir do segundo semestre e durante o próximo ano. No entanto, na Câmara dos Deputados já se levantam vozes que tentam apressar a discussão legislativa. “É absolutamente anormal que o Chile não tenha uma Constituição nascida na democracia”, disse Vlado Mirosevic, deputado do Partido Liberal, ao lado de vários outros parlamentares que formam hoje a bancada transversal por uma Assembleia Constituinte.
Medidas não cumpridas
Mas o turbilhão de medidas engloba algumas que não poderão ser cumpridas no curto prazo. São medidas que buscavam acabar com o histórico conflito entre o povo mapuche e o Estado chileno, que contemplam projetos de lei para criar um ministério e uma agência de povos indígenas que igualem o trato com os povos originários.
Mas, uma vez que o Chile ratificou a convenção 169 da OIT (Organização Internacional do Trabalho), que trata dos direitos fundamentais dos povos indígenas e tribais, deverá realizar um referendo indígena para aplicar as medidas. A elas, soma-se também a criação do Ministério da Cultura e Patrimônio que também deverá passar por uma consulta pública.
Nos 100 primeiros dias de Bachelet, a soma das medidas implementadas está a favor do cumprimento da promessa de campanha, mas com águas internas agitadas para a continuidade do programa. A isso se acrescenta a proposta de legislar para despenalizar o aborto sob certas condições, anúncio que irritou profundamente a direita. A Nova Maioria conta em geral com os votos no parlamento para avançar na maioria dos temas expostos no programa de governo, mas em outros necessitará de uma boa dose de diálogo e negociação.