A censura está aumentando na China em período de transição de governo: as autoridades não permitem a discussão pública de determinados assuntos mesmo em grandes jornais. No entanto, muitos acreditam no poder das mídias sociais em impulsionar um novo processo de abertura do país.
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Página inicial do microblog chinês, Sino Weibo, que já possui mais de 300 milhões de assinantes no país
O Sina Weibo, um microblog do país muito semelhante ao Twitter, tem crescido nos últimos anos e já acumula cerca de 300 milhões de assinantes. Ainda que analistas tenham divergências quanto ao seu real escopo, é inegável notar que as redes sociais abriram um novo espaço de debate entre a sociedade chinesa e já provocaram mudanças (nem sempre positivas) na postura do governo.
Carol Chow
“Há duas questões que serão importantes para o novo governo: o crescimento econômico que caiu nos últimos anos, e o microblog”, aponta Bill Bishop (foto à esquerda), autor da newsletter Sinocism e um dos mais influentes analistas de China.
Para o especialista, a importância do Sina Weibo não é as discussões censuradas, mas aquelas que acontecem fora desse escopo. “Queda do crescimento, inflação e corrupção fora de controle. Essas questões estão irritando as pessoas, e a discussão sobre esses assuntos é bastante disseminada no weibo”, diz ele.
Foi isso que aconteceu no início deste ano com a censura do jornal Nanfang, em Guangdong. A mensagem de ano novo “Sonho da China, sonho de constitucionalismo”, escrita pelo editor, pedia a garantia de direitos constitucionais, mas foi transformada em um elogio ao PCCh (Partido Comunista Chinês) ao ser reescrita pelo chefe do departamento de propaganda local, Tuo Zhen.
O tema foi um dos principais tópicos discutidos no microblog. A grande questão colocada por usuários de internet e apoiadores do jornal Nanfang não fez referência à luta entre facções dentro do Partido, mas um questionamento se a China estaria, de fato, retrocedendo.
Na primeira semana de janeiro, os jornalistas do Nanfang foram obrigados a entregar ao departamento de novas mídias do jornal as senhas de suas contas no Sina Weibo, onde mensagens de apoio ao texto de Tuo apareceram.
Campanha anti-corrupção
Uma campanha online anti-corrupção, iniciada em outubro do ano passado, também atraiu a atenção de milhares de pessoas no microblog chinês e trouxe problemas a muitas autoridades.
Usuários postavam fotos e vídeos de oficiais locais ostentando objetos caros, como relógios, o que dava início a uma pesquisa coletiva sobre o passado do oficial e a procedência do objeto.
Arquivo Pessoal
Foi esse o caso do afastamento de Yang Decai, chefe da Administração de Segurança do Trabalho da província de Shanxi. Em agosto, um acidente envolvendo um ônibus e um tanque que transportava etanol matou 37 pessoas em Shanxi. Fotos de Yang sorrindo em meio aos destroços tornaram-se virais, e usuários perceberam que o político usava relógios de luxo. Depois de uma busca coletiva por mais informações, os internautas identificaram cinco relógios de marcas de luxo diferentes – um deles um Vacheron Constantin de US$ 63 mil. Em setembro, Yang foi afastado do cargo e colocado sob investigação por corrupção.
“Mídias sociais abrem o espaço de discussão de tópicos que não apareceriam na mídia tradicional em função da censura”, explica Yueran Zhang (foto à direita), um dos analistas de mídia do Tea Leaf Nation.
O outro lado: microblog pode fortalecer PCCh
Casos de corrupção como o de Yang Decai tornados públicos através do Weibo fazem da plataforma, contudo, também uma arma para o Partido Comunista manter-se no poder ao ser mais transparente – questão essencial para garantir credibilidade e seguir com o apoio da sociedade, além da melhoria nas condições de vida.
“O que o Weibo está fazendo é trazendo à tona casos ocorridos em pequenas vilas ou províncias que não chegariam aos ouvidos de Pequim. Agora, ocorre um incidente em uma zona rural e, em poucos minutos, ele se torna um incidente nacional. E o governo está usando o microblog como um sistema de pesquisa de opinião de hora em hora”, diz Bishop.
Reformas
Ainda que as discussões não sejam abertas para todos os assuntos (a censura está agora especialmente ligada a nomes de políticos e suas fortunas), existe um consenso geral na internet de que o país precisa de reformas. E, para Xi Jinping sobreviver a isso, ele terá de convencer os demais membros do Partido que o país precisa entrar na sua fase 3.0 – pós Deng (1.0) e Hu Jintao (2.0). A fase 3.0 é a fase que envolve a internet no governo.
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Cartaz da manifestante a favor do jornal diz: “Posso não concordar com o que você diz, mas defenderei até a morte seu direito de dizê-lo”
“O consenso não é sobre uma democracia no estilo ocidental, mas uma liberalização e reforma. E a pior parte não é reconhecer que será necessária a reforma, mas identificar em que aspectos e colocá-la em prática”, avalia Bishop.
“As pessoas brincavam, em 2008, que Barack Obama tinha o emprego mais difícil do mundo. E em muitos aspectos, Xi Jinping vai acordar no dia depois de assumir o cargo (em março) e descobrir que ele terá o emprego mais difícil do mundo”, prevê o especialista.
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