O veto do presidente da República Dominicana, Danilo Medina, ao novo Código Penal que mantém a criminalização do aborto em todos os casos abriu novamente o debate sobre o tema no país, que registra um dos maiores índices de morte de mulheres relacionadas com a gravidez e o parto na região.
A decisão adotada por Medina na segunda-feira (19/12) é igual à que tomou em 2014, quando o Congresso Nacional (bicameral), controlado pelo governante Partido da Libertação Dominicana (PLD), aprovou um texto similar que penalizava o aborto.
Em carta enviada ontem ao Congresso Nacional, o presidente pediu aos legisladores que reconsiderem o tema e autorizem que o aborto seja realizado em determinadas circunstâncias.
De acordo com as exceções propostas por Medina, a mãe poderá abortar quando a gravidez for resultado de estupro, sequestro ou incesto, que a interrupção seja feita dentro das primeiras 12 semanas de gestação, e sempre e quando o fato tiver sido denunciado ou se for comprovado que a vítima foi impossibilitada de fazê-lo.
O procedimento também será autorizado quando houver má-formação congênita do feto, com certidão médica prévia, se a vida do recém-nascido for considerada inviável, e quando se esgotarem todos os meios “científicos e técnicos” disponíveis para salvar ambas as vidas, “até onde for possível”.
Agência Efe
Manifestação em Santo Domingo, capital da República Dominicana, em prol da legalização do aborto no país (18/12)
A decisão de Medina, vista como “valente” por organizações que defendem os direitos das mulheres, provocou uma avalanche de reações, a favor e contra, evidenciando a divisão que o assunto gera no país.
O presidente da Comissão Nacional dos Direitos Humanos (CNDH), Manuel María Mercedes, elogiou o veto presidencial que, segundo sua opinião, “envia uma mensagem clara ao Congresso Nacional, que deve reconsiderar sua posição sobre o tema do aborto e receber as sugestões do presidente Medina”.
Em declarações à Agência Efe, Mercedes lamentou que mulheres continuem a morrer no país por causa de abortos clandestinos, o que poderia ser evitado se existisse uma lei que regulamentasse o procedimento.
Além disso, pediu ao Senado que não repita o mesmo trâmite de 2014, quando as observações de Medina não passaram pela Câmara dos Deputados, o que fez com que a lei fosse declarada inconstitucional pelo Tribunal Constitucional, devolvendo a pauta ao Senado, que na semana passada voltou a penalizar o aborto.
A lei, que está há anos no Congresso Nacional, deverá voltar ao Senado, que decidirá se levará em consideração ou não as observações de Medina.
NULL
NULL
A vice-presidente dominicana, Margarita Cedeño, afirmou em artigo publicado nesta terça-feira (20/12) pelo jornal Listín Diario que “é evidente” que o tema do aborto “merece ser levado à mesa de debate, onde todos os setores nacionais possam ser escutados, de maneira que a decisão final seja o resultado da análise profunda da realidade social que o país vive”.
Mercedes disse que se o debate continuar, o Poder Executivo “deve considerar submeter essa importante decisão à vontade popular”, como o estabelece o artigo 210 da Constituição, que contempla as consultas populares.
Representantes das igrejas reprovaram a iniciativa do governante e o presidente do Conselho Dominicano de Unidade Evangélica (Codue), Fidel Lorenzo, chamou Medina de “abortista”.
“Acredito que, sem dúvidas, temos um presidente abortista no Palácio. Ele insiste que a Constituição seja violada”, escreveu Lorenzo no Twitter.
O coordenador da Pastoral Juvenil, o sacerdote Luis Rosario, disse lamentar a postura de Medina, e afirmou que “deste governo é possível esperar qualquer coisa em matéria de respeito à vida e em relação ao casamento e à família”.
Sergia Galván, do Coletivo Mulher e Saúde, destacou a decisão do presidente Medina de vetar o código penal, “atendendo à saúde, à dignidade, aos direitos e à integridade das mulheres”.
“Obrigar uma mulher a manter uma gravidez forçada produto do crime de estupro é cruel, desumano e um desprezo às mulheres”, acrescentou.
A República Dominicana é um dos países da região com maiores índices de morte de mulheres relacionadas a gravidez, parto e puerpério, com 106 mortes a cada 100 mil nascimentos, enquanto a média da região é de 77, segundo dados do relatório de acompanhamento dos Objetivos de Desenvolvimento do Milênio. O país também é um entre os sete em todo o mundo que criminalizam o aborto em qualquer circunstância, de acordo com a organização internacional Oxfam.