No programa 20MINUTOS ENTREVISTA desta sexta-feira (17/09), o fundador de Opera Mundi, Breno Altman, entrevistou o jornalista e escritor Emiliano José, autor do livro Lamarca, o capitão da guerrilha, sobre o militar, assassinado há exatamente 57 anos pela ditadura militar (1964-1985).
“Lamarca é um herói da resistência à ditadura, foi a expressão de uma expressão que não se dobrou aos militares, que foi à luta. Estando certo ou não, só acerta ou erra quem está na batalha, mas ele é um herói”, afirmou José.
Apesar de certo consenso em torno do papel heroico do capitão da guerrilha, até hoje o Exército segue tentando impedir que se reconheça seu assassinato e que sua família seja compensada pelo que lhe aconteceu. De acordo com o escritor, isso se dá porque “o pensamento correspondente à ditadura segue presente com muita força no Exército brasileiro”.
Ele destacou que o país vive sob uma tutela militar das Forças Armadas que, desde a Segunda Guerra Mundial, funcionam “como um apêndice do pensamento e força dos EUA”. Para José, a esquerda vem melhorando em seus esforços de resgatar o papel dos homens e mulheres que lutaram contra a ditadura, mas que estes ainda são insuficientes.
“Eu tenho 17 livros escritos sobre a ditadura e as pessoas me dizem que basta porque já se revelou muito, mas na verdade não se revelou quase nada sobre os atos terroristas dos militares, os desaparecidos políticos. Eu não quero construir mitos sobre o ocorreu, mas discutir nossa história, que é sangrenta e violenta, é essencial”, enfatizou.
Não o ter feito foi o que permitiu, na concepção do biógrafo, que Jair Bolsonaro se elegesse, pois não houve uma compreensão do que foi a ditadura e como ela ainda impacta a realidade do país.
“É uma tragédia que nós tenhamos eleito Bolsonaro, mas é outra tragédia que o ídolo máximo dele foi um dos maiores assassinos da ditadura [o coronel Carlos Alberto Brilhante Ustra] e que ele dissesse isso abertamente. Se ele foi eleito dizendo que esse era seu ídolo, é porque tem pessoas que concordam com o que ele diz”, lamentou José.
De militar a guerrilheiro
Durante a conversa, o biógrafo de Lamarca contou em detalhe sua história. Antes de ser capitão da guerrilha, ele foi militar, “tinha o sonho de servir a Pátria”, e já durante esse tempo começou a adquirir consciência política. Chocado com o golpe de 64, em 1969 o capitão desertou o Exército e se uniu à Vanguarda Popular Revolucionária (VPR), uma organização guerrilheira, da qual se tornaria um dos principais comandantes.
A VPR tinha menos poder de organização que a Ação Libertador Nacional, de Carlos Marighella, e Lamarca, perseguido desde o princípio pelos militares, chegou a ser abrigado pela ALN, apesar de nunca ter chegado a conhecer pessoalmente Carlos Marighella.
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Para José, a esquerda vem melhorando no resgate do papel de homens e mulheres que lutaram contra a ditadura
“Lamarca chegou a fazer cirurgia plástica para evitar ser reconhecido, para os médicos foi uma honra poder fazer aquela cirurgia”, revelou José.
Após a fusão da VPR com o Comando de Liberação Nacional, que deu origem à Vanguarda Armada Revolucionária Palmares, em 1969, Lamarca foi organizar um campo de treinamento de guerrilha no Vale do Ribeira, em 1970.
“Era um centro de treinamento, queriam preparar os militantes de guerrilha, mas acabou se transformando em uma área de guerrilha mesmo porque o Exército descobriu o centro. Lamarca conseguiu, numa proeza, escapar daquele cerco que montaram. Só sobrou ele e mais três militantes que voltaram para São Paulo”, contou o biógrafo.
O cerco contra o capitão da guerrilha seguia apertando. Ele fugiu de São Paulo para o Rio de Janeiro na esperança de que a situação melhorasse, como conta José, mas isso não aconteceu. Aliás, “cai o Stuart Angel, filho da Zuzu Angel, que era do MR-8 [Movimento Revolucionário Oito de Outubro]. A ditadura pensou ali que com ele teriam o Lamarca, mas o Stuart morre sem falar nada”.
No Rio de Janeiro, Lamarca comandou o sequestro do embaixador suíço Giovanni Bucher, contra sua vontade, como contou José, e poupando sua vida.
“Depois daquele episódio acabou a fórmula do sequestro, a ditadura já sabia negociar. Foram 40 dais de negociação e Lamarca achava melhor soltar 70 companheiros do que matar o embaixador suíço. Ele decidiu isso contra a maioria, como comandante da operação. Depois disso, com Marighella já morto, Lamarca virou o homem mais buscado do país”, discorreu.
Lamarca, então, foi para o MR-8, deixando o Rio de Janeiro e indo para a Bahia, para Buriti Cristalino, mais especificamente, a fim de começar um trabalho de massa e “estudar como o primeiro núcleo guerrilheiro sairia dali em direção à luta revolucionária”.
“O Zé Carlos de Souza foi quem transportou o Lamarca do Rio para a Bahia, e ele é pego e não resiste à tortura e conta onde o Lamarca estava”, explicou o biógrafo.
Na caça ao capitão da guerrilha, assassinaram sua amante, a professora Iara Iavelberg, que o havia acompanhado ao Vale da Ribeira, se escondido com ele no Rio de Janeiro e ido à Bahia lutar no MR-8.
De acordo com José, os últimos momentos de Lamarca foram dramáticos. Estava ele e Zequinha, José Campos Barreto, ex-metalúrgico do ABC Paulista, sozinhos na caatinga, sem alimento nem água.
“Conta-se que Lamarca teria dito a Zequinha que o deixasse, mas ele ficou até o último momento em uma lealdade comovente. Lamarca nunca soube do assassinato de Iara, quem ele dizia que era o amor de sua vida”, narrou.
Extenuados, os dois foram entregues à Equipe Cão, do Destacamento de Operações de Informação – Centro de Operações de Defesa Interna (DOI-CODI) baiano, por alguém que os reconheceu, segundo o biógrafo. A dupla foi surpreendida e fuzilada.
“Lamarca foi um exímio militar e capitão, faz forte contraposição contra o péssimo militar que está hoje na Presidência da República”, reforçou.