A Revolução Francesa (1789) ainda provocava imensa repercussão. Esta herança revolucionária, a difusão das ideias do Iluminismo e as guerras de 1792 a 1815 impactaram política e ideologicamente o continente europeu. Os povos, sempre guiados pelas elites intelectualizadas, sonhavam em se libertar do Antigo Regime e criar uma nação unida, inspirando-se no modelo francês. Esse sentimento nacional foi exacerbado pela ocupação francesa: a dominação napoleônica só fez reforçar entre os povos conquistados a consciência de sua autodeterminação.
Após a campanha da Rússia em 1812, Napoleão abdicou em 6 de abril de 1814, fato que marca a queda do império. Reunidos em setembro de 1814 no Congresso de Viena, a fim de proceder à reconfiguração da Europa, as monarquias austríaca, russa, britânica e prussiana pretendiam “restaurar a civilização”.
O retorno de Napoleão da ilha de Elba em 1º de março de 1815 e a Campanha dos 100 Dias unem os aliados contra Napoleão, levando à retomada da ofensiva napoleônica ante a coalizão da Grã Bretanha, Prússia, Rússia e Áustria, apoiado pela Espanha, Itália e Holanda. Era a campanha da Bélgica que conduziria à Batalha da Waterloo.
Napoleão reorganiza seu Exército a partir de junho com uma velocidade prodigiosa: 128 mil homens são concentrados na fronteira do reino da Holanda, na região de Beaumont.
Em 16 de junho, duas batalhas são travadas: uma parte do Exército francês, comandada pessoalmente por Napoleão, bate os prussianos no campo de batalha de Ligny; outra facção das forças imperiais, sob as ordens do marechal Ney, combate em Quatre-Bras contra o Exército britânico do duque de Wellington, mas não consegue tomar o entroncamento, apesar das numerosas tentativas.
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Na Batalha de Waterloo, poder de fogo da infantaria britânica mostrou-se nitidamente maior que dos franceses
Wellington decide, então, enfrentar o inimigo sobre o platô de Mont-Saint-Jean. Debaixo de uma chuva torrencial que se seguiu ao intolerável calor dos dias precedentes, as forças britânicas e holando-belgas recuam em boa ordem para a posição escolhida.
Em 18 de junho de 1815 eclode a Batalha de Waterloo. No campo de batalha frente a frente postavam-se: Exército francês – 125 mil homens, composto de conscritos, soldados aguerridos, veteranos das guerras do Império ou da Guerra da Espanha; Aliados, 210 mil homens – um Exército britânico, sendo a metade de soldados britânicos e a outra metade de mercenários alemães formados sob uma férrea disciplina, célebres por sua tenacidade na defesa; um Exército holandês, parte integrante das tropas de Wellington e comandado pelo príncipe de Orange-Nassau; um Exército prussiano, extremamente motivado e alimentado pelo nascente sentimento do nacionalismo alemão e por um espírito de vingança contra a França, pouco experiente e pouco resistente, mas que contava com grande número de homens.
Logo de manhã, inicia-se uma manobra de diversão comandada pela divisão do príncipe Jerome, irmão de Napoleão, contra a fazenda Hougoumont. Trava-se um feroz combate sem que os franceses conseguissem se apoderar de algum edifício.
A artilharia francesa se prepara: 80 canhões são dispostos para disparar contra o centro e o centro-esquerda da linha aliada. Às 13h30 é desferido um ataque a leste de um dique de contenção, entre as fazendas Haie-Sainte e Papelotte, por 17 mil soldados do 1º corpo francês de Drouet d’Erlon. Recebidos por uma salva de tiros, são repelidos por um ataque a baioneta das tropas do general inglês Picton e em seguida acossados por cargas da cavalaria pesada britânica. Foi uma carnificina e o 1º Corpo francês reflui em desordem. No ímpeto da ação, os cavaleiros invadem um pequeno vale com o objetivo de enfrentar e desbaratar a grande bateria francesa. Enfrentam uma contracarga dos lanceiros franceses que lhes infligem pesadas perdas.
Às 16h, têm início cargas da cavalaria francesa dirigidas contra o centro-direita aliado. Comandado pelo marechal Ney, durante cerca de duas horas essas cargas sucessivas alinharam até 10 mil cavaleiros sobre um front de menos de 10 quilômetros. Do lado dos aliados, a infantaria com formação em quadrado resiste. Ela é apoiada pelo que restou da cavalaria e sobretudo pela artilharia postada no topo de uma colina.
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Mapa explica posicionamento das tropas: em azul, Exército liderado por Napoleão; em vermelho, de Wellington
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Às 17h, o IV Corpo de Von Büllow passa ao ataque em Plancenoit onde se trava um combate corpo a corpo. Napoleão envia a Guarda Jovem, sob o comando de Duhesme.
Às 18h30, a situação se torna bastante crítica para Wellington após a queda de Haie-Sainte. Ney instala alguns canhões em bateria e atinge a linha aliada enfileirada. Pede tropas de infantaria a Napoleão para explorar esse sucesso, porém o imperador já havia empregado todas as suas reservas, com exceção de alguns batalhões da Guarda que ele hesita em utilizar. Wellington evita o perigo. Cerra suas fileiras de centro, debilitando seu flanco esquerdo.
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Napoleão conhecia a estratégia de Wellington e, após ter retomado Plancenoit, decide assestar um derradeiro golpe poderoso a fim de derrubar a linha aliada antes da chegada do grosso das tropas prussianas.
[Águia de Bronze foi um dos símbolos de vitória na batalha]
A Guarda Imperial atravessa o vale apoiada por tudo o que restava de válido do Exército francês.
Os ‘grognards’ – soldados da Velha Guarda – fieis à lenda, avançam imperturbáveis ante a metralha. Wellington apela a todas as suas reservas e repele a Guarda Imperial.
Às 20h, os prussianos desembocam em massa sobre o campo de batalha. As tropas francesas, vendo a Guarda recuar, também retrocedem, gritando ‘traição!’. É a débacle. Wellington ergue seu quepe de duas pontas para dar aos seus homens a ordem de avançar.
Os franceses recuam derrotados, salvo a única exceção de dois pelotões da Guarda que conseguem proteger a fuga do imperador. Wellington e Blücher se encontram e se dão um aperto de mãos: seus exércitos conquistaram a vitória. Ao cair da noite, o campo de batalha apresenta um espetáculo apocalíptico: 12 mil mortos, milhares de feridos gemendo e agonizando, cadáveres de milhares de cavalos cobrem o terreno para onde saqueadores e assaltantes começam a aparecer. Os últimos feridos só seriam socorridos três dias mais tarde.
A artilharia mostrara-se decisiva e esta arma, à época, era essencialmente composta de canhões. A munição principal era um projétil não explosivo cujo peso poderia ser de até 6 quilos. O poder de fogo da infantaria britânica mostrou-se nitidamente maior que dos franceses.
Tanto para Napoleão quanto para Wellington, tratava-se de sua derradeira batalha: levaria um à decadência e ao exílio, e o outro à glória. Marcava para os dois personagens sua entrada para a história e o começo do mito.
Após sua estrondosa vitória, Wellington é recebido em Londres como herói nacional. Seria reconhecido e aclamado nas ruas durante seus anos de velhice, se bem que sua popularidade sofresse de quedas ocasionais. De 1815 a 1818 foi comandante -chefe das forças de ocupação na França. Em 1830, primeiro-ministro, reuniu em Londres uma conferência das potências europeias que resultou na independência da Bélgica. Sua morte em 14 de setembro de 1852, aos 83 anos, deu lugar a exéquias nacionais cerimoniosas. Foi inumado com grande aparato na catedral Saint-Paul na capital inglesa.
Napoleão, imperador vencido, foi exilado na ilha de Santa Helena a 7 mil quilômetros da França. Dita no cativeiro a justificativa a posteriori de sua política e de suas campanhas bélicas. O “Memorial de Santa Helena”, publicado postumamente, o mostra no fundo como um liberal e democrata. À mesma época na França, uma “lenda negra” napoleônica se desenvolve nos meios monarquistas, tão caricatural e excessiva que aquela que corria no estrangeiro antes da queda do “verdugo”. Ardorosos escritores como Madame de Staël, René de Chateaubriand ou Alfred de Vigny, destrincham o prisioneiro de Santa Helena com os traços de um “ogro”, de um “Átila” ou de um “Nero”.
Pouco após a batalha, o lugar e o próprio nome Waterloo iriam se tornar mitos. Waterloo marcou, com efeito, uma guinada na história europeia. Os diferentes partidos políticos da Bélgica, como de resto de toda a Europa, iriam rapidamente se apoderar do lugar e utilizar o simbolismo para os seus fins. Patriotas e independentistas belgas do “partido francês”, revisionistas e bonapartistas nostálgicos decepcionados com a restauração de Luis XVIII, consideraram Waterloo como uma ferida e o naufrágio de seus ideais. Fariam de Waterloo um lugar de luto e iriam se recolher à memória dos soldados tombados. Em contrapartida, os vencedores, principalmente os britânicos e holandeses, fariam do local um símbolo da solidariedade europeia e da vitória da monarquia.
Mas sobretudo, a violência sem precedentes da batalha traumatizou de tal sorte os espíritos que os curiosos ali afluem desde 1815. O número de corpos jogados de qualquer jeito nas valas comuns conferiram a Waterloo uma dimensão sagrada.
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Tentativa de reconstituição da batalha, feita no local original (atualmente Bélgica), em 2010