James Emery
Estudantes do ensino médio da escola Mar Elias, em I'billin, vila árabe no norte de Israel; a gramática árabe é considerada “a cova das notas” pelos alunos
“A terra, assim como a língua, é herdada”, disse certa vez Mahmoud Darwish, poeta e escritor palestino. Nos territórios ocupados, contudo, a língua é pilhada, tomada, violada e cercada por arame farpado, da mesma maneira que a terra.
O ministério da Educação de Israel recentemente deu mais um golpe nos palestinos vivendo na Palestina ocupada. O ministério anunciou a decisão de suspender o ensino de gramática árabe no ginásio e no ensino médio. A alternativa oferecida pelo ministério são os chamados “princípios funcionais no ensino de gramática”, que, segundo o órgão, vão permitir que os estudantes entendam as funções da gramática com base na interpretação de textos.
A decisão causou preocupação generalizada e apelos para que seja rejeitada. No entanto, o ministério manteve sua posição e emitiu um comunicado explicando a medida e argumentando que o objetivo é “aproximar a língua e seus falantes na era da tecnologia e da explosão da informação”.
Palestinos de vários segmentos, incluindo professores e pais, expressaram sua insatisfação com a decisão, definindo-a como “uma tentativa disfarçada de separar os estudantes de sua língua e, portanto, de seu pertencimento à comunidade e de sua causa”. Eles pediram a realização dos maiores protestos possíveis para forçar o ministério a repelir a medida, que já foi aprovada pelas autoridades.
A decisão foi tomada justamente quando estudantes e universitários da Palestina ocupada enfrentam uma clara dificuldade em gramática e conjugação de verbos. De acordo com especialistas, a deficiência é maior nessa região do que na Cisjordânia e na Faixa de Gaza. Enfrentá-la requer o reforço da gramática no currículo para ajudar os estudantes, em lugar da remoção e substituição sob o pretexto de “avanço e lacuna tecnológica”. Vários especialistas disseram ao Al-Akhbar que a “lacuna tecnológica” alegada por Israel não será resolvida com o cancelamento do currículo, mas com sua modernização.
“Nesse contexto, precisamos procurar meios de fortalecer os laços dos estudantes com a língua e suas regras”, explicou Murad Ali, professor de árabe em Acre. “Os estudantes já enfrentam dificuldades em gramática, embora seja parte do ensino curricular. O que acontecerá quando for suprimida?” Dentro de poucos anos, alunos do ensino médio nos territórios de 1948 serão incapazes de formular adequadamente uma sentença.
NULL
NULL
Pichação em hebraico e árabe: “Somente quem entende hebraico/árabe pode me entender”
Essa previsão, porém, tem sido uma realidade há anos. Sua evidência se baseia no fato de que muitos universitários não têm o domínio mais básico do árabe e cometem vários erros, o que é inadequado em seu nível educacional.
Ibrahim Shehade, um diretor de escola aposentado em Acre, disse que os estudantes receberam bem a decisão do ministério. “Para eles, a gramática árabe é uma das matérias mais difíceis do currículo do idioma. Mas eles não compreendem os riscos futuros”, explicou. “As notas nas matérias de literatura e expressão são comparativamente altas, se comparadas com as de gramática. Alguns alunos acreditam que com a retirada da gramática eles vão melhorar sua média na grade curricular.”
Samer Khoury, de Shefa ‘Amr, concordou, dizendo que “a gramática é a cova das notas” e explicando que tirou nota baixa em árabe por causa da gramática.
Ainda assim, os estudantes não estão completamente confortáveis com a decisão. Alguns acreditam que o alvo é a língua e os laços comuns. Apesar da dificuldade de aprender gramática e conjugação, eles estão interessados em encontrar alternativas para melhorar sua proficiência, “sem que toquem em nosso idioma”.
No Knesset (parlamento israelense) políticos árabes e parlamentares ainda não levantaram a questão por causa do peso de outros temas. No entanto, o parlamentar Mohammed Baraka, membro da Frente Democrática e Partido Comunista, no Knesset, falou à imprensa sobre a decisão. Depois de mencionar as questões da terra, habitação e saúde, ele disse que enfocará mais a questão da gramática.
Uma posição mais direta foi adotada por Masoud Ghanayem, membro do Knesset pela Lista Árabe Unida, que pediu uma audiência sobre o tema. Ele recebeu uma resposta do ministro da Educação afirmando que “a decisão não significa o abandono do ensino da gramática árabe, mas sua valorização”.
“O novo currículo foi criado por supervisores e acadêmicos árabes, em cooperação com a Academia da Língua Árabe em Haifa”, acrescentou o ministro. Seu comunicado jogou luz em uma questão sensível. A maioria dos professores que falou com o Al-Akhbar garantiu que isso é falso. A maioria se recusou a dar seu nome, “por medo de supervisores e altas autoridades”.
A objeção acadêmica mais ousada foi apresentada por Mohammed Khalil, conhecido acadêmico palestino e um dos primeiros a alertar sobre a decisão do ministério. “A questão tem o objetivo claro de fazer com que as escolas dispensem por completo livros de gramática árabe, impondo um currículo em que a gramática seja ensinada espontaneamente”, exclamou.
Khalil não ficou surpreso com a “injusta decisão das autoridades (israelenses)”. No entanto, ele ficou desanimado com “a presença de palestinos árabes no comitê, que concordaram com o novo currículo”. Vários professores que falaram ao Al-Akhbar também mencionaram a questão.
No final, a decisão não se limitará às escolas, já que surge em meio a uma campanha israelense para substituir nomes históricos palestinos por outros em hebraico. Em oposição, palestinos estão se manifestando ativamente para promover os nomes árabes e preservá-los.
“Qual será o impacto dessa medida, se nossos filhos e filhas ignorarem os princípios de sua língua e sua estrutura?”, perguntou Mawan Barieh, universitário que estuda a língua árabe. “Minar um pilar fundamental de qualquer língua conduzirá a seu total colapso. Isso se aplica à gramática e a sua relação com a língua árabe em geral.” Apesar das reações iradas à decisão, a língua está sendo pilhada do mesmo modo que a terra palestina.
N.E.: Os palestinos aos quais o autor se refere no texto são os árabes israelenses, palestinos que vivem no território de Israel e têm cidadania israelense.
Tradução: Maria Teresa de Souza
Matéria original publicada no site Al Akhbar, publicação libanesa com foco em notícias e análises sobre países do Oriente Médio.