Quando encontramos Ronald pela primeira vez, ele se chamava Sebastián, trazia um lançador de granadas no ombro e se escondia nas montanhas de Cauca, no sudoeste da Colômbia. Era 2010 e Ronald era um guerrilheiro exemplar da frente móvel Jacobo Arenas, das FARC (Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia). Tinha apenas 20 anos, mas já havia passado oito no conflito colombiano.
Mas sua história começa muito antes. Em abril de 2001, desembarcou em Cali com a mãe, um irmão e uma irmã. Eram migrantes da região do Alto Naya, onde paramilitares do bloco Calima, sob o comando de Hébert Veloza García, o “HH”, massacraram em poucos dias cerca de 100 moradores. O pai de Ronald era um deles.
Efe (24/03/2012)
Parede em Caracas pintada com o rosto do fundador das FARC, o colombiano Manuel Marulanda Vélez, o “Tirofijo”
“Logo depois fui para o monte com meu irmão. Eu tinha 12 anos e ele, 14”. A história dos dois jovens não é um caso isolado. Segundo dados da ONG Tribunal internacional sobre a Infância, há 14 mil crianças e adolescentes envolvidos no conflito colombiano.
“No começo te dão tarefas simples. Você faz o papel de mensageiro, informante ou outras coisas parecidas. Com o passar dos meses, enquanto vai crescendo, o conflito passa a exigir cada vez mais e vão te envolvendo em combates e outras operações. Hoje em dia também promovem cursos políticos e de doutrinação”, conta o rapaz.
Ronald sentia-se inconformado há muito tempo com a luta armada, mas foi só em 20 de dezembro de 2011 que escapou do acampamento. O irmão, por sua vez, passou os últimos meses de guerrilheiro na guarda pessoal do falecido chefe das FARC, Alfonso Cano. Foi durante uma visita de Ronald à frente móvel Jacobo Arenas que os dois se reencontraram e decidiram fugir juntos.
Mas o plano era complexo e uma simples falha poderia levá-los à morte. O primeiro que fugiu foi Ronald, que se escondeu pela região e permaneceu comunicando-se com o irmão por dois dias, até que ele também pudesse escapar. Naquele tempo, ele teve a oportunidade de ir à Cali. Foi assim que guiou o irmão até a porta da casa da mãe.
“É preciso esperar o momento oportuno. Cada um faz seu plano, mas é preciso aguentar até que surjam as condições ideais. Houve um turno da guarda pela madrugada. Estava sozinho por duas horas e aproveitei o tempo ir”, conta.
Daquele dia em diante, toda a família está vivendo em perigo e precisou se mudar várias vezes. Na última residência, Ronald recebeu uma condenação emitida por um conselho de guerra das FARC, onde o chamam de “sapo ajoelhado perante o imperialismo e o capitalismo” e o condenam ao “fuzilamento ou execução sem o direito de apelação”.
Ronald diz que “essas são ameaças muito sérias” e que podem ser cumpridas a qualquer momento. “As FARC possuem uma forte estrutura urbana nessa cidade, composta por uma rede de milicianos e assassinos profissionais que, certamente, estão nos procurando”.
Mas Ronald não nega seu passado e nem os ideais pelos quais combateu tantos anos. “O que mais me frustrou na guerrilha é que sinto que estão traindo todos os fundamentos políticos que me ensinaram quando eu era apenas uma criança”. Ronald se sentia parte do braço armado de um movimento que combinava todas as formas de luta. Mas agora “a mesma guerra fez com que tudo se degradasse e que prevalecessem as atitudes militares sobre as políticas, que eram a base das FARC. Porque esse grupo guerrilheiro nasce principalmente como um movimento político e não como uma estrutura militar”.
Ronald vai mais além na análise do movimento no qual passou metade de sua jovem vida. “Militarmente, as FARC são muito fortes, e isso não vai mudar por muito tempo. Pela minha experiência, estão muito longe de acabar, mas politicamente já não são tão fortes. Existe uma divisão interna entre os combatentes devido ao que está acontecendo: o abandono do trabalho político com os camponeses, a vantagem do militar sobre o político”.
Nova estratégia
O jovem comenta que as FARC passaram por momentos difíceis, como confrontos militares e a morte de lideranças. Agora, contudo, estão se fortalecendo muito, “descobriram o antídoto”, isto é, se adaptaram a uma nova forma de guerra e renovaram todas as suas estratégias militares, retornando à guerra de guerrilhas.
Agência Efe (27/03/2012)
Ação do exército colombiano essa semana resultou na morte de pelo menos 36 membros das FARC
Ronald acredita que o recente anúncio das FARC de abandonar a prática de sequestros pode ser lida sob esta óptica. “Se prometeram isso, vão cumprir. Não há dúvidas sobre isso. A pergunta é ‘por quê?’. Creio que é uma estratégia para ganhar apoio urbano e internacional e livrar-se da pressão da opinião pública. Isso porque o tema do sequestro nos afetou muito em nível da propaganda e fez com que as FARC fossem consideradas uma organização terrorista internacional”.
Em 2010, quando estive com Ronald e seus companheiros nas montanhas do Cauca, o jovem prometia converter-se em parte do quadro político da organização sob o pseudônimo de Sebastián. Nas horas de socialização, propunha com desenvoltura temas de debate político sobre as mudanças nas relações entre Israel e Turquia, assim como os planos geoestratégicos de Rússia e do Brasil.
Hoje, recordando aquela época e suas palavras de apreciação, comenta: “nas zonas rurais, você se sente parte de um exército verdadeiramente popular, há uma certa simpatia da população civil, você pensa que o que está fazendo é certo e desenvolve atividades que, efetivamente, beneficiam a população rural. Eu realmente creio que as ideias e os conceitos políticos das FARC são válidos, trazem benefícios. Agora, o problema é como os aplicaremos sem a guerra e de forma pacífica”.
Segundo o jovem, na Colômbia ainda existem os mesmos dilemas de pobreza de quando as FARC nasceram. Mas ele diz que a solução tem que ser adaptada à realidade atual – não se pode pensar em solucionar os problemas com plataformas políticas engendradas há 30 anos.
Trancado em casa, perseguido por seus velhos companheiros de armas, hoje Ronald sai somente para tratar de papeis e pedir asilo político à França, onde espera ingressar na Legião Estrangeira. Assim, seguirá fazendo a única coisa que sabe: guerrear. Desta vez, de forma legal.
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