Trezentos e catorze anos após a morte de Zumbi, o herói principal da resistência simbolizada pelo quilombo de Palmares, negros e brancos da América Latina não são tratados da mesma forma, e as políticas públicas ainda não foram suficientes para resolver o problema. Enquanto mais de 750 cidades brasileiras comemoram hoje (20) o Dia da Consciência Negra, estudos realizados recentemente mostram que ainda há muito por fazer, principalmente em relação ao acesso à educação e ao espaço no mercado de trabalho.
Na América Latina, indígenas, negros e mestiços ganham, em média, 18% menos do que os brancos. Os dados são do BID (Banco Interamericano de Desenvolvimento), divulgados por meio do documento “Novo século, velhas disparidades: brechas de salários por gênero e etnia na América Latina”, apresentado nesta semana em Washington.
As maiores diferenças foram encontradas no Brasil (30%), na Guatemala (24%) e no Paraguai (22%), e as menores, no Equador (4%) e no Chile (11%). A pesquisa, também realizada em países como Bolívia, Argentina, Colômbia, México, Peru, República Dominicana, Uruguai e Venezuela, comparou os salários entre indivíduos das mesmas características geográficas e trabalhistas, tendo em conta idade, nível de instrução, lugar de residência e tipo de emprego.
Gênero
Um dos principais fatores determinantes para a diferença entre os índices de cada país é a evasão escolar na infância e na adolescência, motivada pela impossibilidade de conciliar trabalho e estudo, ou pela falta de interesse. Segundo o estudo, por razões históricas, tal diferença ocorre porque as minorias étnicas têm mais baixo nível de escolaridade do que as não-minorias.
Além disso, há uma combinação de outras características individuais e trabalhistas. “As diferenças salariais de origem étnica estão vinculadas a uma segregação ocupacional, na medida em que as minorias se encontram sub-representadas em ocupações de empregadores, onde os salários são maiores”, disse o autor principal do estudo, o economista do BID Hugo Ñopo. “Como na brecha de gênero, é difícil, por exemplo, encontrar minorias empregadas com o perfil típico de um gerente-geral”, acrescentou.
O relatório atenta também para o fato de que mulheres negras, indígenas ou mestiças são duplamente discriminadas, por serem do sexo feminino e por serem da minoria. Ñopo concluiu que as “políticas destinadas a reduzir estas desigualdades estão ausentes. Superar essa situação é mais do que um imperativo moral. É uma estratégia essencial para reduzir a desigualdade na região”. O economista se referiu ao fato de as políticas sociais e de desenvolvimento incentivarem a universalização da escola, mas a qualidade deste estudo não ser boa.
“A baixa qualidade do ensino pode ajudar a explicar o motivo de as minorias pobres terem um retorno menor para sua respectiva escolaridade”, disse Ñopo, que sugeriu o aumento da quantidade de creches infantis, maiores investimentos em educação pública e programas de ação afirmativa em matéria educacional e capacitação.
Isolamento
O estudo “Discriminação Étnico-racial e Xenofobia”, realizado pela Cepal (Comissão Econômica para a América Latina e o Caribe), que coloca a educação como a mais importante característica demográfica, focou-se também no problema da baixa qualidade de ensino. Além de enfrentar o preconceito, a pesquisa conclui que 90% da população descendente dos escravos trazidos da África para a América na época colonial, atualmente, são pobres, têm acesso a empregos de menor remuneração por conta do baixo nível de escolaridade.
Além do acesso à educação, outra razão, segundo a pesquisa, é que os cerca de 150 milhões de afro descendentes da América Latina e do Caribe têm pouco poder político devido ao pouco acesso a instâncias de governo e sua situação recebe menos atenção em fóruns internacionais e pesquisas acadêmicas.
“Os negros continuam sendo os mais excluídos, são, em geral, a última roda do carro, depois até mesmo dos indígenas”, concluiu Quince Duncan, membro da Comissão Científica do programa A Rota do Escravo, do Fundo das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (Unesco), desde a Costa Rica, por telefone.
Discriminação positiva
Na América Latina e no Caribe, “o racismo se concentra, sobretudo, nos negros, mais do que nos indígenas, e isso é evidente em toda a América, embora haja países realizam esforços importantes para reverter a situação”, acrescentou o pesquisador.
Alguns governos começaram a esboçar políticas de discriminação positiva. Foi o caso na Venezuela com os programas sociais facilitando a integração dos mais pobres, em maioria negros ou indígenas – “missão Sucre”, permitindo o acesso à educação superior, “missão Ribas” e “missão Robinson” facilitando a alfabetização dos adultos e a educação primária.
No Brasil, o governo adotou o ProUni (Programa Universidade para Todos), enquanto várias universidades optaram pela introdução de cotas, como em Salvador, Rio de Janeiro e Brasília. Em visita no país na semana passada, a Alta Comissária das Nações Unidas para os Direitos Humanos das Nações Unidas, Navi Pillay, congratulou o governo pelos seus esforços, e pediu ainda mais políticas afirmativas. Baseando-se na sua própria historia, Pillay, que é sul-africana negra, insistiu sobre o fato que “se não fosse pelas políticas afirmativas, eu nunca teria entrado na universidade, nem chegado ao cargo que ocupo hoje nas Nações Unidas”
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