Valter Campanato / Agência Brasil
João Pedro Stédile, dirigente do Movimento Sem Terra: 'objetivo de construir um programa de longo prazo, que represente solução para os problemas do povo e saída para a crise'
Sempre se falou da necessidade de construir uma “frente”. Por quais motivos a atual conjuntura torna esta frente mais necessária e urgente?
João Pedro Stédile: A ideia de construir frentes sempre esteve presente no ideário das forças populares e dos partidos de esquerda, pois partimos do princípio de que é necessário construir uma grande unidade entre a maior parte das forças populares (representadas por inúmeras formas de mediação que a classe trabalhadora vai organizando para enfrentar seus problemas). E embora essa necessidade de frentes, de unidade popular, seja uma necessidade estratégica, ou seja, só assim a classe trabalhadora pode construir hegemonia na sociedade com suas ideias e suas propostas, no geral, aqui no Brasil, as experiências de frentes sempre se ativeram apenas a períodos eleitorais, restritas ao objetivo de ganhar eleições.
Porém agora, fora de um período eleitoral e com um contexto histórico em que se agravam as crises econômicas, sociais, política e de valores, acho que muitos setores das forças populares se deram conta de que somente com a construção de processos unitários poderemos enfrentar juntos as crises e, sobretudo, conseguiremos apresentar propostas alternativas para o povo, para sair das crises.
A burguesia já tem suas propostas para sair da crise. A rigor é o realinhamento da economia aos Estados Unidos, imaginando que as empresas transnacionais vão retomar os investimentos e tirar a economia da crise, em troca da entrega do que sobrou de empresas estratégicas; redução dos gastos do Estado, o que eles chamam de Estado mínimo, para que o orçamento público da União seja administrado apenas de acordo com seus interesses e não para resolver os problemas do povo; e, terceiro, seria reduzir o chamado custo Brasil de mão de obra, que na prática é reduzir os direitos sociais e trabalhistas, que estão garantidos na CLT e na Constituição. Esse programa é a volta do neoliberalismo, ou seja, liberdade total para o capital.
A frente popular tem um programa, uma plataforma, um resumo de seus objetivos?
Estamos num processo de construção de unidade entre as forças populares, com um olhar estratégico, ou seja, com o objetivo de construir um programa de longo prazo, que represente solução para os problemas do povo e saída para a crise.
E nesse processo de construção estamos ainda debatendo, ouvindo, consultando. A princípio elencamos apenas uma plataforma política, que desde 2013 permeia os debates nos movimentos populares e forças políticas. Essa é a plataforma mínima que está unificando as forças populares nesse momento.
É uma frente eleitoral?
Não. As frentes eleitorais são construídas por partidos que disputam eleições. Nem estamos em tempo de eleições, nem a frente é composta apenas por partidos. Ao contrário, os movimentos populares, estudantis, sindicais, no espectro mais amplo possível, e com alguns partidos é que conformam a frente popular.
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Há setores que ainda não integram a frente. Você considera necessário e possível incorporar estes setores? Como fazer?
Embora a necessidade de frentes, como disse, seja uma necessidade programática de quem quer construir maiorias na sociedade, e não apenas com seus primos… Acho que será difícil termos uma frente única, popular ou de esquerda. Porque alguns setores de esquerda têm leituras diferentes da situação atual, apostando no afundamento do governo e na derrota total do PT e do PCdoB, para então emergirem como alternativas. E embora possamos ter todas as críticas do mundo às políticas e comportamento das direções partidárias e de movimentos, é inegável que as forças populares que foram se construindo nesses 30 anos estão presentes numa militância social que está também no PT, no PCdoB, nas frentes de massa, e até em setores como PDT e PSB. Ou seja, devemos lavar a criança, mas não jogá-la fora com a água suja!
Por isso é possível que no próximo período tenhamos várias frentes no campo popular. E isso é até natural, pelas origens doutrinárias, ideológicas e comportamento tático de cada agrupamento político.
Pessoalmente acho que devemos apostar numa frente popular, que aglutine amplos setores populares e até da classe média, dentro de uma plataforma política comum. E a plataforma política, acho, aglutina amplos setores.
Qual o calendário de atividades?
É muito difícil prender-se a calendários, pois trata-se de processos de construção, que têm ritmos lentos, e são influenciados pela correlação de forças e pela luta de classes.
Estamos realizando diversas reuniões e plenárias nos estados e a nível nacional, esperamos durante o segundo semestre consolidar uma frente popular que aglutine amplos setores.
Mas ao mesmo tempo essa frente tem que alimentar as mobilizações de massa, para atuarem na conjuntura e na luta de classes. Afinal, só a mobilização da classe trabalhadora pode alterar a correlação de forças, e postar a classe em outro patamar na disputa de saídas para a crise. E, infelizmente, neste momento apenas os setores militantes, as mediações, estão se mobilizando. A base social está quieta, apenas assistindo. E é nela que devemos atuar, para explicar a gravidade da situação e buscar mobilizá-la com as propostas de saídas da crise.
Certamente no segundo semestre teremos muitas mobilizações, como já estão programadas a Marcha das Margaridas em Brasília, que terá a adesão de movimentos populares, e a jornada de luta unitária do dia 20 de agosto em todas as capitais. Depois na Semana da Pátria teremos mobilizações e o Grito dos Excluídos, em outubro há agendas internacionais na luta contra as empresas transnacionais e pela soberania alimentar entre 12 e 16 de outubro. Depois teremos o 5 de novembro, jornada continental contra a ofensiva imperialista dos Estados Unidos e celebrando a derrota da ALCA há dez anos em Mar del Plata.
Ou seja, o período será de muitas articulações, mas também de muitas mobilizações de massa. A disputa será grande.
Entrevista publicada no jornal Página 13.