Os britânicos David Nutt e Robin Carhart-Harris estão há tempos na luta pela pesquisa sobre a eficácia de substâncias alucinógenas contra diversas doenças, desde a cura de vícios até a depressão. E, se tudo correr como os pesquisadores esperam, em 2015 dez pacientes com depressão clínica entrarão em um programa experimental no Reino Unido em que serão tratados com psilocibina, o ingrediente ativo dos cogumelos alucinógenos.
A pesquisa sobre o uso da psilocibina, do peiote (espécie de cacto com propriedades alucinógenas), da maconha e do LSD com finalidades medicinais teve seu auge entre as décadas de 40 e 60. Estima-se que, somente na década de 60, cerca de 40 mil voluntários tomaram LSD participando de pesquisas acadêmicas. No entanto, com a pressão dos Estados Unidos (que lançaram a “guerra contra as drogas”), as pesquisas foram subitamente interrompidas. Até hoje.
Leia também: Empresa britânica investe no desenvolvimento de remédios com extratos de maconha
Então chefe do Conselho contra os Vícios no Reino Unido, David Nutt foi demitido em 2009 por afirmar que “andar a cavalo é mais perigoso do que tomar MDMA”. Ele se tornou, desde então, um ferrenho defensor do uso clínico dos alucinógenos. Os argumentos contra este tipo de droga, que povoam as campanhas pela criminalização dos usuários em praticamente todos os governos do mundo, foram “inquestionavelmente uma das mais eficazes peças de desinformação pública na história da humanidade”, afirma.
Segundo ele, estas campanhas “levaram muita gente a crer que estas drogas são mais perigosas do que de fato são. Não são drogas triviais, mas, em comparação com outras que matam milhares de pessoas a cada ano, como o álcool, o tabaco e a heroína, elas são muito seguras”.
Para Carhart-Harris, o problema de estudar os efeitos do LSD e de outros alucinógenos a fim de aliviar a depressão crônica é que as substâncias estão catalogadas como “cláusula 1” na Convenção sobre Substâncias Psicotrópicas das Nações Unidas, promulgada em 1971. A “cláusula 1” indica substâncias perigosas sem relevância médica. O pesquisador descreve o paradoxo: “É difícil estudar os usos medicinais do LSD e da psilocibina precisamente porque estão classificados como ‘cláusula 1’. E só receberam essa classificação porque se pressupôs que eles não têm uso médico”.
Leia também: Pastores brasileiros usam psicanálise para cativar fiéis evangélicos
Entretanto, este ano foram publicados dois estudos que apresentam a possibilidade de uso médico do LSD, um deles realizado pela dupla Nutt/Carhart-Harris e o outro por uma equipe suíça que utiliza a substância no tratamento da ansiedade em pacientes com câncer terminal. Por causa dos altos custos para a obtenção das permissões necessárias, a equipe britânica trabalha com a Fundação Beckley, uma organização filantrópica fundada pela condessa Amanda Feilding, entusiasta do LSD.
Será mesmo possível que estas substâncias ajudem a curar a depressão? Vejamos casos específicos.
Wikimedia Commons
LSD (dietilamida de ácido lisérgico)
Sintetizado pela primeira vez em 1938 pelo médico suíço Albert Hoffman, o LSD foi muito pesquisado em tratamentos psicoterapêuticos nos anos 60, antes da explosão hippie e da repressão governamental em grande escala. Carhart-Harris diz que a pesquisa acadêmica naquela época não apresentava grupos de controle, e os resultados não eram apresentados com objetivos claramente terapêuticos.
Mas a literatura médica de quando ainda se podia pesquisar sobre o LSD demonstra que sua eficiência no tratamento do alcoolismo parecia promissora. Ainda que a atuação neurológica do LSD não seja conhecida em profundidade, os cérebros das pessoas que ingeriram a substância – observados por meio de ressonância magnética – mostram conexões entre zonas que normalmente não entram em contato direto. Este estado foi descrito pelos pesquisadores como “desorganizado”, mas o doutor Carhart-Harris acredita que o efeito do LSD poderia “flexibilizar” em poucas horas estruturas que o cérebro demorou anos para fixar; em outras palavras, uma “viagem” de LSD poderia romper ciclos de vício e depressão com os quais o cérebro está acostumado.
Para o doutor Nutt, os efeitos colaterais se apresentam sob a forma de flashbacks, mas alguns pacientes com antecedentes de doença mental podem ter seus sintomas agravados.
NULL
NULL
Cannabis
Trata-se de uma das substâncias medicinais mais antigas da humanidade. O histórico de seus benefícios inclui tratamentos para asma, desordens do sono, depressão, perda de apetite, asma e impotência sexual. O THC e o CBD, substâncias que compõem o coquetel psicoativo da erva, passaram a ser utilizados em medicamentos em 2011, quando se aprovou o spray Sativex para o tratamento da esclerose múltipla. Entre os benefícios do spray estão a melhora do sono e a redução dos espasmos nas pessoas que o utilizam.
Leia também: Mães pela legalização da maconha
Pesquisas nos anos 70 e 80 demonstraram que a maconha ajudava a aliviar as náuseas em pacientes com câncer submetidos a quimioterapia, e nos anos 90 ficou comprovado que ela poderia ajudar a prevenir a anorexia em pacientes com AIDS.
É uma das drogas recreativas mais usadas no mundo, mas seu uso médico só foi legalizado na Holanda há 25 anos. A substância foi descriminalizada no ano passado nos estados de Colorado e Washington, e em novembro deste ano no Distrito de Columbia, Alasca e Oregon, nos EUA. Ainda assim, por causa do mercado ilegal, os pesquisadores acreditam que a maconha que os usuários compram nas ruas apresenta maior quantidade de THC (que produz ansiedade) e menos CBD (que a modera), devido à falta de regulamentação apropriada.
Cogumelos alucinógenos
O composto alucinógeno dos cogumelos é a psilocibina. Carhart-Harris demonstrou recentemente que a psilocibina é capaz de chegar ao córtex pré-frontal, uma zona do cérebro hiperativa em casos de depressão e ligada à introspecção e ao pensamento obsessivo. Graças a este estudo, a Imperial College de Londres, onde trabalham Carhart-Harris e Nutt, obteve financiamento e permissão legal para estudar a psilocibina em pacientes com depressão, e os testes começarão no próximo ano.
Leia também: Buscas na Wikipedia ajudam a prever epidemias
A psilocibina também poderia ajudar no tratamento de vícios. Um estudo da Fundação Beckley e da Universidade Johns Hopkins administrou entre duas e três doses de psilocibina a 15 voluntários que queriam parar de fumar. Destes, 12 não fumaram mais pelos seis meses seguintes – uma taxa de êxito de 80%, comparada com os 35% dos outros métodos. Na escala de risco publicada pelo periódico de medicina The Lancet em 2010, em que se avalia o risco potencial de 20 tipos de drogas, os cogumelos alucinógenos ocuparam a última posição.
Wikimedia Commons
MDMA (ecstasy)
Sintetizado pela primeira vez no início do século XX, o MDMA foi utilizado com êxito durante os anos 70 na psicoterapia, mas seu uso recreativo na cultura das raves dos anos 80 e 90 lhe conferiu má fama. Ele funciona pelo aumento da atividade de três tipos de neurotransmissores: serotonina, dopamina e noradrenalina, o que gera sentimentos de euforia, empatia e afeto.
Leia também: Novas evidências relacionam doenças mentais e suicídio de agricultores a uso de pesticidas
Utilizado clinicamente, teve efeitos promissores no tratamento de pacientes com estresse pós-traumático entre veteranos de guerra, quando conjugado à psicoterapia. O MDMA permite que os pacientes revisitem as experiências traumáticas a partir de uma perspectiva “distanciada”, o que ajuda a processá-las melhor psicologicamente. Para o doutor Nutt, o MDMA também poderia ser benéfico para ajudar a aliviar o medo da morte em pacientes com expectativa de vida limitada, além de poder ser utilizado também na terapia de casal e contra o mal de Parkinson e outras doenças.
Do ponto de vista dos riscos, Nutt adverte que testes em animais sugerem que o uso prolongado de MDMA pode danificar o cérebro dos ratos de laboratório, mas não existe pesquisa semelhante sobre os efeitos em seres humanos. Entre 1997 e 2012, 577 mortes foram relacionadas ao uso de MDMA somente no Reino Unido, sobretudo por ataques cardíacos.
Tradução: Henrique Mendes
Matéria original publicada no site Pijama Surf, site mexicano que publica notícias e artigos sobre comportamento e cultura.