Divulgação/Companhia das Letras
Grandes temas do passado da América Latina já foram abordados na ficção a partir do ponto de vista infantil. Por exemplo, as ditaduras da região, retratadas em filmes premiados e com protagonistas crianças, como é o caso de Machuca (2004), do chileno Andrés Wood, O ano em que meus pais saíram de férias (2006), do brasileiro Cao Hamburger, e El premio (2011), da argentina Paula Markovitch.
Nos últimos anos, o mesmo olhar tem sido usado na abordagem de questões críticas do presente – como a guerra do narcotráfico, que depois de inspirar diferentes manifestações da cultura colombiana nos anos 80 e 90, agora é o tema preferido do cinema e da literatura do México.
Falando de literatura, um celebrado exemplo da chamada “narcocultura” é Festa no covil, livro de estreia do mexicano Juan Pablo Villalobos, lançado recentemente no Brasil pela Companhia das Letras. Publicado pela influente editora espanhola Anagrama em 2010, o romance é narrado por um menino mexicano sem idade definida, Tochtli, que vive em meio ao isolamento e ao luxo do “palácio” de seu pai, um capo do tráfico de drogas.
O maior desejo do garoto no presente é conseguir exemplares do raro “hipopótamo anão da Libéria” para ampliar seu zoológico domiciliar, que já conta com tigres e outros animais de grande porte. Enquanto espera que seu desejo seja realizado, ele descreve sua rotina, baseada em manias como colecionar chapéus e ler o dicionário à noite e em aulas com um tutor particular, e o peculiar ambiente à sua volta. Por trás do enredo, podem ser tecidas complexas relações entre ingenuidade, solidão e poder.
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O livro, finalista de um prêmio do jornal londrino The Guardian, é dos êxitos recentes da literatura hispânica e já foi traduzido para 13 idiomas. No Brasil, onde o autor vive com sua esposa, a tradutora Andreia Moroni, já está prevista uma adaptação ao teatro. Os direitos foram comprados pela atriz Mika Lins, que protagonizou e produziu um espetáculo sobre Frida Kahlo.
Fábulas com segundas intenções
A profundidade narrativa de Festa do covil, indo muito além do enredo, rendeu ao livro comparações com importantes fábulas infantis, como Alice no país das maravilhas (1865), de Lewis Carroll, e Pelos olhos de Maisie (1897), de Henry James. É o que opina, por exemplo, o escritor inglês Adam Thirlwell, que assina o posfácio da edição brasileira, no qual destaca a inocência como forma de solidão e de incompreensão.
Já Villalobos, apesar de negar referências específicas, aponta vínculos com obras latino-americanas como Cartucho (1931), que Nellie Campobello escreveu sobre a Revolução Mexicana, e Un mundo para Julius (1970), do peruano Alfredo Bryce Echenique, sobre a hipocrisia das classes altas de Lima. Ambas são histórias narradas por crianças e que dão conta de descrever complicados ambientes sociais. Ao parecer, não é de hoje que a inocência infantil guia o entendimento de nossos processos mais turbulentos.