Efe
“Nunca antes na história deste país houve tantas oportunidades para os estudantes, sobretudo os de famílias mais vulneráveis e de classe média”. A frase poderia ser de Luiz Inácio Lula as Silva, mas foi dita nesta segunda-feira (21/05) pelo presidente do Chile, Sebastián Piñera, ao defender sua política educacional, alvo de incessantes críticas do movimento estudantil do país desde o ano passado.
Na tradicional prestação de contas ao Congresso chileno, na cidade de Valparaíso, Piñera pediu desculpas por equívocos de sua administração, sem especificar quais exatamente. “Sei que, trabalhando para construir o novo Chile, cometemos alguns erros, e peço perdão por eles”, disse o presidente conservador. No entanto, Piñera voltou a rejeitar a possibilidade da adoção do ensino superior gratuito no Chile.
Esta foi a terceira prestação de contas oficial de Piñera, a primeira depois do começo da crise educacional, em junho de 2011. Enquanto o presidente discursava, cerca de 15 mil estudantes marchavam pelas ruas próximas ao edifício, acompanhados dos líderes da Confech (Confederação dos Estudantes do Chile) Camila Vallejo, Gabriel Boric e Noam Titelman, e se enfrentavam com batalhões especiais dos Carabineros (polícia militarizada chilena), que manteve bloqueadas todas as vias de acesso ao edifício em um raio de 200 metros.
O forte esquema de segurança contrastou com uma pequena arquibancada, instalada em frente à entrada do Salão de Honra, onde centenas de partidários do presidente o aplaudiram e estenderam uma faixa que dizia “Força Presidente, siga cumprindo”.
Devido à grande repercussão alcançada pelo movimento estudantil chileno nos últimos meses, havia uma grande expectativa com respeito ao balanço que o presidente faria sobre política educacional e o que poderia prometer.
NULL
NULL
Durante o discurso, o presidente apenas repetiu os anúncios já feitos por seu ministro da Educação, Harald Beyer, no último mês de abril, com ênfase na diminuição da taxa de juros para os créditos educacionais e na criação de uma entidade estatal responsável por entregar esses créditos.
Piñera também reforçou os argumentos do seu ministro ao explicar que o governo não acredita na educação gratuita como forma de reverter a desigualdade no país. “Em um país com tantas carências, não nos parece justo que o Estado financie, com o dinheiro de todos os chilenos, a educação daqueles estudantes mais favorecidos”, afirmou Piñera, que também assegurou que “nunca antes na história deste país houve tantas oportunidades para os estudantes, sobretudo os de famílias mais vulneráveis e de classe média”.
Efe
Nas ruas, os estudantes que marchavam mantinham um forte enfrentamento as forças policiais, que terminou com cerca de 20 manifestantes detidos e sete policiais feridos, entre eles um que teria sido identificado pelos estudantes como sendo um policial à paisana infiltrado na marcha. Após os incidentes, o presidente da Confech, Gabriel Boric, disse que “o balanço realizado pelo presidente não traz nada novo e voltou a ressaltar as mesmas medidas que já tínhamos condenado nas duas últimas marchas”, lembrando as duas manifestações organizadas pelo movimento nos dias 25 de abril e 16 de maio.
Entre as novidades anunciadas pelo presidente durante o discurso – ambas fora do âmbito educacional – as que mais chamaram a atenção foram a criação de um novo órgão estatal que será responsável pelos trabalhos de resgate e evacuação em casos de tragédias naturais, como terremotos e erupções vulcânicas, que substituirá o atual ONEMI (Departamento Nacional de Emergência), e o anúncio de um abono de 40 mil pesos (cerca de R$ 160 reais) para as famílias mais pobres, para aliviar os efeitos dos seguidos aumentos de preços dos alimentos.
A medida foi criticada por líderes da oposição, ao final do evento, porque, como enfatizou o deputado Osvaldo Andrade, presidente do Partido Socialista, “é uma cópia da política realizada pela ex-presidente Michelle Bachelet (também socialista) que era reiteradamente condenada pela direita quando eles eram oposição, e agora eles a aplicam não por acreditar nisso, mas por tentar conseguir pontos nas pesquisas”.
Guerra de broches
No ano passado, a cerimônia de prestação de contas – que acontece todos os anos, e é um dos eventos republicanos mais importantes do país – foi interrompida em nove ocasiões, numa delas, por membros do movimento estudantil chileno, que ainda não havia despontado. Este ano, se temia pela possibilidade de diferentes protestos, o que não aconteceu.
A principal iniciativa foi a dos cartazes de apoio aos moradores da cidade de Freirina, no norte do país, que há duas semanas vem se enfrentando violentamente com forças policiais, em protestos surgidos por um problema ambiental causado por uma planta de processamento de carne suína que tem exalado odores tóxicos, os quais estariam afetando a saúde da população local. Entre os parlamentares que levantaram cartazes de apoio a Freirina, se destacou a senadora socialista da província do Atacama (onde se localiza a cidade) Isabel Allende, filha do ex-presidente Salvador Allende.
Outro detalhe que chamou a atenção durante o evento foi uma espécie de batalha dos broches. De um lado, os parlamentares governistas traziam um broche que dizia “Chile Cumpre”, enquanto os congressistas opositores preferiram apoiar a ex-presidenta Michelle Bachelet, que na semana passada foi alvo de uma ofensiva por parte de deputados do governo.
Na última terça-feira (15/5), a bancada de deputados da UDI (principal partido conservador), divulgou um vídeo com o qual pretende tornar Bachelet ré do processo que busca apontar as responsabilidades penais pelas mortes de 16 pessoas devido ao tsunami gerado pelo mega terremoto que ocorreu no país no dia 27 de fevereiro de 2010, julgamento que está em andamento na Corte de Apelações de Santiago.
As cenas do vídeo divulgado pelos deputados mostram, em pouco mais de 2 minutos, supostas contradições entre as informações divulgadas à imprensa pela então presidente Michelle Bachelet e os dados que chegavam ao grupo de trabalho que coordenava os trabalhos de evacuação e resgate durante aquela madrugada – o movimento sísmico, que teve magnitude de 8,9º na escala Richter (a sexta maior da história), ocorreu às 3h34.
Após o término o discurso, ao sair do edifício, Sebastián Piñera se dirigiu à pequena arquibancada para saudar os partidários do governo, que se encontravam em uma arquibancada improvisada, gritando palavras de apoio ao mandatário e também entoando um coro no qual pediam “juízo à Bachelet”, em referência ao caso do vídeo recém-divulgado. Horas depois do evento, um canal de televisão chileno exibiu uma nota em que algumas das pessoas que estavam na arquibancada improvisada admitiam que haviam ido ao evento porque um grupo não identificado lhes ofereceu um lanche para que fossem a Valparaíso, sem explicar do que se tratava.