Impressa com o logo distintivo do PMDB e a “Fundação Ulysses Guimarães”, o documento “Uma Ponte para o Futuro” era apresentado em 29 de outubro de 2015 para a nação, em meio ainda às atribulações do impeachment de Dilma Rousseff, como uma forma de “preservar a economia brasileira e tornar viável o seu desenvolvimento” propondo “buscar a união dos brasileiros de boa vontade” (p.2).
Nestes um ano e quatro meses desde a apresentação do programa, o déficit primário do setor público pulou de R$ 111,2 bilhões para um déficit estimado em 2017 de R$ 170,5 bilhões. O desemprego pulou de 8,4% em 2015 para 11,9% em 2016 e, segundo projeções da OIT, chegará a 12,4% em 2017. O PIB brasileiro que era de R$ 5,9 trilhões (e acumulou uma queda de 3,8%) em 2015, acumulou nova queda em 2016 de 3,5% e espera-se (segundo o FMI) que em 2017 tenha uma alta de 0,2%, chegando a R$ 5,7 trilhões de reais. Para o Brasil, o Banco Mundial, em estudo recente, aponta para o retorno de 2,5 milhões de pessoas para baixo da linha pobreza e de 3,6 milhões de pessoas em 2017.
Neste cenário, o que deu errado?
Nada.
O planejamento estabelecido em “Uma ponte para o Futuro” apenas na retórica referia-se a qualquer ideia de crescimento, apelando para “nossa alma coletiva” como “um dos mais preciosos ativos históricos” (p.4) para recuperar a “capacidade de crescer”. Em realidade, além de todos os exemplos mundiais de efeitos perversos ao ser aplicado o receituário semelhante ao da “Ponte”, a América Latina como um todo, depois do ataque aos governos populares, deverá empobrecer 0,7% em 2017, mesmo com Bolívia e Peru, por exemplo, crescendo na faixa dos 4 a 5%. Enquanto isto, segundo o IPEA, a concentração de renda no Brasil deverá aumentar, com o 0,01% mais rico da população concentrando 9,5% de toda renda nacional. Trocando em miúdos, desde a saída de Dilma os pobres ficaram mais pobres e os ricos mais ricos, mudando drasticamente as linhas que vinham sendo adotadas desde o primeiro governo Lula.
Em discurso em Nova Iorque, em 21 de setembro de 2016 o presidente de fato Michel Temer afirmou que “há muitíssimos meses atrás (sic), dez, doze meses, nós lançamos – até eu ainda vice-presidente -, lançamos um documento chamado Uma Ponte para o Futuro. Porque nós verificávamos que seria impossível o governo continuar naquele rumo e até sugerimos ao governo que adotasse as teses que nós apontávamos naquele documento chamado Ponte para o Futuro. Como isso não deu certo, não houve adoção, instaurou-se um processo que culminou agora com a minha efetivação como Presidência da República. (sic)”. Temer afirma que a não aceitação por parte de Dilma da “Ponte” é a causa do seu impeachment.
Mas, afinal, o que diz o receituário de “Uma ponte para o Futuro”?
O documento que Temer evoca a autoria, ainda que coletiva, simboliza essencialmente para 4 coisas: “um ajuste de caráter permanente (…) nas contas públicas” (p.5), a mudança de leis “e até mesmo normas constitucionais” (p.6) para atacar os “desequilíbrios de natureza estrutural” (p.5) do Estado brasileiro, “evitar o aumento de impostos” (p.6) e a reversão do “desequilíbrio crônico e crescente” (p.7) da previdência social.
De fato, todos os pontos que “A Ponte” afirmam serem os problemas do Brasil tocam na ideia de um “estado grande”, “injusto”, “não eficiente” e que precisa ser corrigido. E a forma de correção é reduzindo direitos (inclusive constitucionais), reduzindo benefícios e reduzindo impostos. Nada fala sobre sonegação, sobre nosso injusto sistema tributário ou sobre desonerações fiscais sempre para os mesmos grupos sociais. O documento afirma que “a solução destas questões não é apenas de natureza técnica: depende de decisão política”. Afinal, “a Ponte” já dizia – ainda que em linguagem de difícil acesso – que empobreceria os pobres e enriqueceria os ricos. Convencer o povo a retirar um governo que não aceitou isto e entregar o poder a quem claramente se propunha a prejudicar-lhe a vida, é sim uma imensa obra política.
Agência Efe
Michel Temer evoca a autoria, ainda que coletiva, do documento “Uma Ponte para o Futuro”
Existem ainda outros pontos importantes no documento, como o que questiona o fato de o Congresso não ter como mudar o orçamento eis que “parte das despesas públicas tornou-se obrigatória” (p.8) e que para isto seria necessário “em primeiro lugar acabar com as vinculações constitucionais estabelecidas” (p.9). Fazendo uma crítica à constituição de 88 o documento chama de “remédio equivocado” a ideia de um orçamento com valores mínimos a serem aplicados obrigatoriamente, dizendo que “os poderes têm que se entender” (p.9).
Como se restassem dúvidas sobre o viés de ação e o alvo do documento de Temer, ele afirma – com destemor de quem não precisa enfrentar as urnas democráticas – que um “outro elemento para o novo orçamento tem que ser o fim de todas as indexações, seja para salários, benefícios previdenciários e tudo o mais” (p.10). Assim, “com o fim dos reajustes automáticos o parlamento arbitrará, em nome da sociedade, os diversos reajustes conforme as condições gerais da economia e das finanças públicas” (p.10).
Se à época de Lula a discussão era tornar os programas sociais, “programas de Estado” e não de “governo”, através de sua transformação em lei, “A Ponte” lança a ideia de “orçamento com base zero” em que “a cada ano todos os programas estatais serão avaliados por um comitê independente, que poderá sugerir a sua continuação ou o fim do programa”. Na página 11 do documento, surge uma frase-síntese: “A verdade é que o sistema não suporta mais as regras em vigor”.
Quando o plano toca em um ponto sensível (os juros), ele diz o que os banqueiros queriam realmente ouvir. Segundo o documento, “qualquer voluntarismo na questão dos juros é o caminho certo para o desastre” (p.14), claramente atacando o governo Dilma que, em seus primeiros meses, forçou uma queda nos juros através de ação coordenada do governo e dos bancos estatais. Ao explicar o motivo dos juros brasileiros serem imensamente mais alto que os mundiais, vem novamente um discurso que banqueiros ficariam felizes em ouvir. Segundo “a Ponte”, “este é um tema ainda não totalmente compreendido, mesmo pelas mentes mais preparadas e experientes” (p.14).
Estrategicamente deixada para o final, surge uma outra ideia: “Devemos nos preparar rapidamente para uma abertura comercial que torne nosso setor produtivo mais competitivo, graças ao acesso a bens de capital, tecnologia e insumos importados” (p.17), afinal “a globalização é o destino das economias que pretendem crescer” (p.17). O termo “abertura comercial”, desde Collor, é a senha pra privatizações e a sinalização para “acesso a bens de capital, tecnologia e insumos importados” quer dizer desnacionalização do nosso processo produtivo. Comprar fora ao invés de fazer aqui. Gerar renda para fora ao invés de renda e emprego nacionais.
Ainda mais no fim, exatamente na alínea “d” da sumarização das ações, o plano se propõe a “executar uma política de desenvolvimento centrada na inciativa privada, por meio de transferências de ativos que se fizerem necessárias” (p.18). E, propositalmente ainda mais no fim surge o “retorno a regime anterior de concessões na área de petróleo” (p.18). Privatizar e conceder ao capital privado tudo o que for possível, incluindo o pré-sal.
Como se vê, em realidade, “a Ponte” não está dando errado. Ela se propunha a fazer exatamente o que está acontecendo. Concentrar renda, desmontar o sistema de seguridade social e de direitos à saúde e educação públicas, parar com os aumentos do salário mínimo, pensões e aposentadorias e privatizar tudo o que fosse possível, em especial o pré-sal. Nada mais se retira do documento. Todas as “melhorias” da economia seriam decorrentes da aplicação imediata deste receituário. Seriam como “consequência” das ações tomadas e viriam, no tempo, depois delas. Em suma, enriquece-se os já ricos e empobrece-se os pobres, e como resultado, espera-se que, em alguns anos, o país volte a crescer.
Mas de onde vem “a Ponte”?
Apesar de parecer ter sido uma criação “nacional”, as ideias contidas na “Ponte” têm origem em outro lugar. Desde 2008, recrudesceu nos EUA (e no mundo todo a partir daí) o número, atuação e violência dos “think tanks” conservadores. Com a imensa crise que o capitalismo sofreu em 2008 (e depois em 2010), as críticas à concentração de renda, aos monopólios, ao empobrecimento da imensa maioria da população, aos efeitos perversos da geopolítica do capital, à destruição do planeta avolumaram-se. Livros falando em “pós-capitalismo” tornaram-se febre, seja apontando para uma economia do “futuro” (desmonetarizada, com modificações na ideia de trabalho e consumo), seja com críticas antigas revisitadas e ampliadas como o trabalho de Thomas Piketty. Para combater estas narrativas, bilhões de dólares afluíram aos grupos que se propusessem a tirar a poeira de velhas ideias e as apresentassem como novas.
Ressuscitando ideias do século XIX ou início do XX através de uma linguagem e meios do século XXI, vários grupos trouxeram à vida a “histeria do ataque comunista” e nisto colocaram embutido a ideia de “liberdade”, quase que somente econômica. Organizações capitalistas conservadores norte-americanas como a Atlas Network, a John Templeton Foundation, a Heritage Foundation e a Cato Institute passaram a oferecer prêmios, fundos, incentivos a uma série de microorganizações que colocassem velhas ideias na cabeça de novas pessoas. Assim surgiu a Students for Liberty que tem no Brasil sua filial nos Estudantes pela Liberdade, criadores do MBL.
Em termos de números, a John Templeton Foundation informa em seu site que dispõe de uma estrutura de mais de 3 bilhões de dólares (em 2013) e que tem um “prêmio médio” internacional ofertado às “grandes mentes e grandes ideias de um milhão de dólares. A Cato Institute afirma ter um total de 28 milhões de dólares apenas em “operações” pelo mundo no ano de 2016 e um total de 151 milhões de dólares usados desde 2009 (1). Um fenômeno interessante ocorre com a Students for Liberty que passou de um orçamento anual de pouco mais de 177 mil dólares em 2009, para um orçamento de quase 2,8 milhões de dólares em 2013.
Fonte: IRS e-file US, 2013, 2014, 2015
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A Atlas Foundations, por exemplo, em 1º de abril de 2015 afirma que os “Estudantes pela Liberdade jogaram um forte papel no movimento para tornar o Brasil livre”, afirmando que Kim Kataguiri é uma “rising libertarian star working with Atlas Network”. Em fevereiro de 2015, a mesma Atlas informava que estava premiando por “New Media Innovative” o Instituto Ludwig von Mises Brasil pelo seu “excepcional alcance em mídias sociais” sem informar o valor do “prêmio”. Atacar governos e mobilizar massas com informações falsas ou inverídicas (2) virou um negócio no Brasil, com vários “think tanks” tupiniquins concorrendo para “ganharem” prêmios de fundações bilionárias norte-americanas.
São inúmeros os eventos que as contrapartes brasileiras das organizações conservadoras norte-americanas têm realizado pelo Brasil. Desde manifestações políticas até “encontros de inovadores”. Quase todos eles direcionados ao público jovem. Não há controle algum das autoridades brasileiras sobre o financiamento de tais “empreitadas”. Sublinhe-se que, nos EUA, nenhuma organização que não pague impostos pode se envolver em “atividades políticas”, sendo vedado “think tanks” influenciar “direta ou indiretamente” o governo ou oposição. Lá, por lei, evita-se que o valor das isenções fiscais (dinheiro público) sobre arrecadação com vendas, cursos, doações e etc. seja usado politicamente em desfavor do grupo A ou B. Esta foi uma brecha em nossa legislação muito valiosa de que se valeram estes grupos internacionais para fomentar a desestabilização política brasileira após 2013.
Fonte: Relatório Anual Students for Liberty 2015-2016, p. 7
Como se pode ver do relatório anual da própria instituição, o número de “líderes treinados” no Brasil em 2016 é de 1012, mais de 3 vezes o número nos EUA (293) e mais de 5 vezes o total “treinado” em toda a América Latina. É visível o principal alvo da “Estudantes pela Liberdade”.
Mas afinal que ideias tais grupos defendem?
Poderiam ser citados alguns autores “da moda” de grupos conservadores, como Mises, Hayek, Ayn Rand e etc. Mas a qualidade do que é produzido no Brasil não faz jus ao pensamento de tais figuras. Nomes estes que, já em seus tempos, não gozavam de consenso ou tiveram seu prestígio declinando em função de associações políticas questionáveis. Mises foi denunciado por Milton Friedman como “não científico” naquilo que dizia ou fazia. Friedrich Hayek, apesar de ter recebido prêmio Nobel em 1974, enveredou seus escritos para área política tendo apoiado abertamente regimes fascistas. Mesmo seu prêmio Nobel, dividiu com Gunnar Myrdal que antagonizava politicamente com Hayek. De alguma forma, a Academia sinalizava contra a dogmatização perigosa contida nos escritos do economista austríaco.
De qualquer forma, o que é reproduzido no plano de Temer, “Uma ponte para o Futuro”, embora tenha raízes em pensamentos conservadores questionáveis foi claramente “inspirado” em “analistas” norte-americanos bem recentes. Todas as instituições mencionadas produzem uma série de artigos, teorias, indicações e etc. para várias partes do mundo, instrumentalizando seus agentes em cada local com um discurso semelhante. Obviamente um discurso que represente aquilo que os financiadores esperam obter com os valores repassados.
Em artigo de 7 de janeiro de 2013, pesquisadores da Heritage Foundation fizeram uma “lista de desejos” para cada parte do mundo. Para a América Latina e Caribe, James Roberts e Ray Walser, pediram que o Brasil “volta-se o básico”: “ao invés de confiar apenas em projetos estatais de exploração de recursos naturais, o Brasil poderia alcançar um crescimento econômico e produtividade sustentáveis de forma mais efetiva buscando liberdade econômica – que inclui mais privatizações de empresas estatais, liberalização dos rígidos marcos regulatórios ambientais brasileiros e harmonização dos muitos diferentes regimes de impostos” (3). O mesmo documento instava o governando americano a “adotar uma ativa estratégia para defender o interesse nacional americano e o avanço dos valores democráticos nas Américas” buscando “promover oportunidades econômicas para todos e defender a segurança do Hemisfério Ocidental”.
O mesmo James Roberts em 07 de setembro de 2016 afirmava que “o Socialismo do século XXI destruiu-se no Brasil” e chamava Lula e Dilma de “socialistas” que “colocaram o Brasil fora da linha da pobreza” apenas com benefícios do Estado levando a quase a “falência do país”, num discurso exatamente idêntico ao que se houve no senso comum pelas redes sociais, quase sempre por jovens que desconhecem o mínimo de economia e história para saberem se a crítica é válida ou não. No mesmo texto Roberts indica quatro pontos para Temer: aumentar a proteção sobre direitos de propriedade e medidas mais efetivas contra a corrupção, reduzir barreiras comerciais e de investimento, liberalização dos mercados de energia e termina com um ataque aberto à empresas estatais citando textualmente a Petrobrás.
Não cabe aqui uma crítica acadêmica das ideias de Roberts, que, afinal, refletem o ideário econômico e político dos think tanks americanos, transbordados ao Brasil através de “prêmios” pagos pelas bilionárias fundações americanas. Interessa-nos perceber a retórica que recria a Guerra Fria, os termos como “socialismo”, “segurança do hemisfério ocidental”, “liberdade”, a oposição visceral entre “socialismo e capitalismo”, entre “estado e iniciativa privada” tocam num imaginário distorcido e mal trabalhado pelo nosso sistema educacional nas últimas gerações. Leva, os mais jovens, a acreditar que realente existia uma “américa latina socialista” com Chavez, Evo Morales, Rafael Correa, Lula, Dilma e etc., quando qualquer estudo mais aprofundado mostraria a completa falta de correção de tais teses.
A Atlas Network em 2014 comunicava com orgulho prêmio para Gustavo Franco (Libertas Prize) para “investidores que tenham trabalho pelo avanço do livre mercado”. Em 2015, quando do início do ataque ao governo Dilma Rousseff, com as mobilizações de caminhoneiros, a Atlas escreveu:
“O Instituto Liberal tem sido voz indispensável em favor do liberalismo clássico no Brasil, por muitos anos. Em 1983, o Instituto liberal começou a traduzir textos clássicos para o português, mas desde então tem se expandido em tamanho e foco. Ele também ajudou no nascimento e crescimento de outros “think tanks” liberais clássicos no Brasil, incluindo o Freedom Institute, o Open Order Institute e o Millennium Institute. O Instituto Liberal ativamente promove os princípios do liberalismo clássico como cursos, discussões, seminários e comentários em mídia”.
Em março de 2016 saia um artigo comemorando que o impeachment de Dilma “não levaria a um golpe militar” porque “as instituições, pela primeira vez, estão funcionando”. O artigo ainda deixava clara a preferência de o poder no Brasil recair nas mãos do PMDB após o impeachment. O PMDB é descrito como “um partido de centro que funcionou, nas últimas décadas como principal força estabilizadora do governo”, e, embora afirme que o partido não é solução “à longo prazo”, afirma que o PMDB “pode, muito bem, constituir o corpo do establishment político” no país.
De fato, todos os think tanks americanos além de financiarem suas contrapartes brasileiras através de doações diretas ou “prêmios”, ainda ditam os termos que devem ser usados como forma de unificar os discursos. Várias expressões utilizadas em primeiro plano nestas instituições tornaram-se correntes tanto na mídia quando nas manifestações de políticos ou agentes líderes de tais movimentos. O esforço para moldar tanto os termos do discurso sobre a política brasileira quanto oferecer “soluções” ao país fica evidente, embora travestido com apelo de “isenção”, como “argumentos científicos”, ou mesmo ganhando força pelo “glamour” oferecido aos estudantes que participam dos eventos com fotos, jornais e todo um material de promoção apelativo. (4)
E para onde vai a “Ponte para o Futuro”?
Em primeiro lugar é preciso citar a mea culpa feita pelo próprio FMI sobre o uso das políticas neoliberais e de “austeridade”. Tal movimento feito pelo FMI foi totalmente ignorado pelos conservadores que se viram “traídos” pelo fundo. Na realidade, desde os anos 2000 já havia muitas críticas aos teóricos que sustentavam tais medidas, inclusive demonstrado erros matemáticos em suas teses. Existia também o vigoroso movimento político da América Latina negando o neoliberalismo. O que o FMI fez, foi apenas um ato político. E como tal, pode – e foi – totalmente deixado de lado pelos financiadores da “liberdade” no mundo. O capitalismo afinal não é para fazer sentido, é para fazer dinheiro. E dinheiro para algumas poucas pessoas como mostram os diversos estudos sobre concentração de renda pelo mundo.
As medidas de Temer vão exatamente no caminho indicado pelos Think Tanks norte-americanos. E já estão produzindo os efeitos que o FMI diz que iriam produzir. O empobrecimento da maior parte da população brasileira e o enriquecimento de uns poucos não é, portanto, uma “falha” da “Ponte”: é seu objetivo principal. A questão é perguntar-se como aqueles que estão sendo empobrecidos defendem vigorosamente as práticas que os empobrecem, mesmo quando contraditas por órgãos insuspeitos como o FMI? Aí, joga o papel psicológico e sociológico do pânico do início da Guerra Fria. O mito dos comunistas sempre serviu para concentrar riqueza e empobrecer a população. Hoje, no Brasil funciona da mesma forma. Nos EUA foram usados bilhões de dólares americanos, redes de televisão, rádio e jornais para criar uma máquina de gerar medo e desinformação de tal monta que fez os norte-americanos destruírem seus sindicatos, por exemplo, e ficarem até hoje sem reajustes reais nos valores de suas horas de trabalho.
No Brasil a mesma associação (imprensa e bilhões de dólares norte-americanos), agora com internet, faz com que mulheres acreditem e apoiem candidatos que dizem que elas têm que ganhar menos que os homens, faz com que trabalhadores saiam às ruas para apoiar um governo que está destruindo suas aposentadorias, direitos e mesmo seu salário e faz com que jovens brasileiros do século XXI tenham medo – pasmem – da União Soviética.
Duas coisas, entretanto, são certas, a “Ponte para o Futuro” do governo Temer está sendo um sucesso para quem a financiou, e é preciso rever a legislação brasileira para todas as instituições que não pagam impostos como Igrejas, Think Tanks, movimentos e etc. O dinheiro público, da não cobrança de impostos sobre as atividades econômicas destes grupos, está servindo para sustentar um discurso agressivo contra os direitos da população brasileira. Isto não é “liberdade”, isto são os “liberais tupiniquins” se aproveitando das falhas da legislação brasileira para expropriar o Estado, enriquecendo. Como, aliás, sempre fizeram.
Querem fazer política? Que ao menos paguem seus impostos!
Notas:
(1) Return of Organization Exempt from Income Tax, 2013
(2) O Instituto Liberal de São Paulo, por exemplo, lançou um artigo chamado “A complicação como método ideológico”, assinado por Lucas de Moura Lima, em que “denuncia” a teoria da Relatividade como uma empreitada comunista. Depois de sofrer críticas de toda comunidade científica, incluindo os institutos de Física, tal organização retirou o artigo do ar que só pode ser visto em caches do Google ou pdf.
(3) No original “Instead of relying solely on state-owned enterprises and exploitation of natural resources, Brazil could achieve sustainable economic growth and productivity more effectively by pursuing economic freedom—to include additional privatizations of state-owned enterprises, liberalization of Brazil’s rigid regulatory environment, and harmonization of the country’s many different taxation regimes.
(4) Por exemplo, ver-se os “annual reports”.
*Fernando Horta é historiador e doutorando na UnB.