Queda do governo em Madagascar pode provocar guerra civil, diz especialista
Queda do governo em Madagascar pode provocar guerra civil, diz especialista
Os seguidos meses de agitação política em Madagascar, que culminaram hoje (17) com a queda do presidente Marc Ravalomanana, são capítulos de uma crise que promete se desenrolar por mais algum tempo, talvez levando a uma guerra civil. A opinião é de Stephen Ellis, especialista em história e política de Madagascar do Centro de Estudos Africanos em Leiden, Holanda.
“Apesar de diversos setores magalxes – cidadãos nascidos na ilha africana – terem demonstrado insatisfação com o governo de Ravalomanana desde a sua primeira eleição, em 2002, tampouco há uma percepção no país de que o provável novo líder tenha condições de assumir o poder”, afirmou o especialista ao Opera Mundi, por telefone.
Ellis refere-se ao prefeito da capital Antananarivo, Andry Rajoelina, de 34 anos, que se proclamou chefe de uma “alta autoridade de transição”, prometendo elaborar uma nova Constituição e convocar eleições dentro de dois anos. Pela Constituição atual, ele não pode ser o presidente, já que a idade mínima é 40 anos.
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Segundo o especialista, há uma clara divisão no país. “Há tanto a possibilidade de a população assistir a esta situação anômala, de um vácuo de poder prosseguir até que eleições sejam convocadas, ou que seja iniciado um conflito interno, o que não é difícil em um país que já vivenciou momentos terríveis de guerra no passado”.
Histórico
Madagascar é uma ex-colônia francesa e se tornou independente em 1960. De 1972 a 2001, um regime ditatorial e isolacionista governou o país, deixando o poder somente após a eleição de Ravalomanana, que assumiu o poder em 2002 com um discurso progressista e focado na “mudança”.
O presidente, que antes de ser eleito era um bem-sucedido homem de negócios, adotou uma política corporativista em sua gestão, o que acabou desagradando a muitos, explica Ellis. “Ravalomanana enfatizava a eficiência e aquele que não atendesse às suas expectativas era logo demitido. Em um ambiente político, essa lógica normalmente não funciona. Conquista-se muitos inimigos”.
Ravalomanana também começou a tecer estreitos laços com o Ocidente, principalmente com os Estados Unidos, o que desagradou às alas mais antigas da política magalxe. “Era um grande amigo da administração Bush”, diz o especialista.
Segundo ele, no entanto, seu maior erro foi ter contrariado a estrutura política, baseada nas tradições do país. “Há uma organização orientada pelos diferentes grupos étnicos que vivem na ilha, que têm tarefas muito bem distribuídas. Ravalomanana se posicionou contra isso, o que para ele era um atraso, e deixou de contentar importantes setores, como o Exército, que hoje está contra ele”.
Rebelião começou na caserna
Grande ator da história magalxe, o Exército se manteve isento das decisões políticas do país desde a volta da democracia. O posicionamento atual denuncia o descontentamento generalizado. “O presidente pouco fez pelos soldados, que vivem em condições ruins nos quartéis. Por isso observamos que eles foram os primeiros a se rebelar”.
Aproveitando-se da situação, Rajoelina, um ex-DJ que se revelou um político “fraco e despreparado”, na avaliação de Stephen Ellis, angariou apoiadores e conseguiu, após três meses de intensos combates que deixaram 100 mortos, forçar a renúncia do presidente. Ele sabia que conquistaria apoio. “É conhecida em Madagascar a máxima de que a população, inevitavelmente, acaba apoiando aquele que está no poder, quem quer que seja”.
Pronta para morrer
O futuro da ilha africana é incerto. “Duvido que Rajoelina consiga permanecer por muito tempo no poder, isso se ele realmente for apontado como o novo presidente, o que ainda é incerto. O apoio do Exército e dos setores descontentes com Ravalomanana reside sobre uma fina camada de gelo: a qualquer momento, ela pode se romper”.
“Estou totalmente desencorajada. Essa é uma situação que eu nunca experimentei antes. Estamos à beira de uma guerra civil”, disse uma dona de casa entrevistada pela BBC, identificada apenas como Rindra, de 34 anos, que foi para o palácio presidencial com outras 2.500 pessoas para proteger o presidente.
“Não tínhamos armas, nada. Pensei: 'Se os soldados atirarem em nós, morreremos. Mas seria pelo bem do meu país”, declarou. “Sou casada e tenho um filho de 4 anos, mas estou pronta para morrer pelo meu país”.
O presidente Marc Ravalomanana está foragido no palácio presidencial de Iavoloha, a cerca de 15 quilômetros da capital, segundo a agência EFE.
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