No programa 20MINUTOS INTERNACIONAL desta quinta-feira (09/09), o jornalista Breno Altman entrevistou a socióloga e doutora em geografia Rita Coitinho sobre integração latino-americana.
Autora do livro Entre duas Américas: EUA ou América Latina (editora Insular), Coitinho afirmou que o continente se divide entre uma América representada pelas “garras do imperialismo” e outra pelo “trabalho explorado dos latino-americanos”. Os projetos de integração seriam as tentativas de se desvencilhar do imperialismo e adotar agendas anti-hegemônicas.
“Isso preocupa os EUA, porque não poderiam controlar a região. Eles sempre jogaram o Brasil contra a Argentina, para que disputassem quem seria o aliado principal, mas quando ambos passam a agir alinhados, isso passa a ser um problema para os EUA, que sempre jogaram com as divergências no continente. Aí a Organização dos Estados Americanos (OEA) retorna. Sempre foi o principal mecanismo de interferência, o posto avançado dos EUA”, explicou a socióloga.
Para ela, a OEA deveria “ser extinta” e qualquer iniciativa de integração deveria excluir os EUA e o Canadá, pois o órgão nunca serviu à América Latina. Pelo contrário, ficou conhecido por apoiar diversas iniciativas golpistas no continente.
Essa ruptura, no entanto, não seria fácil, pois as elites, principalmente no Brasil, “têm, em geral, laços econômicos muito fortes com o imperialismo norte-americano”. Mesmo que a ruptura se desse, ainda não seria o suficiente para que a América Latina rompesse com a divisão internacional do trabalho, por exemplo.
“Acho que a América Latina tem tamanho, população e recursos para uma iniciativa voltada para dentro, de desenvolvimento unificado, mas não isolado. Não acho que poderíamos impor uma nova divisão, mas poderíamos ser um ator central nas ações multilaterais, com China, Rússia, Índia e a União Africana”, ponderou.
Mercosul
Coitinho analisou tentativas passadas de integração regional e órgãos atuais, principalmente o Mercado Comum do Sul (Mercosul). Segundo ela, o legado expansionista do segundo império brasileiro se tornou um obstáculo na integração, mas não só isso, pois “ainda há questões de desconfiança.
“Quando estavam todos declarando sua independência, o Brasil era ainda um império. O comportamento de alguns governos também não ajudou. A própria ditadura militar, apesar da cooperação entre ditaduras, provocou tensões com a Argentina. Por outro lado, o Brasil também tem um legado diplomático que poderia ser explorado”, disse.
Nesse sentido, ela celebrou a política externa multilateral dos governos petistas, que, além do Mercosul, criaram a União de Nações Sul-Americanas (Unasul), desenvolveram a ideia de que “o Brasil não se fortalece sozinho, se fortalece com seus vizinhos” e criaram infraestruturas conjuntas.
Entretanto, na concepção da socióloga, o Mercosul ainda não deve ser pensado na perspectiva da União Europeia pois ainda existem muitos empecilhos que impedem a integração total. Adotar uma moeda única, por exemplo, ela vê como impraticável.
“Como projeto é interessante, mas não vejo como executar isso a curto prazo. Mesmo que a gente tivesse dado continuidade ao projeto de Lula e Dilma, não teríamos chegado nisso ainda, até porque nenhuma das nossas moedas é forte e temos economias dolarizadas. Se as trocas regionais pudessem ficar livres do dólar, já seria um grande avanço”, destacou.
Futuro da integração latino-americana
Para ela, novos projetos devem ir além do que propõe o Mercosul. Isto é, além de trocas comerciais: “Precisa vencer desigualdades, precisa construir uma agenda de integração cultural e científica”, exemplificou.
Além disso, de acordo com Coitinho, para evitar retrocessos salariais ou a invasão de produtos brasileiros em outros mercados, o primeiro passo na integração seria resolver as disparidades entre os países. Idealmente, também deveria trabalhar para a construção de um sistema de defesa próprio, “mas acho impraticável porque todas as Forças Armadas do continente praticamente estão relacionadas aos EUA”.
“Um programa mínimo deveria retomar os mecanismos já existentes do Mercosul que foram paralisados. Avançar nas trocas, reforçar o fundo social do Mercosul, integrar a Bolívia e a Venezuela ao bloco, efetivar o Parlamento do Mercosul com eleições diretas e envolvimento popular, e retomar as iniciativas e mesas de trabalho da Unasul”, listou.