Graças às revelações feitas por Edward Snowden, os norte-americanos aprenderam que seus arquivos de e-mail não estão necessariamente a salvo da NSA (Agência Nacional de Segurança). Mas uma nova sentença mostra que eles também não estão a salvo das grandes companhias.
No mês passado, uma sentença judicial deu à megacorporação energética Chevron acesso a nove anos de metadados de e-mails – o que inclui nomes, data e hora, dados de localização e login detalhados, mas não seu conteúdo – pertencentes a ativistas, advogados e jornalistas que acusaram a companhia de realizar perfurações no Equador e deixar para trás um rastro de lodo tóxico e tubulações com vazamentos.
Mother Jones
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Desde 1993, quando o litígio começou, a Chevron perdeu múltiplas apelações e foi condenada a pagar US$ 19 bilhões aos demandantes das comunidades nativas para cobrir o custo do dano ambiental. A Chevron alega que é vítima de uma conspiração de extorsão em massa, e é por isso que a companhia está pedindo ao Google, ao Yahoo, e à Microsof, que é dona do Hotmail, o fornecimento dos dados de e-mail.
Quando Lewis Kaplan, um juiz federal de Nova York, concedeu à Microsoft à intimação mês passado, ele julgou que não violava a Primeira Emenda por não haver norte-americanos entre as pessoas visadas.
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Agora, Mother Jones soube que as contas visadas incluem sim as de cidadãos dos EUA – uma revelação que questiona a validade da intimação. A Primeira Emenda protege o direito de falar anonimamente, e, em casos envolvendo norte-americanos, os tribunais têm frequentemente anulado intimações que buscam descobrir as identidades secretas e os endereços de usuários de internet anônimos.
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No começo do ano, outro juiz federal anulou as tentativas da Chevron de ter acesso a documentos da Amazon Watch, uma das companhias mais abertamente críticas à ela. O juiz disse que a intimação era uma violação dos direitos do grupo referentes à Primeira Emenda. Neste caso, contudo, a mesma proteção não se estendeu aos metadados dos e-mails de ativistas, jornalistas e advogados.
Agência Efe
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A Electronic Frontier Foundation (Fundação Fronteira Eletrônica – EFF por sua sigla em inglês) – representa 40 dos usuários visados – alguns deles são membros de times legais que representaram os demandantes – e Nate Cardozo, um advogado da EFF, diz que dos três usuários de Hotmail visados, pelo menos um é norte-americano. Cardozo diz que dentre os usuários do Yahoo e do Gmail “muitos” são dos EUA.
“É terrível para mim que a Primeira Emenda não tenha qualquer influência no caso, e o que o juiz simplesmente tenha entendido que as pessoas visadas não são cidadãos dos EUA – quando, de fato, eu sou”, diz um ativista de direitos humanos de Nova York que tem trabalhado em defesa da comunidade indígena, fazendo tanto trabalho voluntário como pago, desde 2005. Ele nunca foi processado pela Chevron, nem deposto. Ele quer permanecer anônimo – porque sua luta legal contra a intimação continua pendente.
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O ativista foi notificado da intimação pelo Google no ano passado (que ainda não foi concedida). A Chevron está buscando informações que incluem, mas que não se limitam ao nome associado a uma conta e todas as vezes que o usuário se conectou – nos últimos nove anos.“A Chevron está tentando esmagar, silenciar e esfriar o ativismo feito em nome das pessoas que eles ferraram”, diz o ativista.
Michelle Harrison, uma advogada da EarthRights International, afirmou ao Mother Jones que os clientes dela não se sentem confortáveis em falar abertamente sobre a intimação que receberam, porque “a busca obstinada da Chevron por qualquer um que se atreva a falar contra eles está lamentavelmente causando o efeito de arrefecimento que nós advertimos o tribunal que causaria.”
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Os defensores dos demandantes no caso da Chevron dizem que a intimação para obter os dados de e-mail é a mais recente tática da companhia para vencer um processo judicial que ela tem reiteradamente perdido. A Chevron foi condenada a pagar US$ 9 bilhões de indenização por perdas e danos em 2011 e a emitir um pedido de desculpas público. Depois que a companhia se recusou a fazer isso, um juiz duplicou o valor da indenização. A Suprema Corte se recusou a ouvir a apelação da Chevron. O caso de extorsão tem previsão de ir a julgamento no dia 15 de outubro, depois que Kaplan – quem os demandantes equatorianos uma vez pediram que fosse removido do caso – se negou a adiá-lo.
Cardozo diz que há 101 endereços de e-mail listados nas intimidações expedidas às três companhias de tecnologia, mas a EFF só encontrou entre eles dois que realmente pertencem a defensores da causa. “Intimações contra terceiros são geralmente rotineiras”, conta Eugene Volokh, professor da Escola de Direito da Universidade da Califórnia (Los Angeles School of Law). Mas Karl Manheim, professor da Escola de Direito Loyola em Los Angeles, nota, que “quem busca a informação têm de estabelecer sua relevância no caso; você não pode simplesmente sair em uma ‘expedição de pesca’ ou se basear em uma intuição.”
Julian Sanchez, pesquisador do instituto CATO, diz que “mesmo assumindo que os titulares das contas não são cidadãos, disso não decorre automaticamente que a Primeira Emenda é irrelevante”. Mas ele nota que enquanto a Constituição protege os discursos anônimos feitos por norte-americanos, “os tribunais têm sido inconsistentes em aplicar essa proteção a intimações civis dirigidas a identificar usuários anônimos da internet”. No caso da Dendrite International, Inc. contra No. 3, por exemplo, um tribunal de apelação considerou que a companhia não tinha direito de desmascarar os usuários que criticaram a companhia em um painel de mensagens do Yahoo.
Manheim diz que invocação da cidadania feita pelo juiz está “errada” neste caso e que os usuários devem recorrer. “A Constituição dos EUA se aplica a todas as pessoas (mesmo a cidadãos estrangeiros) dentro das fronteiras dos Eua e para os norte-americanos que vivem fora. Mesmo apesar de os alvos das intimações estarem fora da jurisdição dos EUA, a intimação é operante dentro dos EUA. Então a Constituição deve ser aplicada”. (Chevron não respondeu ao pedido de comentar o caso).
“Eu acho que, se o escândalo da Agência Nacional de Segurança nos ensinou algo, é que qualquer um que diga que são ‘apenas metadados’ não sabe o que ‘metadados’ são – se eu quiser passar a noite na casa de um amigo e usar o computador dele, isso é problema meu”, diz Cardozo. “E se o juiz Kaplan acredita que o uso de metadados é rotineiro, ele não sabe quão poderoso esse uso pode ser”, completa o ativista. “É uma ladeira escorregadia. Assim que uma coisa é concedida, vai ser mais fácil pedir mais.”
* Dana Liebelson é repórter em Washington para o Mother Jones. O trabalho dela também foi publicado no The Week, TIME's Battleland, Truthout, OtherWords and Yahoo! News. Leia reportagem em inglês