Poucas horas após o terremoto de 7 graus na escala Richter que abalou o Haiti no início da noite de ontem (12), a organização não governamental francesa Médecins du Monde, presente na ilha desde 1995, anunciou o envio de médicos e material sanitário. Anne Urtubia, especialista de Haiti da ONG, avalia a situação com “muito pessimismo, já que o sistema de saúde era considerado bastante precário antes mesmo da tragédia”, como explica em entrevista concedida ao Opera Mundi por telefone de Paris.
Como a senhora avalia a situação no Haiti após o terremoto?
Faltam informações, não conseguimos nos comunicar com as três equipes que temos no país, uma dela em Porto Príncipe [capital]. Mas estou muito pessimista. Antes mesmo da tragédia, o Haiti já apresentava um quadro de grande fragilidade política e institucional, a capacidade do Estado é limitada.
Além da violência do terremoto, a senhora considera que o tamanho da destruição tem origem também na precariedade da infraestrutura no país?
Sem dúvidas. Porto Príncipe é uma cidade que tinha 750 mil habitantes em 1975. Hoje são mais de três milhões. É um crescimento enorme, em apenas três décadas, sem nenhum plano de urbanização. As pessoas construíam, sem autorização, sem conhecer os perigos, seja a beira-mar ou nos morros. O Estado está tentando há algum tempo fiscalizar, mas demora. Em novembro de 2008, uma escola desabou em um subúrbio de Porto Príncipe, matando mais de cem crianças. Era uma construção muito precária, feita em condições ilegal.
As questões ambientais também influenciam?
A situação do ponto de vista do meio ambiente é catastrófica. A cobertura vegetal representa apenas 2% do que tinha historicamente. Isso significa que sem árvores não há proteção mínima contra os ventos e as chuvas. Os deslizamentos de terra são muito comuns. Além disso, a localização geográfica do país não ajuda. O Haiti sofre quase todos os anos com a passagem de tempestades tropicais e furacões. Em 2004, um deles provocou mais de três mil mortos. Em 2008, outros furacões castigaram o país, já mais preparado. O balanço, em relação ao número de vítimas foi menos grave que em 2004. Mas ainda assim, o número de vítimas haitianas ultrapassou o da vizinha República Dominicana e de Cuba. Ambos os países sofrem a mesma ação devastadora da natureza, mas são mais preparados, o que permite limitar a quantidade de mortos.
Como ficará a situação sanitária do Haiti após o terremoto?
Catastrófica, já que era muito ruim antes mesmo da tragédia. Calculamos que apenas 3% da população dispõe de uma cobertura sanitária completa. Os outros tem que dar um jeito, dependendo totalmente da ajuda da comunidade internacional e das ONGs. O Estado não tem ainda nenhuma capacidade. No campo, onde as pessoas são mais isoladas, a situação é ainda pior. Não há médicos: os estudantes de Medicina haitianos vão se formar nos Estados Unidos e no Canadá, mas raramente voltam para o Haiti. Apesar das nossas atividades, é preciso reconhecer que os indicadores sociais não melhoraram durante os últimos anos, ou até pioraram.
A presença da Missão da ONU e de varias ONG durante estes anos não foi suficiente?
Primeiro, se lembre que a estabilização política é muito recente, com a eleição de René Préval em 2006. Ainda assim, é muito precária, como demonstraram episódios recentes. Segundo, reconhecemos que a ação das ONGs deve ser coordenada de maneira mais eficiente, para evitar o grande desperdiço que existe, além da corrupção dentro do estado haitiano. A missão de paz da ONU (Minustah) nos pressionou muito para fazer este esforço, e já começamos. Mas agora, as prioridades vão mudar.
Qual é o plano de ação da Médecins du Monde para os próximos dias?
Tínhamos três equipes com um trabalho centrado nas vítimas da violência, com a idéia de sair progressivamente. Agora, com essa tragédia, estamos negociando com o governo francês preparar um avião para a ilha com 40 toneladas de material logístico e medicamentos, assim como 11 médicos especializados nas situações de emergência. Nem sabemos se o hospital central ainda funciona, ou se vamos ter que encontrar outros lugares para operar ou construir hospitais no campo.
A senhora acha que o terremoto pode frear o desenvolvimento do Haiti?
Receio que sim. Aparentemente, muitos ministérios e prédios públicos foram destruídos, o que vai complicar a recuperação de uma operacionalidade mínima do Estado.O Haiti começava a ter prioridades mais elaboradas, como a construção de estradas conectando as cidades e um melhor sistema de telecomunicação. Também na saúde, a gente trabalhava para um aumento do equipamento dos hospitais. Agora, o país vai voltar a ter prioridades muito mais básicas.
Doações
No Brasil, é possível depositar qualquer quantia em conta bancária
aberta pela ONG carioca Viva Rio, que desempenha projetos sociais no
Haiti:Banco do Brasil/ Agência 1769-8/ Conta: 5113-6
Organizações internacionais recebem doações pela internet. No site da Oxfam America, é possível doar quantias de 35 a 5 mil dólares. No Yele Haiti Fund,
você colabora apenas uma vez ou pode criar um plano de pagamento. As
quantias vão de 25 a 300. Para a Cruz Vermelha, basta ir ao site da entidade, como também no endereço das Nações Unidas
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