“AMLO contra Bolso”: esta não é a chamada no cartaz de um match de boxe ou de “lucha libre”, mas a promessa de confronto entre duas visões radicalmente opostas entre os futuros presidentes das duas nações mais importantes da América Latina.
Andrés Manuel López Obrador, mais conhecido como AMLO, acabou de tomar posse em 1º de dezembro na Cidade do México, enquanto o presidente eleito Jair Bolsonaro o fará um mês mais tarde, em Brasília. As diferenças entre os dois são profundas, tratando-se de suas origens, trajetórias políticas, ideologias ou estilos. Mas nestes tempos turbulentos de fracasso absoluto dos Estados latino-americanos, o principal campo de batalha será o das propostas econômicas, em dois países campeões mundiais de desigualdades.
O ultradiretista Bolsonaro já afirmou que vai reduzir o número de ministérios e que “extinguirá e privatizará” grande parte das empresas públicas, um anúncio que provocou a euforia dos mercados financeiros. Ele também quer reduzir o imposto sobre a renda das empresas, hoje entre 24% e 34%, para uma taxa única de 20%. A equipe do ex-capitão do Exército justifica essa decisão com base na reforma tributária de Donald Trump nos EUA, que reduziu os impostos corporativos de 35% para 21%. Para ser competitivo no mercado externo e atrair investidores estrangeiros, o Brasil teria que se juntar a essa corrida para baixo.
Isso não é uma novidade. Na América Latina, uma das principais deficiências das estratégias de desenvolvimento tem sido a generalizada concessão de incentivos fiscais com a ideia de que eles são essenciais para garantir investimentos, inovação e empregos de qualidade. No entanto, as pesquisas mostram que, para os verdadeiros investidores diretos, fatores como a qualidade da infraestrutura, uma força de trabalho saudável e qualificada, o acesso aos mercados e a estabilidade política são muito mais importantes.
Por outro lado, a redução das receitas tributárias, decorrente da redução do imposto de renda para as empresas, tem consequências devastadoras. O Brasil poderia perder 9 bilhões de dólares com essa medida. Isso se traduz em falta de recursos para educação, a saúde, os programas de redução da pobreza e infraestrutura. Seria um novo golpe para o financiamento das políticas sociais após a adoção, no final de 2016, de uma emenda constitucional que congela os gastos públicos por uma década. Já no ano passado, os gastos federais combinados em saúde e educação caíram 3,1% em termos reais.
Uma pesquisa do Instituto de Economia Aplicada (IPEA) calcula, por exemplo, que cada vez que o governo gasta R$ 1 na educação pública, gera R$ 1,85 para o produto interno bruto. O mesmo valor injetado na saúde gera R$ 1,70.
Menos financiamento para programas sociais também significa menos crescimento em um país onde uma grande parte do capital privado prefere a renda financeira ao investimento produtivo.São efeitos multiplicadores que não pode ser descartados em um país em recessão econômica desde 2014, e onde o número de pessoas vivendo em extrema pobreza (vivendo com menos de US$ 1,90 por dia) atingiu 14,8 milhões em 2017, e um em cada quatro brasileiros vive abaixo da linha de pobreza.
Na verdade, reduzir a taxa de imposto de renda não é nada mais que um presente para as grandes empresas e as pessoas de alta renda com profundas consequências na distribuição de renda. Além disso, a erosão das bases de tributação é agravada pelas estratégias agressivas das multinacionais, que manipulam as de transações entre as subsidiárias, assegurando que os lucros sejam tributados em países onde os impostos são mais baixos e não onde realmente acontece a atividade econômica e a criação de valor.
Portanto, a Comissão Independente pela Reforma da Taxação Corporativa Internacional (ICRICT, na sigla em inglês), da qual faço parte, afirma que é urgente reformar o sistema tributário global. A abordagem mais promissora consiste em mudar a forma como os lucros tributáveis são calculados em todos os países. Concretamente, propomos redistribuir os lucros globais das empresas – e os impostos associados entre Estados usando um sistema de rateio baseado em fatores como vendas, emprego e recursos usados pela empresa em cada país. Esta reforma global teria um impacto considerável em prol da justiça fiscal.
Consideramos também que os países devem adotar uma taxa mínima efetiva para os lucros das empresas de entre 20 e 25%. Isso significa desmantelar os generalizados subsídios e isenções que prevalecem em toda a América Latina. Reduzir os impostos corporativos e o investimento público não é um caminho para o desenvolvimento.
Se o Brasil de Bolsonaro não quiser, no momento, participar desse debate, o México de AMLO tem uma oportunidade histórica para fazê-lo. Além disso, tem mais margem de manobra: seu nível geral de alíquota (20% em 2017 contra 35% no Brasil) está entre os mais baixos do mundo. Esta situação lhe permitiria aumentar os recursos do governo, tributando verdadeiramente as empresas, e mais especificamente as multinacionais.
Os desafios não são menores no México, onde a pobreza e a violência continuam alimentando a fuga de cérebros e braços para o norte e onde a mobilidade social é quase inexistente. Apenas 4,5% dos mexicanos entre 25 e 64 anos de idade, cuja mãe ou pai tinham apenas educação primária, acabaram obtendo um diploma universitário. Esta situação não mudará sem um investimento público maciço – e eficiente.
Jair Bolsonaro parece ter escolhido o caminho errado para seu país. Esperamos que o México opte por uma alternativa de desenvolvimento que apele, ao contrário, para fortalecer os sistemas tributários, e recuperar o caminho do equilíbrio orçamentário, do investimento público e do crescimento inclusivo.
(*) Ricardo Martner é membro da Comissão Independente pela Reforma da Taxação Corporativa Internacional (ICRICT). Foi chefe da Unidade de Assuntos Fiscais da Comissão Econômica para a América Latina e o Caribe (CEPAL).
Governo do México/Agência Brasil
AMLO e Bolsonaro apresentam estilos opostos para o desenvolvimento econômico