No dia 7 de dezembro, encerra-se o prazo dado pela Suprema Corte argentina para que comece a ser aplicada a Lei de Meios, que impõe limites para a atuação de grupos econômicos no setor de comunicação social.
A lei, que enfrenta forte resistência dos veículos tradicionais argentinos, como o grupo Clarín, não é suficiente para dar conta de todas as questões que envolvem a concentração econômica e política do setor. Para as publicações independentes argentinas, o país precisa dar um passo além, com uma legislação mais específica, que incentive o setor e compense os prejuízos gerados por um cenário “de crise”.
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As bancas de jornal e a distribuição de períodicos são, agora, o alvos das revistas independentes argentinas. “Estamos por completar dez anos de trabalho próprio, sem ajuda externa, e, exceto em alguns momentos, a revista nunca foi nossa principal fonte de renda. Porém agora o que está ameaçado é o futuro da publicação”, afirma Ingrid Beck, editora de Barcelona, revista independente que está entre as 268 registradas dessa maneira no país.
Claudia Acuña, da cooperativa que edita a revista MU, afirma que, como as grandes publicações não vivem das vendas em bancas de jornal e sim de anúncios publicitários, utilizam os pontos de venda apenas como vitrine de seus anunciantes, o que prejudica o canillita, que vive de vender, e impacta os custos do setor para todos os meios impressos.
“O Grupo Clarín aproveitou o vazio jurídico para a mídia impressa e avançou sobre a distribuição, com a compra de alguns circuitos. Com isso, suas publicações pagam menos para chegar às bancas e as nossas são sobrecarregadas com taxas extras. Para nós, que não temos acesso a créditos e vivemos da venda nas bancas, implica um aumento no preço ao leitor sem que isso seja revertido para a cooperativa”, denuncia Acuña.
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Revistas como MU e Barcelona, além da mítica Crisis, editada nos anos 70 e reeditada a partir de 2010, e da THC, revista sobre maconha e canabis que imprime 35 mil exemplares por mês, se uniram entre semelhantes sob a Associação de Revistas Culturais Independentes da Argentina (AreCIA), que tem como “aliado natural”, segundo Acuña, o vendedor de banca de jornal. “Na Capital Federal e na Grande Buenos Aires, os quioscos representam 90% da venda da mídia impressa”, conta a jornalista.
“É uma aliança entre trabalhadores que vivem de vender revistas. O que temos em comum é que a ambos interessa mais vender que não vender”, reforça Beck. Segundo a editora de Barcelona, há alguns meses uma empresa de representação de editores frente a distribuidores, que as revistas independentes alegam desconhecer, enviou faturas para cobrança de taxas de devolução por exemplares não vendidos. “Praticamente não há acordos formais. Temos que confiar no que eles dizem que vendem”, reclama.
Beck também se queixa de que a Sociedade de Distribuidores de Jornais, Revistas e Afins (SDDRA, na sigla em espanhol) administra “como quer” a oferta de publicações. “Somos reféns da SDDRA. Não podemos decidir aonde enviar os exemplares.”
“Nossa única aliança é com os leitores”
“É um debate que se relaciona com uma necessidade da Argentina – e da América Latina em geral – de romper a blindagem monopólica de alguns meios de comunicação, de abrir a palavra. Essas 268 revistas registradas hoje na AreCIA são uma prova de que há jornalismo independente, de que há diversidade e de que o Estado deve abrir canais para a pluralidade de expressão, que é o que também motivou a Lei de Meios Audiovisuais”, analisa Rodolfo Hamawi, diretor nacional de Ação Federal e Indústrias Culturais da Secretaria de Cultura da Argentina.
O projeto de lei que as revistas culturais independentes propõem envolve políticas de fomento para as suas publicações, que incluem compras de lotes para bibliotecas públicas, reduções impositivas e acesso a créditos como forma de amenizar os custos e melhorar a competitividade em relação às grandes empresas de comunicação.
“Pessoalmente, acredito que devemos ir rumo a uma rede de distribuição específica para revistas culturais. É preciso lutar pelo circuito oficial, mas também trabalhar muito com circuitos paralelos de distribuição, em que as universidades possam exercer um papel importante, por exemplo”, opina Hamawi.
Enquanto o setor de mídia impressa espera pelo 7 de dezembro, Claudia Acuña defende a importância de um circuito de meios de comunicação independentes, que podem tocar assuntos que nem os grandes jornais oficialistas nem os oposicionistas tocam, como a política ambiental do governo de Cristina Kirchner e a expansão de projetos de extração de minério no interior do país.
“Nossa única aliança é com os leitores. Somos inimigos das grandes corporações não por retórica, mas por nossa prática cotidiana da comunicação”, afirma Acuña.