Na sexta-feira (22/03), um ataque terrorista em subúrbio da capital russa, Moscou, deixou mais de 130 mortos e 153 feridos, de acordo dados do Comitê Investigativo da Rússia. Os quatro executores do ataque na casa de concertos Crocus City Hall foram identificados e presos no sábado (23/03), segundo o Serviço Federal de Segurança (FSB, na sigla em russo).
Apesar do início da primavera, que incita os moscovitas a lotarem os parques da capital após o longo inverno, as ruas de Moscou permaneceram praticamente desertas no sábado. O domingo é de luto, anunciado pelo presidente Vladimir Putin. Anteriormente todos os eventos culturais e esportivos previstos para este fim de semana já haviam sido cancelados na maioria das cidades russas. Instituições de ensino como a Universidade Estatal de Moscou e a Universidade Russa da Amizade entre os Povos, onde estudam diversos brasileiros residentes em Moscou, também cancelaram as aulas.
Uma ampla gama de países expressou suas condolências ao povo russo em função do ataque terrorista, inclusive aqueles considerados adversários, como EUA, Reino Unido, Alemanha e França. O governo brasileiro expressou consternação com o ocorrido, estendeu condolências aos familiares das vítimas e solidariedade ao povo e governo da Rússia.
A escala da violência chocou a sociedade russa e mobilizou os moradores de Moscou, que compareceram em massa a centros de doação de sangue para auxiliar as vítimas hospitalizadas. De acordo com dados do Ministério da Saúde da Rússia, mais de 2.700 pessoas doaram sangue no sábado na região de Moscou. Voluntários levaram comida e bebidas para aquecer os doadores, que formaram longas filas, em meio às temperaturas ainda baixas da capital russa.
Ainda na sexta-feira, a plataforma de serviço de táxis Yandex Taxi disponibilizou corridas de graça para todos os que evacuavam a região do Crocus City Hall em direção às suas casas. No sábado, empresas de saúde como a SberZdorovya disponibilizam linhas telefônicas de auxílio psicológico gratuito para todo o país.
A culpa é de quem?
As autoridades russas ainda não chegaram a conclusões acerca da motivação e das fontes de financiamento e inteligência que possibilitaram a realização de um ataque desta magnitude.
Ainda no calor dos acontecimentos, na sexta-feira, o coordenador de comunicações estratégicas do Conselho de Segurança Nacional da Casa Branca, John Kirby, declarou que a Ucrânia não estaria envolvida no ataque. Em resposta, a porta-voz do Ministério das Relações Exteriores da Rússia, Maria Zakharova, questionou a pressa norte-americana em retirar a responsabilidade de Kiev pelo ocorrido.
Na madrugada de sexta para sábado na Rússia, o jornal norte-americano The New York Times informou que o ataque teria sido perpetrado pelo Estado Islâmico, mais especificamente pelo Estado Islâmico no Khorastão, braço do grupo terrorista que atuaria principalmente no Irã e Afeganistão. Para o jornal, a motivação do grupo seria provar ao mundo que ainda é capaz de realizar ações de grande escala.
Segundo a CNN, o Estado Islâmico no Khorastão teria publicado uma curta declaração reivindicando a autoria dos ataques, no canal do Telegram de sua agência de notícias Amaq, sem fornecer detalhes ou evidências.
A Rússia tem histórico de ataques terroristas perpetrados por grupos islâmicos radicais. Em 2004, o ataque terrorista a uma escola, na cidade de Beslan, deixou mais de 330 mortos e 800 feridos, em grande parte crianças.
No entanto, os perpetradores do ataque de sexta não utilizaram símbolos ou slogans que possam indicar sua afiliação religiosa, política ou ideológica, de acordo com as abundantes imagens feitas por vítimas no local do incidente. Além disso, os agressores não fizeram demandas ao governo russo, tampouco mantiveram reféns. Simplesmente vitimaram o maior número possível de pessoas e fugiram.
Em vídeos de interrogatórios preliminares feitos por agentes de segurança, publicados pela agência RIA Novosti, dois agressores sugerem ter realizado os ataques em troca de pagamentos em dinheiro. Um dos atiradores relata já ter recebido 50% do 1 milhão rublos prometidos em troca do serviço, o equivalente a pouco menos de R$ 55 mil.
Dois agressores relatam terem sido mobilizados através de grupos do Telegram e recebido as armas utilizadas nos ataques de terceiros. Consolida-se, assim, a versão de que os atiradores não agiram sozinhos, mas sim estimulados por mandantes. A identidade, nacionalidade ou afiliação político-religiosa dos mandantes, no entanto, ainda não foram determinadas.
“Todos os executores, organizadores e mandantes terão que lidar com uma justa e inevitável punição. Iremos identificar e punir todos. Quem quer que sejam, quem quer que os tenha enviado”, declarou presidente russo durante discurso à nação, no sábado. “Terroristas, assassinos, são inumanos que não têm e não podem ter nacionalidade. A eles aguarda um destino nada invejável – a retaliação e o esquecimento.”
A ligação entre o ataque no Crocus City Hall e o governo de Kiev, por enquanto, se limita à referência da agência federal de investigação, ratificada por Vladimir Putin, de que os terroristas tinham não só o intuito de fugir para a Ucrânia, mas também contatos para isso. “Todos os quatro perpetradores do ataque terrorista, isto é, todos aqueles que atiraram, mataram pessoas, foram encontrados e detidos. Tentaram fugir e se deslocar em direção à Ucrânia, onde, segundo dados preliminares, foi preparada para eles, pelo lado ucraniano, um corredor para atravessarem a fronteira”, disse Putin.
A expectativa de que a Rússia se apressaria em apontar o governo ucraniano como responsável direto pelos atentados, portanto, não se consolidou. No entanto, as investigações ainda podem evoluir nesse sentido. O ministério das Relações Exteriores da Ucrânia emitiu comunicado negando qualquer envolvimento no ato terrorista no Crocus City Hall.
Mas, se algum grupo já está sentindo as consequências do ataque, são os imigrantes de ascendência tajique residentes na Rússia. Com dificuldades no recrutamento de mão de obra que remontam à época da União Soviética, a Rússia conta com número significativo de imigrantes do Tajiquistão e demais países da Ásia Central. O imperativo econômico não arrefece sentimentos negativos entre a opinião pública em relação à imigração, que tendem a se exacerbar.
O ataque
O ataque teve início por volta das 20h de sexta, pouco antes da banda de rock veterana PikNik iniciar seu show no Crocus City Hall – uma casa de concerto popular localizada nos arredores de Moscou. Projetado para receber eventos de grande porte e capacidade para mais de 9 mil pessoas, o Crocus abrigava cerca de 6.200 visitantes. Quatro homens vestidos com roupas camufladas e fortemente armados começaram a atirar em civis no portão de entrada da casa de shows. Imagens feitas por testemunhas oculares mostram os agressores entrando no recinto e atirando à queima roupa, de maneira indiscriminada, em homens, mulheres, jovens e idosos.
“Quatro homens armados entraram na plateia. Imediatamente começaram a atirar no público. Derrubavam todo mundo à queima-roupa. Qualquer pessoa que viam, [atiravam] ali mesmo”, relatou vítima ocular ao canal Baza. “Os agressores acenderam coquetéis Molotov. Eles falharam na primeira vez, apagou, mas na segunda vez [conseguiram e] logo jogaram no corredor.”
Após as rajadas de disparos, veio o fogo. Os agressores provocaram um incêndio de grandes proporções, extinto somente na noite deste sábado. Cerca de 28 pessoas abrigadas em banheiro da casa de shows não conseguiram evacuar o edifício e acabaram vítimas da fumaça. Famílias inteiras faleceram juntas, reportou o portal de notícias Lenta.
Mais de 50 brigadas de ajuda médica emergencial foram enviadas ao local para atender aos feridos e às milhares de pessoas em estado de choque. Ao redor, a cena era aterrorizante, com grande número de corpos de pessoas assassinadas na entrada e no primeiro andar da casa de shows.
Todos os policiais das forças estaduais e municipais foram solicitados a comparecer aos seus turnos, devidamente armados. Os quadros do Ministério de Situações de Emergência da região de Moscou também foram completamente mobilizados e colocados em nível de alerta máximo.
Tragédias como tiroteios em massa, comuns nos EUA, são extremamente raras na Rússia, que possui leis bastante restritivas em relação ao porte de armas pela população civil. Essas restrições são inclusive estendidas às empresas de segurança privadas. Os seguranças do Crocus City Hall não possuíam armas de fogo, mas somente cassetetes e teasers.
Por cerca das 22h, os serviços de segurança iniciaram a invasão do prédio, enquanto o Comitê de Investigação Russo, o equivalente à Polícia Federal no Brasil, oficialmente classificou o ocorrido como um ato terrorista.
Fuga e captura
Enquanto os bombeiros tentavam controlar o incêndio e as brigadas de emergência atendiam às vítimas, os perpetradores conseguiram fugir do local, misturando-se à massa de pessoas que evacuavam o recinto. A bordo de um sedan Renaut branco, os criminosos seguiram em direção à fronteira oeste do país, conforme reportou o deputado da Duma russa Alexander Khinshtein em seu canal no Telegram.
A madrugada foi de perseguição aos quatro fugitivos. Pouco antes das nove da manhã, um Renault Branco foi identificado na região de Bryansk, a cerca de 100 km da fronteira com a Ucrânia. O veículo não parou quando solicitado pelas autoridades, que realizaram disparos. Duas pessoas foram presas no local, e as demais fugiram para a zona de floresta adjacente à estrada, mas foram capturadas poucas horas depois, relatou o jornal russo RBK .
De acordo com informações dos canais Baza, Shot e Ostorozhno Novosti, os detidos são cidadãos do Tajiquistão. O primeiro detido, Muhammadsobir Fayzov, de 19 anos, seria natural de Dushanbe. Ferido durante embate com as forças de segurança russas, Fayzov foi enviado para interrogatório logo após atendimento médico. Os demais seriam Shokhinjonn Safolzoda, de 21 anos; Rustam Nazarov, 29 anos; Majmadrasul Nasridinov, 37 anos e Rivozhidin Ismonov, 51 anos.
Ao final da manhã, o diretor do FSB, Aleksandr Bortnikov, informou que, no total, 11 pessoas haviam sido presas por suspeita de participação nos ataques, inclusive os 4 atiradores do Crocus City Hall.
(*) Ana Livia Esteves é correspondente em Moscou da Sputnik Brasil