Em 17 de janeiro de 1961, o líder anticolonial congolês Patrice Lumumba, então primeiro-ministro do recém-independizado país, foi assassinado, aos 36 anos, por um grupo rebelde que, patrocinado pelos governos dos Estados Unidos, da França e da Bélgica, iniciaram uma guerra civil com o objetivo de tentar impedir a crescente aliança do primeiro governo da nação hoje conhecida como República Democrática do Congo.
Lumumba nasceu em 2 de julho de 1925 na aldeia de Onalua, no que então era conhecido como Congo Belga, cuja colonização foi acompanhada por políticas de segregação e abusos aos direitos humanos que, somente décadas depois, foram reconhecidas como um dos maiores genocídios vividos pela humanidade.
Assim como na África do Sul, os congoleses viviam um regime de apartheid que favorecia os colonizadores belgas e os missionários católicos. Os poucos africanos que eventualmente obtinham alguns direitos desfrutados pelos europeus eram chamados de “évolué”, precisavam provar seu domínio do idioma francês e se vestir à moda europeia – a personificação viva do que Frantz Fanon descreveria em sua publicação de 1952: Pele Negra, Máscaras Brancas.
Lumumba foi educado numa missão católica, testemunhando em primeira mão como a violência operava a todos os níveis sob o domínio colonial. Chicotadas e espancamentos eram comuns, e trabalhos forçados foi imposto aos estudantes. Ao longo de sua infância, Lumumba obteve o credenciamento de “évolué” e todos os benefícios que o acompanham. Depois de deixar a escola, começou a trabalhar como carteiro colonial em Stanleyville (hoje Kisangani) e lá permaneceu por mais de uma década.
O primeiro envolvimento de Lumumba com a política colonial ocorreu em 1955, quando se juntou ao Partido Liberal Belga – mas a sua oposição à Igreja Católica e a recusa em ceder aos colonizadores belgas rapidamente levaram a uma oposição significativa à sua presença. Em 06 de julho de 1956, Lumumba foi preso por peculato. Após a sua libertação em 1957, Lumumba já não era um évolué moderado , mas um agitador radical anticolonial da independência.
Em 1958, Lumumba ajudou a estabelecer o Movimento Nacional Congolais (MNC) e foi eleito presidente após a sua fundação. Como presidente do MNC, participou na Primeira Conferência dos Estados Africanos Independentes, realizada pelo presidente de Gana, Kwame Nkrumah.
Na conferência, Lumumba sublinhou a necessidade da unidade pan-africana: “esta conferência histórica que nos põe em contato com líderes qualificados de todos os países africanos e de todo o mundo, revela-nos uma coisa: apesar das fronteiras que nos separam, apesar da nossa diferença étnica, temos a mesma consciência, a mesma alma que se banha dia e noite na angústia, o mesmo desejo de tornar o continente africano independente… livre de incertezas, e do medo da dominação colonial”.
Se a passagem de Lumumba pela prisão marcou o início da sua radicalização, o seu encontro com Nkrumah e outros delegados pan-africanos, chineses e soviéticos em Gana foi a força vital. Levando para casa o ímpeto e o otimismo da conferência, Lumumba regressou ao Congo revigorado e lançou-se na organização anticolonial.
Um momento decisivo para Lumumba e o MNC chegou durante uma revolta na capital Léopoldville, em 4 de janeiro de 1959, que levou a cerca de 500 mortes congolesas. Outros partidos mais explicitamente radicais, como a Action Socialiste, o Partido do Povo (estabelecido pelo antigo fundador do MNC, Alphonse Nguvulu) e o Parti Solidaire Africain (PSA), também detinham uma influência significativa sobre a população evolué.
Em março de 1959, Lumumba, cansado da demora das autoridades belgas, exigiu uma data para a independência congolesa. Lumumba foi um defensor incansável, trabalhando 18 horas por dia para divulgar sua mensagem até ser preso pela segunda vez em outubro e condenado a seis meses de prisão em janeiro.
A segunda prisão de Lumumba elevou ainda mais sua visibilidade; poucos dias após a sua libertação, 30 de junho de 1960 foi programado para ser o dia da independência na Mesa Redonda Congolesa em Bruxelas. Em 23 de junho, o MNC de Lumumba conquistou uma pluralidade de 33 assentos e foi capaz de estabelecer um governo de coalizão. Um Congo independente nasceu uma semana depois.
Numa visita, o rei belga Badouin fez um discurso no Dia da Independência, onde elogiou o “gênio rei Leopoldo II” e apelou aos seus súditos recém-independentes para “mostrar que são dignos da nossa confiança”.
Num dos momentos mais decisivos da sua carreira, Lumumba – originalmente não previsto para falar – fez uma denúncia contundente do colonialismo belga perante o rei belga e os seus compatriotas congoleses. O discurso foi recebido com aplausos do público congolês, mas irritou o rei Badouin, que ameaçou abandonar o evento. Embora a crescente associação de Lumumba com a União Soviética e os rumores de nacionalização de recursos, foi esta afronta à supremacia branca europeia que selou o seu destino.
O plano Katanga
Com as tensões entre a Bélgica e o Congo inflamadas e as potências ocidentais cada vez mais receosas de perder o país rico em recursos para a União Soviética, foi traçado um plano para remover Lumumba de cena permanentemente.
Após a eclosão da “africanização” dos militares por Lumumba (substituindo oficiais europeus por africanos), a província de Katanga – que detinha grande parte dos depósitos minerais do Congo – declarou a sua sucessão do Congo, apoiada pelo governo belga e pelas empresas mineiras belgas, em 11 de julho de 1960. A Bélgica enviou tropas para a região aparentemente para proteger os cidadãos belgas e a capital, mas as tropas ajudavam secretamente os rebeldes.
Lumumba pediu à ONU que interviesse para conter a rebelião, mas os seus apelos não foram ouvidos. Incapaz de ter ajuda da ONU, Lumumba recorreu à União Soviética.
A prisão de Lumumba em 02 de dezembro ocorreu como parte de uma operação conjunta entre o MI6, a CIA e as forças de inteligência belgas. Traído por um dos seus antigos aliados, Joseph Mobutu, a execução de Lumumba foi um acontecimento horrível. Junto com seus aliados próximos Joseph Okito e Maurice Mpolo, Lumumba foi forçado a ficar encostado em uma árvore e baleado, seu corpo foi desmembrado e dissolvido em ácido. Como recompensa pela sua colaboração, o agente norte-americano Mobutu governou o Congo durante mais de 32 anos.
Lumumba Vive
Foram necessárias mais de seis décadas para a Bélgica repatriar o dente de ouro de Lumumba. Até hoje, a Bélgica se recusa a pedir desculpas oficialmente ou a oferecer reparações pela destruição que causou no Congo, e estátuas dedicadas ao Rei Leopoldo II permanecem expostas em espaços públicos.
Em 2002, uma investigação parlamentar belga concluiu que a Bélgica era “moralmente responsável” pela morte de Lumumba. É impossível dizer como seria o Congo sob Lumumba por mais tempo, uma vez que ele foi assassinado com apenas três meses no poder. No entanto, o seu martírio elevou-o a um símbolo da resistência anticolonial em todo o mundo, e o nome “Lumumba” está entre os seus contemporâneos igualmente depostos, como Kwame Nkrumah, evocando pensamentos sobre o que poderia ter sido.