Novas pesquisas sobre as ações e políticas do regime militar brasileiro (1964-1985) revelam que houve uma conexão internacional entre a ditadura do Brasil e outros governos autoritários do exterior. ´´É o que revelou o programa Ao Vivo com a Redação, de Opera Mundi, exibido nesta quarta-feira (25/08).
Uma das pesquisas trata da suspeita de que ao menos quatros brasileiros teriam sido sequestrados pela ditadura militar argentina (1976-1983) e adotados ilegalmente no Brasil durante o período de repressão.
Quem conduz as buscas é o escritor Eduardo Reina (Cativeiro Sem Fim, Alameda). Ele afirmou que as ocorrências estão em “processo de descoberta” junto com as Avós da Praça de Maio, grupo argentino que luta para encontrar parentes que desapareceram nas mãos dos militares durante a ditadura do país.
Segundo Reina, após o lançamento de seu livro, em 2019, diversas pessoas o procuraram para detalhar suas histórias “dizendo serem vítimas desse Estado militar que comandou o Brasil”.
“Desde então, estou em contato com essas pessoas, avaliando a história delas e fazendo uma apuração de indivíduos que podem ser filhos de militantes e políticos da Argentina que foram trazidos ao Brasil, sendo adotados por famílias de militares ou ligados ao setor”, disse.
O autor esclareceu que as pessoas envolvidas nos quatros casos anunciados entraram em contato por conta própria com as Avós da Praça de Maio, que dispõem de um banco de dados genéticos dos desaparecidos políticos na ditadura argentina. De acordo com Reina, eles “procuraram [a organização] para fazerem um teste de DNA e, assim, verificarem se de fato foram adotados por alguém no Brasil”.
Ainda na entrevista, Reina declarou que, ao longo desse processo, procurou o Ministério da Defesa brasileiro a fim de entender o posicionamento do governo diante dos casos. Ele conta que a resposta enviada pela pasta “assume a existência desse crime”.
“Eles falam que é uma coincidência, pois eles poderiam ser adotados por uma família de arquitetos, mas o governo que estava na época era militar e não de arquitetos. Eles podem tentar negar a existência desses crimes, mas não podem provar que eles não aconteceram”, afirmou o escritor.
Operação Condor
Por sua vez, a correspondente de Opera Mundi na Itália, Janaina Cesar, responsável por cobrir o processo da Operação Condor que corre em Roma, apontou outros desfechos para o julgamento.
A Condor foi uma aliança entre Argentina, Chile, Uruguai, Paraguai, Brasil, Bolívia e Peru que permitia a troca de informações e prisioneiros e tinha como objetivo perseguir, torturar e assassinar dissidentes políticos e opositores dos regimes militares de então. O processo começou com denúncias de parentes de desaparecidos ítalo-uruguaios e ítalo-argentinos, o que levou a Justiça da Itália abrir uma investigação ligada a essas mortes.
Wikimedia Commons
Pesquisas apontam que bebês de outros países foram adotados por famílias de militares no Brasil
O caso começou em 2015 e foi concluído em 2021, com a condenação à prisão perpetua de 14 torturadores ligados às ditaduras do Cone Sul.
Para Cesar, todo o processo é um “reconhecimento” da Operação Condor “como uma rede de colaboração”. “Foi preciso um processo na Itália para estar julgando um suposto torturador brasileiro [já que a condenação saíra em outubro] para evidenciar que houve uma falha na transição do regime para a volta da democracia”, disse a jornalista.
Segundo ela, outros países discutiram e julgaram os casos de torturas e outros crimes que foram cometidos nos regimes militares da América Latina, afirmando ser ainda necessário um processo semelhante no Brasil, dando por exemplo o papel do Estado uruguaio no decorrer do processo.
“No processo principal da condenação dos envolvidos na Operação, o Estado do Uruguai se constituiu como uma parte civil. O país Uruguai contratou um advogado na Itália e colaborou com a Justiça italiana durante os julgamentos” afirmou.
Embaixadas do Brasil durante a ditadura militar
Junto com Reina e Cesar, o historiador Paulo Cesar Gomes também abordou outras conexões da ditadura brasileira com o exterior.
Autor dos livros Liberdade vigiada e Os bispos católicos e a ditadura militar brasileira (ambos pela Editora Record), Gomes pesquisou como funcionava a dinâmica de embaixadas e consulados do Brasil na época do regime, declarando que as sedes diplomáticas funcionaram como “tentáculos da ditadura no exterior”.
“A ditadura tinha uma intenção não apenas de controle estritamente político, mas havia uma tentativa de controle social, uma espécie de 'BBB' em termos morais e comportamentais”, declarou.
Segundo o historiador, os militares fizeram um “esforço” para “controlar” os brasileiros que estavam fora do país, como também uma tentativa de buscar “defender uma imagem que aqui havia uma democracia”.
“Houve um esforço de propaganda do país, envolvendo futebol, Amazônia, carnaval e afins para defender a imagem de democracia no Brasil. […] Foi movimentado bastante dinheiro para isso que comprovam que os militares tentaram agir fora do país”, disse Gomes.