Diante de um cenário difícil, todos os meios e espécies de fluxos das pessoas que estão no exterior devem ser estimulados para que elas se tornem “agentes” dos próprios países. É esta a opinião do professor e pesquisador Germain Ngoie Tshibambe, em entrevista à IHU On-Line. “O dinheiro feito pelos que migraram pode se tornar fonte para investimentos interessantes em seus países de origem. Isto dá lugar a um debate polêmico sobre as remessas de dinheiro. Há muitos migrantes do Sul Global com Ph.D. e todo o tipo de competência técnica e científica vivendo no Norte Global. Eles podem ser usados de forma eficiente para darem sustentação aos seus países de origem”, sugere.
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Eduardo Gaviña
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Germain Ngoie Tshibambe é professor no Departamento de Relações Internacionais e Ciências Políticas – Universidade de Lubumbashi (UNILU) na República Democrática do Congo. Foi coordenador de pesquisa sobre movimentos de migração para/a partir da República Democrática do Congo, fundada pelo programa MacArthur em Mobilidade Humana com parceria do instituto internacional de migração, na Universidade de Oxford, por três anos.
Leia a seguir trechos da entrevista com o pesquisador.
IHU On-Line: O que são as dinâmicas migratórias intercomunitárias na África Central?
Germain Ngoie Tshibambe: As dinâmicas da migração intercomunitária nesta região — África Central — apresentam dois aspectos. O primeiro diz respeito à orientação dos migrantes. O segundo trata das causas da migração. Nesta região, a orientação da migração dá preferência a uma distinção sutil entre países “privilegiados” de destino (ou países que recebem os migrantes) e os países emigrantes. Há países que são considerados interessantes e que atraem a migração. Estes são países ricos em fontes minerais e são campos para atividades informais. É o caso de Angola, Camarões, Gabão, Guiné Equatorial, Chade e República Democrática do Congo. Os outros países enviam levas de migrantes.
A África Central é forjada pela existência de comunidades econômicas sub-regionais com uma divisão linguística e colonial. Há a Comunidade Econômica e Monetária da África Central – CEMAC (que compreende seis países colonizados pela França), a Comunidade dos Países de Língua Portuguesa – CPLP e a Comunidade Econômica dos Países dos Grandes Lagos – CEPGL. Existe um fluxo migratório interior entre as pessoas que pertencem a cada uma destas comunidades. De qualquer forma, é válido dizer que há uma espécie de sutileza das coisas que acaba criando uma confusão na distinção entre quais países estão enviando e quais países estão recebendo migrantes.
O segundo aspecto relaciona-se com as causas da migração. Há razões históricas e contemporâneas. Entre as razões históricas podemos lembrar as profundas relações entre as pessoas pertencentes aos mesmos grupos étnicos que vieram a se separar com as fronteiras coloniais. Para além desta questão das fronteiras coloniais através dos Estados pós-coloniais, as pessoas nesta região eram ativas em migrar. Para facilitar este fenômeno, os Estados pós-coloniais forjaram políticas específicas para lidar com este “transnacionalismo comunitário (ou étnico)”.
Já as razões contemporâneas são complexas. Destaco os fatores econômicos que levam as pessoas a se movimentarem de um país para outro não para se assentarem, mas para comprar produtos em um lugar e vendê-los em outro, produzindo um complexo continuum dentro do qual sujeitos, ideias e coisas circulam. Devemos também observar o viés do conflito que há nesta região. A belicosidade e suas consequências induzem à migração.
IHU: Quais são as particularidades dos movimentos migratórios intercomunitários na África Central? Como se diferenciam das imigrações do Sul Global para outras regiões do planeta?
GNT: Não tenho certeza de que podemos entrever as particularidades destes movimentos migratórios na região em questão. Em vez disso, podemos compreender o que acontece e por que eles ocorrem. Não há diferença alguma, ao menos que tentemos revelar as diferenças como se existissem alguns lugares e algumas realidades que fossem mesmo diferentes. Nihil novi sub sole [não há nada de novo sob o sol], eis um provérbio latino.
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Duas coisas válidas de nota: o desejo de fazer negócios no contexto da informalidade desmedida explica a migração. Em outros lugares também encontramos este fator como determinante. Hoje, os chineses estão migrando e o que estão fazendo na migração relaciona-se com as oportunidades comerciais. Em segundo lugar, o fator impulsionador é a guerra e a violência de todas as formas (violência e estupro de meninas e mulheres, tortura, saques…). Noutras partes do Sul Global encontramos conflitos e violência; há um movimento consequente de migração. Aliás, este segundo aspecto pode ser considerado uma particularidade da África Central, nesta conjuntura de Estado falido e guerras que despedaçam este lugar.
IHU: Que relações há entre os conceitos de imigração e desenvolvimento?
GNT: Esta relação entre os conceitos de imigração e desenvolvimento foi provocada a partir de uma consideração normativa ao mesmo tempo em que se lidava com a questão da migração no período pós-guerra fria. Depois que a comunidade internacional se tornou incapaz de suprimir a migração, digamos os fluxos migratórios, um novo paradigma desdobrou alguns pensamentos sobre a forma de se transformar a migração em um lugar capaz de levar ao desenvolvimento. Por exemplo, nas décadas de 1960 e 1970, havia o conceito de “brain drain”, quer dizer, uma fuga de cérebros.
Esta mudança foi levada em consideração, e os Estados se engajaram em diálogos no intuito de estabelecer políticas que poderiam mudar a perspectiva pessimista de migração para uma perspectiva otimista no que diz respeito ao desafio do desenvolvimento. Portanto, uma nova governança veio a ser posta em movimento de forma a ajudar os Estados e governos a implementarem políticas que poderiam fazer uso de todas as oportunidades para enquadrar as pessoas na migração em seus países de origem. Esta visão voluntarista ainda precisa de mais envolvimento e imaginação por parte dos Estados e dos migrantes.
IHU: Que tipo de desenvolvimento está relacionado aos movimentos migratórios? Quais são os impactos da imigração no desenvolvimento?
GNT: Uma questão ampla está relacionada na definição do desenvolvimento na significação geral. Como tal, todas as oportunidades, todos os meios e qualquer espécie de fluxo são necessários, e os migrantes que estão no exterior devem se tornar novos “agentes” com relação a seus países. Por exemplo, o dinheiro feito pelos que migraram pode se tornar fonte para investimentos interessantes em seus países de origem.
Isto dá lugar a um debate polêmico sobre as remessas de dinheiro. Há muitos migrantes do Sul Global com Ph.D. e todo o tipo de competência técnica e científica vivendo no Norte Global. Eles podem ser usados de forma eficiente para darem sustentação aos seus países de origem. Há histórias de sucesso de alguns países para os quais as migrações ajudaram os países de origem a terem uma oportunidade e um impulso para o desenvolvimento. Tudo isso, aliás, é passível de debate.
IHU: De que ordem são os fluxos de refugiados e pessoas em deslocamento na África Central? Como o atual cenário político da região gera impactos nas populações locais?
GNT: Segundo os dados disponíveis, a África Central registra mais refugiados e pessoas deslocadas do que qualquer outra parte do mundo. Os refugiados da África Central representam 78% do número global de pessoas nesta situação. Dois países estão entre os que mais enviam refugiados: a República Democrática do Congo e a República da África Central. O tempo que vivemos é um momento de tristezas. A República da África Central, hoje, é o epicentro da guerra civil. A parte oriental da República Democrática do Congo ainda está sob o fogo da violência e de conflitos de baixa intensidade de todo o tipo. A instabilidade política tem um impacto negativo nas populações locais. Estas populações se encontram em situações destacadamente precarizadas. É alto o nível da pobreza global. Sem guerras e violência, estas populações estão se desfazendo devido à pobreza e à fome. Com guerras, a situação se torna pior.
IHU: Qual a contribuição do pensamento e das racionalidades produzidas no Sul Global para a questão das migrações em nível mundial? Quais são os limites e as possibilidades?
GNT: Antes de tudo, em nível global a questão da migração foi levantada por pensadores americanos e ativistas dos direitos humanos. Os pensadores do Sul Global vêm depois e a eles foram dadas oportunidades de serem ouvidos não no Sul, mas no Norte, onde os debates são abertos e circulam de maneira intensiva. Cada vez mais, há pensamento e racionalidades produzidos no Sul Global, os quais acrescentam uma nova visão, dão uma nova luz e reavaliam o discurso predominante sobre o assunto. Há uma questão de geopolítica do conhecimento aqui. Existe uma divisão desigual da produção do conhecimento; ela começa no Norte, com o Sul Global estando na posição reativa. Isto faz surgir os limites do Sul Global. Não há parceiros financiadores no Sul Global tal como existe no Norte. A Fundação MacArthur, sediada nos EUA, financiou e apoiou pesquisas sobre a migração; o contrato foi realizado pelo Instituto de Migração Internacional, da Universidade de Oxford. Grande parte das pesquisas foi feita na África. Eles pediram aos africanos para pensarem sobre as perspectivas africanas sobre migração e mobilidade. Pensar sobre migração com fundos fornecidos pela vontade e atenção do Big Brother explica os limites e possibilidades de um tal pensamento.
O domínio da migração e desenvolvimento é muito atraente. Muitas oportunidades de pesquisa se abrem nos meios científicos; mas todos estes impulsos e interesse pela migração se relacionam com o desejo do Norte (e com os financiamentos dele) em compreender e controlar a questão após o pesadelo do 11 de setembro nos Estados Unidos.
Tradução: Isaque Gomes Correa | Colaborou: Fernanda Bragato
Fonte: IHU On-Line