No último domingo (03/04) foi publicada parte dos Panama Papers (Papéis do Panamá), investigação impulsionada pelo jornal alemão Süddeutsche Zeitung junto com o ICIJ (Consórcio Internacional de Jornalistas de Investigação, na sigla em inglês, uma rede internacional de jornalistas de investigação com sede em Washington) e mais de cem empresas de comunicação (entre as quais, estão: The Guardian, do Reino Unido, Le Monde, da França, Canal 13, da Argentina, a revista Processo, do México) . O jornal alemão recebeu de um anônimo 11,5 milhões de documentos, em formato de e-mails e documentos anexados, que dão conta das operações da empresa de advogados Mossack Fonseca (gestora de sociedades offshore que opera no Panamá) de 1977 a 2015.
A informação foi analisada durante um ano por 376 jornalistas de 76 países e oferece provas sobre o desvio de dinheiro a paraísos fiscais realizados por diferentes lideranças políticas, esportistas, artistas e empresários de vários países do mundo.
Agência Efe
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Apesar da valiosa informação publicada por esse grupo de jornalistas, abre-se uma série de dúvidas. Em primeiro lugar, se o objetivo era divulgar o modo como as corporações e os ricos do mundo praticam evasão fiscal para se tornarem mais ricos, é curioso que tenham oferecido a informação a grandes empresas de mídia. Daí surge outro questionamento, sobre o “vazamento” da informação. Nos documentos publicados (que são uma parte ínfima do corpo total) não aparecem, casualmente, empresas norte-americanas, alemãs, nem do Reino Unido. No entanto, foi dada especial importância às conexões entre a Mossack Fonseca e o governo russo, comandado por Vladmir Putin.
As dúvidas começam a se dissipar quando observamos que um dos organismos que coordenou a investigação é o Center for Public Integrity, financiado por nada mais nada menos pela Fundação Ford, Carneghie Endowment, Open Society (de George Soros) e a Fundação Rockefeller. Ou seja, os representantes mundiais de como funciona a rede global do poder que inclui: corporações, fundações, governos, órgãos internacionais, ONGs e meios de comunicação. Eles elegem o que é mais conveniente para o público e qual informação é melhor ocultar para evitar danos reais ao funcionamento do sistema.
Panama Papers na Argentina
Entre os clientes desta empresa, encontram-se o presidente da Argentina, Mauricio Macri, seu irmão e seu pai, o conhecido empresário Francisco Macri. Os dados mostram que Mauricio Macri integrou a direção da Fleg Trading Ltda., empresa que está registrada em Bahamas desde 1998. Essa companhia esteve em exercício até o ano de 2009 como uma derivação do holding que os Macri tinham tanto na Argentina, como no Brasil. Nessa época, o atual presidente exercia funções como prefeito da cidade de Buenos Aires.
Agência Efe
Em novas revelações, Mauricio Macri aparece como vice-presidente de outra empresa offshore, a Kagemusha S.A, registrada no Panamá em 1981 e que possui capital de US$ 10 mil
O envolvimento deste presidente (que não é o único) se dá em um contexto particular, já que parte central da campanha do partido a que Macri pertence esteve caracterizada pelas denúncias de corrupção do governo de Cristina Kirchner. Diante da notícia multiplicada em todos os meios de comunicação, não apenas da Argentina, mas do mundo todo, a presidência emitiu um comunicado justificando a participação do atual presidente, explicando que é verdade o fato de que ele é membro de uma sociedade familiar offshore localizada nas Bahamas, porém ele não teve nem tem participação nos dividendos do capital dessa sociedade. O Escritório Anticorrupção (OA, na sigla em espanhol), comandado por Laura Alonso, defendeu esta posição via Twitter avisando: “senhores, constituir sociedade em paraíso fiscal não constitui delito em si”. Diante deste fato, integrantes de outros partidos começaram a pedir explicações, é o mínimo que se espera, quando a descrição dos documentos oferecida pelos jornalistas da investigação assegura que: “[os documentos] relatam, exemplo após exemplo, as más ações em termos éticos e legais dos clientes da empresa e oferecem evidência de que esta empresa estava totalmente disposta a atuar como guardiã dos segredos de seus clientes, seja porque se tratava de criminosos, membros da máfia, traficantes de drogas, políticos corruptos ou sonegadores de impostos”.
Post de Laura Alonso:
Amigos de @perfilcom: la frase es una cita de @LANACION https://t.co/Y2r2ICaejD
— @lauritalonso (@lauritalonso) 3 de abril de 2016
Este “escândalo” poderia desencadear uma nova configuração política, considerando que os jornalistas que fazem parte do Consórcio são El Clarín e La Nación. No entanto, fica a suspeita de que talvez eles tenham sido “obrigados” a publicar a informação pela metodologia da investigação: aparentemente, a informação foi compartilhada entre todos os jornalistas que participaram da análise. O jornal alemão usou o programa Nuix para organizar os documentos, o mesmo programa utilizado pelos jornalistas agrupados pelo ICIJ, subindo os milhões de documentos para computadores de alta performance. Dessa forma, pouco podem fazer os jornalistas locais para ocultar a informação sobre os argentinos envolvidos. Além disso, a Argentina não é o “peixe grande”: outra coisa é falar dos Estados Unidos, do Reino Unido ou da Alemanha (países sobre os quais não há informação).
Panamá Papers na Venezuela
Todos os meios de comunicação publicaram que a Venezuela aparece repetidamente nos documentos. Para ser mais preciso, 270 mil deles (ou seja, 2%) mencionam a Venezuela, o que corresponde a um script absolutamente previsível. Era óbvio que iria ser esquadrinhado até o último detalhe para atribuir ao chavismo a etiqueta de intrinsecamente corrupto, da mesma forma que o Vaticano sustentou durante décadas que o marxismo era “intrinsecamente perverso”. O objetivo, para além do que os vazamentos contêm, é demonstrar que a Revolução Bolivariana não é mais do que uma corja de ladrões que saqueou os cofres do país. Assim, a realidade e as boas práticas jornalísticas não poderiam colocar obstáculos na consecução da meta.
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No entanto, uma mera análise superficial prova a montagem espúria. Nos papéis, aparecem presidentes, políticos e personalidades de grande importância, como Mauricio Macri; Vladimir Putin; o ex-primeiro-ministro islandês, Sigmund David Gunnlaugsson; o rei da Arábia Saudita, Abdullah bin Abdul Aziz Al-Saud; o presidente ucraniano, Petro Poroshenko; a tia do rei da Espanha, Felipe VI, Pilar de Borbón; o jogador argentino Leonel Messi; o ex-presidente da UEFA (União das Federações Europeias de Futebol) Michel Platini e o cineasta espanhol Pedro Almodóvar.
Ao contrário, os nomes venezuelanos são de pouca relevância (o que não significa que efetivamente possam ser muito corruptos): Adrián Velasquez, ex-chefe de segurança governamental e sua esposa, a enfermeira Claudia Díaz; o general Víctor Cruz Weffer (já julgado por corrupção na Venezuela) e o ex-executivo da companhia nacional de petróleo PDVSA, Jesús Villanueva. Nem presidentes, nem vice-presidentes, nem ministros. Nem sequer um deputado ou um governador. No entanto, isto não é obstáculo para que se coloquem em foco midiático os Panama Papers na Venezuela.
Como já assinalamos para o caso da Argentina, é interessante destacar quais são os meios de comunicação venezuelanos que foram encarregados de estudar, classificar e divulgar a informação. Sem exceção, todos os meios fazem oposição radical, são abertamente antichavistas e têm uma ética profissional ao menos duvidosa, como qualquer leitor pode comprovar entrando nos sites: Runrunes, Armando.info, Efecto Cocuyo e El Pitazo.
Em termos gerais, pode-se dizer que: se o objetivo dos Panamá Papers é publicar a verdade de como os ricos se tornam mais ricos, a forma como operam as grandes empresas vinculadas a governos, elites locais, fundações etc., deveriam publicar toda a informação, sem filtros. No caso da Argentina, é nada menos do que um escândalo de um presidente que chega ao seu posto lutando contra a corrupção à qual ele esteja vinculado (não importa como). No caso da Venezuela, não existe informação que implique de forma cabal o atual governo ou a gestão do ex-presidente Hugo Chávez, porém os meios hegemônicos vão insistir no crescimento do monstro venezuelano com o apoio incondicional da oposição, que se apressou em destacar que havia levado o assunto para a Assembleia Nacional.
É claro que os princípios de liberdade e democracia são (re)definidos em virtude de interesses concretos vinculados à rede mundial do poder, na qual os meios de comunicação possuem um papel chave. Além disso, a forma como a informação foi apresentada remete ao cenário da Guerra Fria. Os “principais” corruptos no plano político são os russos, os chineses e os governantes do Oriente Médio, além da Venezuela (alinhada a esse eixo “do mal”). Não aparecem dados sobre os norte-americanos ou alemães que nos permitam afirmar que a informação está sendo tratada de forma imparcial, que se pretendem cumprir os objetivos da liberdade de imprensa e da difusão da informação de todos os dados de forma igual. É curioso, porque os jornalistas do Panama Papers recebem aplausos, enquanto Julian Assange continua privado de sua liberdade. É curioso também que se comemore a publicação de tantos documentos quando o Wikileaks vem publicando material que compromete seriamente as potências ocidentais, informação que se tornou invisível pela mesma rede de poder que hoje publica os Panama Papers. Será preciso ficar atento aos interesses da agência e do conteúdo destes documentos.
Tradução: Mari-Jô Zilveti
Texto publicado originalmente em espanhol pelo Celag