Em 19 de novembro de 1863, numa cerimônia oficial no cemitério militar de Gettysburg, Pensilvânia, durante a Guerra Civil Americana (1861-1865), o presidente Abraham Lincoln pronunciou um dos discursos mais memoráveis da história dos Estados Unidos, mencionado e repetido em várias ocasiões dentro do país e internacionalmente. Em exatas 272 palavras, Lincoln lembrou, de maneira brilhante e comovedora diante de uma plateia de soldados uniformizados, por que a união (dos estados do norte do país) tinha de lutar – e vencer – a guerra.
A Batalha de Gettysburg, travada apenas quarto meses antes, foi a mais sangrenta do conflito. Ao longo de três dias de ferozes combates, mais de 45 mil homens foram mortos, feridos, capturados ou desaparecidos. A batalha refletiu o ponto de inflexão da guerra: a derrota do general Robert E. Lee e sua retirada de Gettysburg marcou a última invasão dos confederados (estados do sul) do território ao norte e o começo do definitivo declínio do exército sulista.
Encarregado pelo governador de Pensilvânia, Andrew Curtin, de cuidar dos mortos de Gettysburg, um advogado de nome David Wills comprou 70 mil metros quadrados de pasto para transformá-lo num cemitério para mais de 7.500 combatentes. Wills convidou Edward Everett, um dos mais famosos oradores da época, a pronunciar o discurso de inauguração da necrópole. Quase que como uma ideia surgida ao acaso no último momento, Wills despachou também uma carta ao presidente Lincoln – exatas duas semanas antes da cerimônia – solicitando “uns tantos comentários apropriados” a tal tipo de inauguração.
Durante a cerimônia de entrega do cemitério, a multidão ouviu por duas horas Everett, antes do pronunciamento de Lincoln. O discurso do presidente durou dois ou três minutos apenas. A fala refletiu sua decidida crença que a guerra civil não era apenas uma luta para salvar a união e sim uma batalha pela liberdade e igualdade para todos os cidadãos, uma ideia que não havia defendido nos anos anteriores à guerra.
Essa foi textualmente sua inspiradora conclusão: “O mundo pouco atentará nem recordará por muito tempo o que aqui dissermos, mas não poderá jamais esquecer o que eles aqui fizeram. Cabe a nós, os que aqui estamos, dedicar nossas forças à grandiosa tarefa inacabada que aqueles que aqui nobremente combateram levaram adiante até agora… que dos mortos a quem honramos, adquiramos dedicação à causa pela qual sua devoção foi expressa da maneira mais plena; que nós aqui decidamos com a maior elevação que esses mortos não tenham morrido em vão; que esta nação, sob as bênçãos de Deus, veja um renascimento da liberdade; e que o governo do povo, pelo povo e para o povo não pereça neste mundo.”
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A receptividade às palavras de Lincoln em Gettysburg foi no começo dividida estritamente de acordo com o pensamento dos partidários de uma ou outra facção. Entretanto, o “pequeno discurso”, como mais tarde o próprio Lincoln o denominou, é considerado por muitos hoje em dia como o mais eloquente articulado sobre a democracia jamais escrito.
Discurso de Abraham Lincoln:
Há 87 anos, os nossos pais deram origem, neste continente, a uma nova Nação, concebida na Liberdade e consagrada ao princípio de que todos os homens nascem iguais.
Encontramo-nos atualmente empenhados em uma grande guerra civil, pondo à prova se essa Nação, ou qualquer outra assim concebida e consagrada, poderá perdurar. Eis-nos em um grande campo de batalha dessa guerra. Eis-nos reunidos para dedicar uma parte desse campo ao derradeiro repouso daqueles que, aqui, deram suas vidas para que essa Nação possa sobreviver. É perfeitamente conveniente e justo que o façamos.
Todavia, numa visão mais ampla, não podemos dedicar, não podemos consagrar, não podemos santificar este local. Os valentes homens, vivos e mortos, que aqui combateram já o consagraram, muito além do que nós jamais poderíamos acrescentar ou diminuir com os nossos fracos poderes.
O mundo muito pouco atentará, e muito pouco recordará o que aqui dissermos, mas não poderá jamais esquecer o que eles aqui fizeram.
Cumpre-nos, antes, a nós, os vivos, dedicarmo-nos hoje à obra inacabada até este ponto tão notavelmente adiantada pelos que aqui combateram. Antes, cumpre-nos a nós, os presentes, dedicarmo-nos à importante tarefa que temos pela frente – que estes mortos veneráveis nos inspirem a uma maior devoção à causa pela qual deram a última medida transbordante de devoção – que todos nós aqui presentes solenemente admitamos que esses homens não morreram em vão, que esta Nação, com a graça de Deus, renasça na liberdade, e que o governo do povo, pelo povo e para o povo jamais desapareça da face da Terra.