Atualizada às 12h29
Como uma de suas últimas medidas durante a presidência do Uruguai, José “Pepe” Mujica assinou um início de negociações para um acordo de comércio e serviços com os Estados Unidos e a Europa. E, segundo o historiador e politólogo, catedrático da Universidade de la República, a principal do Uruguai, Gerardo Caetano, sem avisar ao sucessor, Tabaré Vázquez. “O atual presidente e a maior parte de seu governo tomou conhecimento sobre a questão por meio da imprensa e pelas denúncias do movimento sindical”, em meados de maio, como contou a Opera Mundi .
Fotos: Agência Efe
Mujica assinou acordo sem avisar a restante de gabinete ministerial; Vázquez soube pela imprensa
Caetano, juntamente com os ex-ministros Daniel Olesker (do Desenvolvimento Social) e Roberto Kreimerman (Indústria), ex-deputados, ex-integrantes dos governos da Frente Ampla, dirigentes sindicais e intelectuais de esquerda, assinam uma carta contra o TISA (Trade in Services Agreement), ou Acordo de Comércios e Serviços, que classificam como sendo antidemocrático. “Ainda que pareça óbvio que o ex-presidente Mujica e seu chanceler Luis Almagro impulsionaram a incorporação [do país ao tratado], a decisão nunca chegou ao gabinete ministerial, de acordo com a versão de vários ministros do governo anterior. (…) O partido do governo [a Frente Ampla] também se inteirou de forma tardia e fragmentada por meio da imprensa”, afirmou o intelectual em entrevista concedida por e-mail.
Apesar das críticas que vem recebendo no país, o senador e ex-presidente Mujica defende o tratado, embora evite comentar em detalhes os acordos de liberalização de setores importantes da economia nacional, como o bancário, a saúde e o transporte, que o tratado pressupõe. Para Mujica, o Tisa é “filho da globalização” e de qualquer forma, o Uruguai tem que estar na negociação para saber o que os demais países vão fazer. “Parte do papel da política é antecipar o que vai acontecer em 20 ou 30 anos e atuar de acordo. Não é necessário pensar regionalmente”, ressaltou o líder uruguaio.
Em vídeo, Mujica defende o tratado e pede uma “análise” antes de qualquer reação:
Cauteloso, o governo Vázquez tem dado sinais de que não vai fazer propostas na próxima rodada de negociações, que deverá ocorrer entre junho e julho, e que tomará o tempo que for necessário para avaliar a conveniência ou não de acompanhar o tratado.
Regionalismo e vocação internacional
Os críticos do projeto ressaltam que o Tisa, impulsionado pelas potências mundiais, tem como objetivo último que as empresas privadas desses países tenham um marco favorável para estender seus negócios em área de serviços, já que o acordo prevê reformas privatizantes em setores como energia, água, telecomunicações, serviço postal, educação, saúde, meio ambiente, emprego, transporte aéreo e marítimo, serviços bancários, compras públicas, entre outros.
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Apesar de Mujica ter ressaltado ser preciso acompanhar os vizinhos maiores — no caso Brasil e Argentina — nenhum dos dois participam das discussões do Tisa.
Para Caetano, que é coordenador Acadêmico do Observatório Político do Instituto de Ciência Política, Universidade da República, o Uruguai ficou sem opções diante da paralisia em que se encontra, há anos, o Mercosul (Mercado Comum do Sul). “O Uruguai não entra no Tisa porque 'sim'. É fruto da paralisia do Mercosul e das necessidades que o país tem de não ficar isolado nos contextos atuais.”
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O politólogo ressalta ainda que “o Uruguai, por sua definição, tem uma vocação internacional, aposta sempre por um regionalismo aberto, não pode e não deve se fechar em estratégias de mercado interno, tampouco aceitar o Mercosul como uma ‘zona ampliada de substituição de importações’. Por isso briga em conjunto com o Brasil por um acordo possível e viável do Mercosul com a União Europeia”.
Mercosul
Na visão de Caetano, no entanto, um governo progressista como o uruguaio deve buscar reativar, “como está fazendo”, ressalta, “a agenda externa do Mercosul”. Ele pontua ainda que “todos os governos do bloco sabem que chegou o momento de atuar precisamente se querem salvar a integração”.
Governo de Tabaré Vázquez dá sinais de que não vai fazer propostas na próxima rodada de negociações
Assim, pontua Caetano, “episódios como este devem nos fazer pensar estrategicamente as consequências dessa paralisia do Mercosul. Se não se reativar seriamente e em profundidade o processo de integração regional, as tentações bilaterais e os TLCs [Tratados de Livre Comércio] entre potências e pequenos acabarão prevalecendo”.
Apesar da paralisia do projeto integracionista, Caetano ressalta que acordos como o Tisa podem prejudicar o país porque o Uruguai e outros países pequenos “entram em negociações diretas com gigantes como os Estados Unidos ou a União Europeia sem os resguardos de um âmbito multilateral como a OMC (Organização Mundial do Comércio). Essas negociações se inscrevem na agenda de extrema liberalização (…) contrárias à ação do Estado em benefício da produção, dos setores populares e como motor de ações estratégicas de desenvolvimento nacional”, aponta.
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Além do Uruguai, outros latino-americanos compõem a iniciativa: Chile, Colômbia, Costa Rica, México, Panamá e Peru. O Paraguai está estudando sua incorporação. Os demais integrantes são: União Europeia, Austrália, Canadá, Taiwan, Hong Kong, Islândia, Israel, Japão, Principado de Liechtenstein, Nova Zelândia, Noruega, Paquistão, Coreia do Sul, Suíça, Turquia e Estados Unidos.
“Os países desenvolvidos que impulsionam iniciativas como o Tisa seguem uma estratégia qualificada como “chutar a escada”, impedindo a evolução do resto dos países ao desenvolvimento de capacidades e tecnologias que eles já alcançaram. E para perceber isso não é necessário ter uma visão ideologizada sobre o mundo atual: basta registrar o que vem ocorrendo com os olhos bem abertos e as contas bem feitas”, conclui Gerardo Caetano.