Em edição extraordinária do programa 20 MINUTOS desta quarta-feira (23/06), o jornalista Breno Altman convidou José Dirceu, ex-presidente da União Estadual dos Estudantes de São Paulo para falar sobre a geração de 68 e a atualidade da luta que se iniciou durante a ditadura militar.
A geração de 1968 é o movimento da juventude estudantil que surgiu nos primeiros anos da ditadura e ganhou força após o assassinato do secundarista Edson Luís, no Rio de Janeiro, mas foi enfraquecido pelos militares após o Congresso de Ibiúna e a aprovação do AI-5.
“Nós vivíamos uma revolução cultural em 1967, 1968, 1969. A juventude universitária tinha valores que não correspondiam aos valores do país, rural e elitista. Tinha a presença das mulheres, apoiava a liberdade sexual, era de vanguarda, em meio à repressão. O movimento estudantil começou a responder a isso”, relembrou Dirceu.
Segundo ele, “tínhamos a convicção de que havia uma maioria no país contra a ditadura”, por isso os estudantes decidiram ir às ruas, mesmo sob o risco de serem presos, torturados e até mesmo mortos.
“A gente achava que era possível criar um grande movimento de massas e derrubar a ditadura nas ruas, porque se há um regime que recusa um projeto de democracia, você precisa derrubá-lo. Programas, alianças, isso é outra coisa, mas ali a gente tinha a escolha de viver de joelhos ou lutar de pé. Acho que essa foi a grande lição de 68, a luta na rua”, defendeu.
“A gente acreditava que poderia concluir a revolução inacabada da qual falava Florestan Fernandes. Acreditávamos no caminho socialista. Revolução e socialismo eram nossas ideias-força e continuam a sê-lo, mesmo em uma ´época como a atual, que não é revolucionária. O capitalismo não responde aos problemas da atualidade. O Brasil vai virar uma fazenda extrativista dos Estados Unidos se não houver uma revolução social”, argumentou.
Resistência armada
Dirceu refletiu também sobre a luta armada durante o período ditatorial. Para ele, “a luta armada sempre esteve presente no Brasil”, desde o tenentismo e a Coluna Prestes até a Campanha pela Legalidade de Leonel Brizola. “Então de onde tiramos a ideia de resistência armada? Da história do Brasil e da realidade do mundo”, afirmou.
No entanto, o ex-presidente da UEE-SP admitiu que não ela não foi feita de forma correta, nem no momento adequado: “Não tínhamos apoio popular, não combinamos a luta institucional e social à resistência militar”, ainda que ele considerasse justo e necessário levantar-se contra a ditadura em armas: “era legítimo”.
Lula Marques
Dirceu foi o entrevistado desta quarta (23/06) da edição especial do 20 MINUTOS ENTREVISTAS
Além disso, Dirceu explicou que o movimento não reverteu e reorganizou suas estruturas para realizar a luta armada e colocou membros na clandestinidade antes mesmo da aprovação do AI-5. Alguns levavam uma vida dupla: “a vida armada e o movimento estudantil”.
Para ele, um exemplo de resistência armada bem sucedida é a revolução cubana. De acordo com Dirceu, tratou-se de um poderoso movimento intelectual, que incluía a classe média e o povo, somado ao movimento operário, “e que culminou com um movimento guerrilheiro liderado por Fidel Castro”.
“Não necessariamente é preciso recorrer à luta armada. Não faço defesa da luta armada hoje, nem proponho isso. Acho que podemos encontrar outros caminhos de luta, mas dizer que foi um absurdo fazer esse tipo de resistência durante a ditadura está errado”, agregou.
‘O Congresso de Ibiúna nos custou muito’
A derrocada do movimento estudantil, e sua transição à clandestinidade, começaria com o Congresso de Ibiúna, quando muitos dos líderes da juventude foram presos, incluindo o próprio Dirceu.
Para ele, o congresso foi realizado da forma equivocada, sem a estrutura adequada. “A gente deveria ter feito o congresso no Crusp [Conjunto Residencial da Universidade de São Paulo], onde a gente já tinha concepção de resistência armada e força para enfrentar a polícia. Em Ibiúna era impróprio. Eu não conhecia, se soubesse, não teria feito lá, nos custou muito”, lamentou.
Por outro lado, Dirceu celebrou a ousadia do movimento estudantil, que se atreveu a realizar um congresso com mais de 800 delegados em pleno regime militar. “É parte do nosso legado, o assalto aos céus. A luta e a resistência também formam parte desse legado, assim como a vanguarda, o não temer o novo”, refletiu.
O ex-presidente da UEE-SP agregou ainda que o movimento de 68 ensinou que “a coisa mais importante é a vida com dignidade”: “Jamais temos que afirmar que estamos dispostos a morrer, lutamos pela vida. Mas, quando você está sob opressão e exploração, a vida só tem sentido se você conquista a liberdade. Era uma imposição moral lutar contra a ditadura. Eu sabia que se fosse preso, principalmente no meu período de exílio, em que voltei duas vezes ao Brasil, seria morto. Não significava que a vida não tinha valor. Queria dizer que a vida só fazia sentido com dignidade”, concluiu.
No próximo sábado, dia 26 de junho, 53º aniversário da Passeata dos Cem Mil, realizada no Rio de Janeiro, militantes da geração 68 realizarão atos de protesto contra Bolsonaro por todo o país. José Dirceu, junto com outros militantes estudantis de sua época, estará presente em atividade na rua Maria Antonia, em São Paulo, a partir das 17 horas. A programação inclui eventos culturais e discursos das lideranças.