A Justiça da Itália denunciou o ex-militar uruguaio Jorge Nestor Troccoli por participação em três assassinatos e deu início ao processo que julga o pedido de extradição à Argentina do padre Franco Reverberi Boschi, acusado em seu país de crimes contra a humanidade e assassinato. Os crimes de ambos acusados aconteceram durante o período das ditaduras militares nesses países.
Troccoli é um dos 14 torturadores condenados em 9 julho de 2021 pela Corte de Cassação, terceira e última instância da Justiça italiana, à prisão perpetua pelo assassinato e desaparecimento de uma dezena de cidadãos italianos nas décadas de 1970 e 1980, durante a Operação Condor. A Condor foi uma aliança entre Argentina, Chile, Uruguai, Paraguai, Brasil, Bolívia e Peru que permitia a troca de informações e prisioneiros e tinha como objetivo perseguir, torturar e assassinar opositores dos regimes militares.
O uruguaio agora é acusado pelo Ministério Público de Roma de ter participado de outros três assassinatos. Na denúncia apresentada pelo procurador Amélio Erminio (o mesmo do processo Condor), Troccoli é apontado como ex-oficial do serviço secreto da marinha uruguaia (Fusna) e oficial responsável pelos contatos com o órgão de coordenação de operações anti-subversivas (O.C.O.A). Ele teria participado da morte de Raffaela Giuliana Filipazzi, José Augustin Potenza e Elena Quinteros, “com a agravante de ter cometido os atos com premeditação, usando tortura e agindo com crueldade, abuso de poder e meios insidiosos”.
Segundo o documento obtido com exclusividade por Opera Mundi, Filipazzi (italiana) e o marido Potenza (argentino) foram sequestrados em Montevidéu em 27 de maio 1977, no Hotel Hermitage, e foram levados para o centro clandestino do Fusna. Em 8 de junho eles foram entregues a agentes da repressão do ditador paraguaio Alfredo Stroessner e transferidos para Assunção no voo 303 das Linhas Aéreas Paraguaias
Chegando na capital, foram registrados como “detidos sem entrada” e assassinados. Permaneceram na lista dos desaparecidos até 2016, ano em que seus restos mortais foram identificados em uma vala comum localizada em uma propriedade do Grupo Especializado da Polícia Paraguaia.
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Ex-militar foi denunciado por participação em assassinatos durante regime militar no Uruguai
Já Quinteros foi sequestrada em sua casa durante uma operação conjunta entre o Fusna e a O.C.O.A. Em 28 de junho, quatro dias após o sequestro, ela fingiu que entregaria um companheiro numa zona próxima à embaixada da Venezuela. Quinteros conseguiu escapar e entrar nos jardins da sede diplomática, onde pediu asilo, mas oficiais da O.C.O.A entraram na embaixada e a prenderam. O fato gerou uma ruptura das relações diplomáticas entre os dois países.
A militante do Partido Vitória do Povo foi levada para o centro de tortura chamado “300 Carlos – o Inferno Grande” e nunca mais foi encontrada. Em uma ficha dos arquivos do Fusna ela aparece como morta entre os dias 2 e 3 de novembro de 1976.
O tribunal de Roma decidirá em audiência preliminar marcada para o dia 5 de maio se aceita a denúncia.
Ex-capelão argentino acusado de assassinato
Do outro lado do país, a 370 km da capital italiana, a Corte de Apelação de Bolonha começou a julgar nesta terça-feira (15/03) o pedido de extradição feito pelo governo da Argentina do ex-capelão militar Franco Reverberi Boschi, acusado de crimes contra a humanidade e assassinato do ativista político José Guillermo Berón.
Segundo algumas vítimas que se encontravam no centro clandestino de detenção ilegal Casa Departamental, que funcionou na cidade de San Rafael, em Mendoza, durante a ditadura militar, Don Franco presenciou sessões de tortura “com uma pistola no coldre e uma bíblia na mão”.
Don Franco fugiu da Argentina em 2010, logo após ter prestado depoimento como testemunha em um processo. Durante as audiências à época, surgiram acusações contra ele. Assim, o promotor Francisco José Maldonado o acusou de crimes contra a humanidade. Hoje ele vive em Sorbolo, uma pequena cidade italiana que fica próximo a Parma, e reza missas matutinas na igreja matriz.
Em 2013, a Itália negou o pedido de extradição do argentino, mas a mudança no Código Penal italiano, que incorporou o crime de tortura, levou a Assembleia Permanente de Direitos Humanos de San Rafael (APDH) a apresentar um novo pedido de extradição. Agora Don Franco é acusado também de participação no assassinato de Berón, que estava preso na Casa Departamental e continua desaparecido.
A sentença do Tribunal de Bolonha será anunciada daqui duas semanas.