A Suprema Corte de Justiça do México descriminalizou nesta segunda-feira (28/06) o uso recreativo da maconha para adultos, declarando inconstitucionais artigos da lei de Saúde que proibiam a prática. Especialistas indicam, no entanto, que ainda existe um vazio jurídico que pode penalizar os consumidores.
A decisão foi aprovada por oito dos 11 magistrados da Corte, após o término do prazo que o tribunal havia dado ao Congresso, até 30 de abril, para emitir uma legislação sobre o assunto. O uso da maconha para fins terapêuticos já tinha sido descriminalizado no México em 2017.
“Hoje é um dia histórico para as liberdades. Depois de uma longa trajetória, esta Suprema Corte consolida o direito ao livre desenvolvimento da personalidade para o uso lúdico, recreativo da maconha”, disse o presidente da Suprema Corte, Arturo Zaldívar.
Agora, aqueles que quiserem usar a maconha com fins recreativos podem solicitar uma permissão à Comissão Federal para a Proteção contra Riscos Sanitários (Cofepris) e essa autorização não pode mais ser negada.
“O que aconteceu em ocasiões anteriores foi que a Cofepris negava as permissões e era necessário entrar com uma ação de salvaguarda”, explica Adriana Muro, diretora da organização de defesa de direitos humanos Elementa. No entanto, os consumidores continuam correndo risco jurídico, já que o Congresso mexicano não aprovou ainda uma regulamentação detalhada sobre o assunto.
O advogado constitucionalista Francisco Burgoa, professor catedrático da Universidade Nacional (UNAM), avalia que a descriminalização aprovada pela Suprema Corte não significa que se possa comercializar ou ter uma quantidade de maconha superior às 5 gramas permitidas atualmente. O jurista considera urgente a adoção de uma legislação detalhada no Congresso mexicano, mas destaca as ressalvas do presidente Andrés Manuel López Obrador, que não é pessoalmente favorável à medida.
Legislação pendente
Em 10 de março, a Câmara dos Deputados do México aprovou um projeto de lei sobre a descriminalização da maconha para uso recreativo. Faltava a votação no Senado, que havia endossado o texto em novembro, mas que deveria retomá-lo, após as alterações feitas na Câmara. No início de abril, no entanto, a maioria governista no Senado disse que estava analisando o adiamento da discussão final até setembro. Ricardo Monreal, coordenador da bancada do partido presidencial, Morena, afirmou, na época, que o regulamento enviado pela Câmara continha inconsistências.
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Uso da maconha para fins terapêuticos já tinha sido descriminalizado no México em 2017
Após a votação, a Suprema Corte instou em nota o Legislativo a editar a respectiva lei “de forma a gerar segurança jurídica”. Embora organizações civis e especialistas tenham aplaudido a decisão da Suprema Corte, eles alertaram que o Congresso ainda precisa regulamentar a matéria.
“A penalização dos usuários de cannabis ainda persiste, uma vez que a decisão não afeta o sistema penal e deixa um vazio jurídico no que diz respeito ao consumo, cultivo e distribuição” da planta, declarou no Twitter a ONG México Unido contra a Criminalidade.
Jorge Hernández Tinajero, ativista pela regulamentação da cannabis no México desde a década de 1990, apontou que o Legislativo foi incapaz de “regular a realidade”, como o porte e a comercialização de maconha. “Continuam mantendo as normas secundárias que criminalizam”, declarou.
Mercado gigantesco
Apesar disso, a decisão é um marco para o México. O país de 126 milhões de habitantes atravessa uma espiral de violência desde 2006, quando o então governo federal lançou uma operação militar polêmica contra os cartéis do narcotráfico. Desde então, o México acumulou mais de 300 mil assassinatos, a maioria atribuídos ao crime organizado, motivo pelo qual legisladores e ativistas acreditam que a legalização do consumo pode ajudar a conter o banho de sangue.
Entusiastas da descriminalização, como o Grupo Promotor da Indústria da Cannabis (GPIC), consideram que as medidas legais recentes caracterizam o México como maior mercado do mundo para a venda de cannabis, acima dos Estados Unidos e do Canadá. Apenas em 2020, 244 toneladas de maconha foram apreendidas no país.
A pesquisa nacional mais recente sobre drogas (2016) constatou que 7,3 milhões de mexicanos com idade entre 12 e 65 anos experimentaram maconha em algum momento e 1,82 milhão mostraram prevalência do consumo.