“Limitações ideológicas” quanto ao papel do Estado na economia podem pôr os Estados Unidos em desvantagem no cenário mundial da competição alimentada pela inovação tecnológica, diz relatório divulgado pelo NRC (sigla em inglês para Conselho Nacional de Pesquisa norte-americano). Enquanto isso, segundo o estudo, países menos inibidos pela ideologia do livre mercado têm lançado mão de “amplas estratégias nacionais para construir economias inovadoras”.
“A mitologia popular de que a economia norte-americana prosperou por décadas apenas sob a tradição do laissez-faire e por uma abordagem linear da inovação tende a fazer pouco caso tanto da complexidade da inovação e do papel vigoroso do governo no desenvolvimento e na implementação das novas tecnologias”, afirma o trabalho, que vem a se somar um relatório anterior, da NSB (National Science Board), que chamava atenção para o papel do Estado no financiamento da pesquisa básica.
O texto do Conselho nacional de Pesquisa, com o título Rising To The Challenge – U.S. Innovation Policy for the Global Economy (“Encarando o Desafio: Política de Inovação dos EUA para a Economia Global”), publicado agora em 2012, segue-se a dois estudos anteriores do mesmo órgão, de 2007 e 2010, ambos intitulados Rising Above the Gathering Storm (“Ascendendo Acima da Tempestade que se Aproxima”).
Os dois textos da “Tempestade” tinham como foco os insumos da inovação – a educação, a formação de cientistas e engenheiros, o financiamento da pesquisa. Já o “Desafio” trata dos produtos do processo: desenvolvimento econômico, novos produtos e processos, bons empregos. E de acordo com o novo relatório, a capacidade dos EUA de desfrutar desses frutos está ameaçada por uma falta de visão estratégica.
Mitologia
“A formulação de políticas para sustentar a competitividade é complicada pelo fato de que os Estados Unidos é um dos poucos países industrializados cujos políticos tradicionalmente não pensam estrategicamente na economia”, afirma o trabalho.
“Embora a inovação seja, frequentemente, vista como resultado da operação de um livre mercado, o fato é que o governo desempenha um papel instrumental, por meio de seu investimento em P&D, bem como por meio de políticas que estimulam a comercialização de novas ideias”.
O relatório lembra ainda que, a despeito da “mitologia” de que o laissez-faire impera nos Estados Unidos, foram políticas públicas, incluindo investimento direto do governo e preferências nas compras do Estado, que garantiram a disseminação de tecnologias como o computador, a energia nuclear e o transporte aéreo.
Outros tipos de política mencionados, para além de compras e incentivos, que afetam a capacidade do país de inovar e de colher os benefícios da inovação são tributária, comercial, educacional e de imigração.
Internacionalização
A internacionalização da indústria, com fábricas de capital norte-americano abrindo unidades de manufatura em outras partes do mundo, põe em xeque um dos pilares tradicionais da vantagem inovadora da economia norte-americana, a proximidade física entre as unidades de criação e de implementação de novas ideias, diz o texto. Além disso, a rápida disseminação do conhecimento científico na era da internet destrói a antiga certeza de que “descobertas e invenções que fluem de pesquisa conduzida nos EUA (…) naturalmente levarão a produtos comercializados e industrializados nos EUA”.
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O relatório pede que o governo ofereça incentivos para que empresas de alta tecnologia voltem a usar grandes unidades fabris dentro do território norte- americano, afirmando que os programas existentes têm “horizonte limitado, prazos curtos e futuro incerto”. “A base industrial de alta tecnologia dos Estados Unidos deteriorou-se a tal ponto que às vezes é difícil produzir grandes volumes de produtos inventados nos Estados Unidos, mesmo quando o custo do trabalho não é um fator importante”.
Em contraste, outros países vêm usando recursos públicos para induzir empresas norte-americanas a produzir produtos tecnológicos em seus territórios. Em outros casos, empresas optam por produzir no exterior porque concluem que os EUA não têm mais condições de abrigá-las. “Como resultado, os EUA descobrem que é cada vez mais difícil capturar o valor gerado por seus grandes investimentos em P&D”.
Mercantilismo
O trabalho chama atenção para o que classifica de “neomercantilismo”, o uso da mão pesada do Estado e de empresas estatais ou semiestatais, por países como China e Coreia do Sul, para abrir espaço no mercado internacional de inovação e alta tecnologia.
Esses países “neomercantilistas”, diz o relatório, se valem de “uma poderosa combinação de subsídios estatais, padrões nacionais, compras governamentais e exigências de transferência de tecnologia (…) também encorajam empresas controladas ou apoiadas pelo Estado a competir globalmente em indústrias estratégicas e emergentes com a ajuda de empréstimos a juros baixos, frequentemente com pouca preocupação com a rentabilidade de curto prazo”.
O NRC diz que a política comercial norte-americana, com sua “fé” no livre mercado, está mal equipada para enfrentar esse tipo de concorrência. “Ao privar as empresas norte-americanas da capacidade de colher as recompensas comerciais de seus investimentos significativos em inovação (…) o neomercantilismo traz sérias consequências de longo prazo para a economia e a defesa dos EUA”.
Sugestões
O relatório do Conselho Nacional de Pesquisa oferece uma série de sugestões para que o país não perca a oportunidade de desfrutar dos benefícios econômicos da inovação tecnológica no século XXI.
Entre elas, estão medidas do governo de apoio à indústria norte-americana, por meio de incentivos e de favorecimento em compras: “Agências federais podem usar seu poder de compra para ajudar a dar impulso à comercialização de tecnologias emergentes”, diz no texto, notando que “o governo federal já fez isso várias vezes antes, em indústrias como semicondutores, computadores e aeroespacial”.
Outras sugestões envolvem um reforço do elo entre universidades e mercado, com a instalação de novos centros de excelência formados por parcerias entre escolas, governo e indústria; a promoção de parcerias público-privadas; e mudanças no sistema tributário para tornar a indústria mais competitiva.
De todas as propostas, a mais ambiciosa pede que o governo estude a criação de um Banco Nacional de Infraestrutura, para financiar a construção, por empresas privadas, de estradas, linhas férreas, obras de saneamento e outras instalações que “atendam a necessidades nacionais fundamentais e façam uso de tecnologias emergentes”.
Matéria publicada originalmente no site Inovação, da Unicamp. Leia aqui.