Mesmo com 61% dos franceses já completamente vacinados contra a covid-19, a cada semana milhares de manifestantes saem às ruas contra a vacina e o passaporte sanitário. Em uma nova demonstração de força, a maior na Europa, as manifestações reuniram 175 mil pessoas em todo o país. Um cenário que a extrema direita tem sabido aproveitar.
O movimento agrega diferentes correntes políticas, como a extrema esquerda e os antissistema “Coletes Amarelos”. Mas novas lideranças da extrema direita têm sido mais ousadas ao tentar transformá-lo em um palanque contra Emmanuel Macron, a oito meses da eleição presidencial.
Nesse ambiente alimentado por mensagens que sugerem complôs e conspirações, alguns cartazes antissemitas divulgados nas últimas semanas levaram à abertura de inquéritos por incitação ao ódio racial. Uma professora de Metz (norte da França) será julgada em setembro.
Uma das figuras que tenta se impor como líder do movimento é o ultradireitista Florian Philippot, antigo número dois de Marine Le Pen e esquecido no cenário político. Seu novo partido, Os Patriotas (dissenção nanica do tradicional Rassemblement National), tem convocado protestos na capital. Outros nomes, como Nicolas Dupont-Aignan e François Asselineau, também se mostram cada vez mais ativos na luta antivacina.
Paris é epicentro de protestos
Para os milhares de ultranacionalistas que se reuniram na praça Denfert-Rochereau, no sul de Paris, “liberté” (liberdade, em francês) era a palavra de ordem.
O “inimigo” da liberdade, para esse setor da direita, é um código QR obrigatório para o acesso a lugares com risco de transmissão do coronavírus, como bares, cinemas, trens de longa distância e até hospitais. O código é gerado somente quando uma pessoa está vacinada ou tem um teste negativo recente. Na prática, a medida busca fomentar uma vacinação em massa que perdeu fôlego, em meio à ascensão da variante Delta.
Entre bandeiras tricolores da França, o protesto dos ultraconservadores contava com a participação de idosos e jovens, muitos traziam crianças. Sem máscaras, apelavam à liberdade individual em um clima de cólera e desconfiança em relação à vacina e aos grandes laboratórios.
Marana Borges
Novas lideranças da extrema direita tentam transformar manifestações em palanque contra Macron
“Estou aqui pelos meus sete netos. Os efeitos da vacina para eles serão devastadores”, disse a Opera Mundi Odile, de 75 anos, professora aposentada. O seu marido, Philippe, de 73 anos, é médico e também se opõe à vacina, ao passe sanitário e a qualquer medida de restrição ou confinamento para combater uma doença que matou na França mais de 113 mil pessoas.
“O governo preferiu não tratar a doença e optar pela vacina e pela UTI. Existem vários tratamentos à nossa disposição”, disse Philippe, citando a hidroxicloroquina, a ivermectina, a vitamina D e outros procedimentos sem eficácia comprovada. Ele baseia suas análises em sites conhecidos por conteúdos conspiratórios.
Um perfil de manifestante diferente é Kevin Marty, de 26 anos e personal trainer autônomo. Este jovem de boné, rodeado pelos amigos, ironiza a obrigatoriedade do passaporte sanitário: “No ar livre, em uma esplanada, o risco de contágio é muito menor do que no metrô”.
Eleições à vista
Marine Le Pen, que chegou ao segundo turno contra Macron em 2017, está em uma posição difícil. Ela se vacinou contra a covid-19 e tem se mantido às margens dos protestos, embora tenha se posicionado contra o passaporte sanitário. Enquanto tenta suavizar sua imagem de extremista, uma parte importante de sua base eleitoral se radicaliza e pode encontrar acolhida nos líderes antivacina.
Ainda é cedo para julgar se os protestos seguirão com força e se o apoio da população aos manifestantes (ao redor de 30%) se traduzirá em votos. Certo é que, por enquanto, Philippot segue firme nessa aposta e tem ao seu lado um canal no Youtube que já tem mais seguidores que seus adversários Macron e Le Pen.