Como todos os países vizinhos da África do Sul, o Zimbábue tomou algumas medidas estratégicas para aproveitar a primeira Copa do Mundo no continente, o evento esportivo mais assistido no mundo. Buscando atrair turistas e mudar a imagem projetada do país, o governo convidou como pudemos conferir, por exemplo, nos amistosos da seleção brasileira contra o Zimbábue e Tanzânia, algumas delegações de futebol para treinar e realizar partidas em território zimbabuano antes de começar o mundial.
A participação da Coréia do Norte, porém, trouxe a lembrança de um massacre que aconteceu nos anos 80 realizado pela 5ª Brigada, que fora treinada por militares norte-coreanos e matou mais de 20 mil civis. Em entrevista ao Opera Mundi, David Coltart, ministro de Educação, Esporte, Artes e Cultura do Zimbábue, explicou que a presença de tal equipe no país poderia ser vista como uma afronta pelas vítimas do período e por grupos pacifistas.
Coltart era um advogado especializado em defesa dos direitos humanos na época do massacre conhecido como Gukurahundi, palavra do shona cujo significado em português seria “a primeira chuva que lava o campo antes das chuvas da primavera”. Hoje, além de exercer as funções de ministro, ocupa também o cargo de senador eleito por Matabeleland, região do massacre, e vê esta Copa do Mundo como a grande chance da região de ofuscar a imagem negativa de guerras e violência que o resto do mundo ainda possui sobre ela.
Em alguns de seus artigos, você coloca o massacre conhecido como Gukurahundi nos anos 80 como o início da situação caótica que o Zimbábue enfrenta nos dias atuais. Você poderia explicar o que a 5ª Brigada significa nesse cenário?
A 5ª Brigada foi criada pela ZANU-PF no início dos anos 80 e era composta por militares treinados por norte-coreanos entre 1981 e 1982. Mais tarde, ela foi enviada pelo governo ao sul do Zimbábue em 1983. Contudo, preciso ressaltar que os próprios norte-coreanos não estavam diretamente envolvidos no massacre em si, apesar de essa brigada haver cometido diversos crimes contra a humanidade e discutivelmente um genocídio. Conservadoramente, estima-se que 20 mil pessoas foram alvo do massacre na zona sudoeste do país. Em 1984, os norte-coreanos foram substituídos por britânicos no treinamento, transformando completamente a brigada.
Essa substituição dos norte-coreanos pelos britânicos ajuda a diminuir a ideia de que a Coréia do Norte foi também grande responsável pelo massacre?
O fato é que mesmo com a substituição no treinamento, o ato do genocídio está muito ligado à Coréia do Norte na mente do povo zimbabuano. É por isso que a presença da equipe de futebol norte-coreana no Zimbábue criou muita raiva e nervosismo entre grupos pacifistas e diversas vítimas desse período. Isso gerou um problema político para nós do governo.
Como você analisa a reação desses grupos pacifistas e vítimas do período já que o governo proibiu demonstrações públicas durante a Copa do Mundo? Você acredita que algum problema surgirá no Zimbábue ou mesmo na África do Sul, visto o grande número de zimbabuanos no país?
Eu não vejo isso como um problema. Acho difícil que os zimbabuanos residentes na África do Sul se organizem para manifestações contra os norte-coreanos. Uma coisa que venho ressaltando é que não está certo descontar rancores do passado na equipe de futebol norte-coreana, composta por jovens que nada tem a ver com o massacre que aconteceu há quase trinta anos.
Qual o papel do esporte em países ainda em fase de desenvolvimento?
Acredito que o esporte tem muito a acrescentar especialmente para países em transição. Veja a função desempenhada pelo esporte na África do Sul após o término das políticas do apartheid, o papel que o rugby teve. Em 1995, a Copa do Mundo de Rugby serviu como um símbolo muito poderoso para unir o povo defendido por Nelson Mandela. Eu vejo a Copa como uma dessas oportunidades, na qual nós podemos chamar a atenção internacional e mudarmos a forma como o mundo nos vê.
Considerando todos os valores agregados com a Copa do Mundo, não só em relação ao esporte, mas também em educação, quais as medidas que o Zimbábue tomou para aproveitar esse momento?
É claro que o Zimbábue é freqüentemente relacionado com imagens muito negativas, principalmente nos últimos dez anos. Essa partida contra a equipe brasileira pode projetar o Zimbábue de uma forma positiva aos brasileiros. O estádio estará lotado e as pessoas assistindo à partida ao redor do mundo poderão ver que o Zimbábue é pacífico e isso deixará o país com uma imagem melhor, até mesmo atraindo mais turistas. De alguma forma, os esportes possuem uma função muito poderosa para realizarem dentro de um país, em especial naqueles em transição. Mas isso vai muito além dos esportes, obviamente. A Copa do Mundo tem a possibilidade de desenvolver as relações entre diversas nações.
Você acredita que não só a África do Sul, mas o continente africano como um todo, conseguirá aproveitar esta oportunidade?
Sim, acredito. A Copa do Mundo em si é muito importante não só em relação aos esportes, mas também em termos de reposicionamento da África. A África é freqüentemente citada como “o continente perdido, o continente obscuro”, sempre vista como um continente negativo. As notícias que são divulgadas em relação à África sempre são de guerras e massacres. Eu acredito que esta Copa do Mundo projetará o continente como um todo de uma forma bem diferente, mais positiva.
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